domingo, 6 de maio de 2012

A crise no Brasil


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A crise financeira que eclodiu em 2008 se manifestou, no imediato, de formas distintas em vários países pelo mundo. Isso possibilitou que alguns governos tomassem medidas que na aparência e sob uma visão superficial pareçam completamente opostas às tomadas nos países mais afetados pela crise. Em algumas localidades há até a impressão de que a crise sequer se fez presente.

Nos fóruns nacionais e internacionais, o governo brasileiro, desde Lula, tem feito discursos onde gaba-se de estar enfrentando a crise financeira com eficiência e de forma distinta dos outros governos, em particular os da Europa e dos Estados Unidos.

De acordo com essa premissa, enquanto no exterior se ataca a produção, o consumo e os direitos dos trabalhadores, por aqui se estaria fazendo o inverso, sendo o governo brasileiro diametralmente oposto aos governos estrangeiros.

Teria-se encontrado aqui a fórmula mágica para debelar a crise capitalista que só não é repetida lá fora por simples insensibilidade de governos maldosos.

Mas será assim mesmo? Será que as ditas medidas anticrise praticadas pelo Brasil realmente se distinguem dos outros países?

É o que pretende analisar o presente artigo.


A crise

As origens da atual crise financeira remontam aos anos 70 do século passado. As mudanças no interior da base produtiva capitalista aliada à crise de 1973 tornou a gestão keynesiana - encarnada no chamado Estado de Bem-Estar Social - um obstáculo para a continuidade da acumulação e reprodução capitalista, cedendo lugar ao neoliberalismo.

Com a gestão neoliberal serviços públicos essenciais foram sendo privatizados e os direitos dos trabalhadores reduzidos contribuindo para a queda da renda da classe trabalhadora. Paralelo a isso as mudanças na base produtiva elevaram a produtividade deixando o mercado cada vez mais inundado de mercadorias que tinham dificuldade de serem consumidas.

Para amenizar essa situação o crédito foi acionado e expandido causando o endividamento da classe trabalhadora dos países capitalistas centrais. Os banqueiros passavam a acumular não apenas mais dinheiro mas poder.

Com as dificuldades de acumulação e reprodução do capital na esfera produtiva cresce a especulação. Karl Marx descreveu assim esse processo:
"Com a queda da taxa de lucro aumenta o mínimo de capital que tem de estar nas mãos de cada capitalista para o emprego produtivo de trabalho; o mínimo exigido para se explorar o trabalho em geral e ainda para que o tempo de trabalho aplicado seja o necessário para a produção das mercadorias, não ultrapassando a média do tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-las. Ao mesmo tempo aumenta a concentração, pois, além de certos limites, capital grande com pequena taxa de lucro acumula mais rapidamente que capital pequeno com taxa elevada. A certo nível, essa concentração crescente de capital por sua vez acarreta nova queda da taxa de lucro. A massa dos pequenos capitais dispersos é assim empurrada para as peripécias da especulação, das manobras fraudulentas com crédito e ações, das crises." (O Capital - Livro 3 - Volume 4, p. 288. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1974)

"Se cai a taxa de lucro, o capital se torna tenso, o que transparece no propósito de cada capitalista de reduzir, com melhores métodos, etc., o valor individual de suas mercadorias abaixo do valor médio social, e assim fazer um lucro extra, na base do preço estabelecido pelo mercado; ocorrerá ainda especulação geralmente favorecida pelas tentativas apaixondas de experimentar novos métodos de produção, novos investimentos de capital, novas aventuras, a fim de obter um lucro extra qualquer, que não dependa da média geral e a ultrapasse." (O Capital - Livro 3 - Volume 4, p. 297. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1974)

Ele faz referência, ainda, a especulação com ferrovias no século XIX, citando o relatório Commercial Distress, 1847-1848:
"(...) o período de prosperidade de 1844 a 1847 na Inglaterra entrosou-se com a primeira grande especulação ferroviária. Sobre o efeito dela nos negócios em geral, o citado relatório diz:
'Em abril de 1847, quase todas as firmas comerciais tinham começado a exaurir mais ou menos seus negócios, aplicando parte do capital em ferrovias'" (O Capital - Livro 3 - Volume 5, p. 474. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1974)

Nos últimos anos assistiu-se ao crescimento da especulação com moradia, o que gerou nos países centrais a bolha imobiliária, que estourou em 2007 nos Estados Unidos, sendo o estopim da atual crise financeira.

Diante dela os banqueiros e as grandes empresas estão sendo socorridos com dinheiro dos contribuintes, o que tem feito elevar à estratosfera a dívida pública, cuja conta os governos fazem recair sob os ombros da classe trabalhadora que perde emprego, casa, salário, direitos sociais, etc.

Como se percebe a origem da atual crise, como a de toda crise capitalista, está na sua base produtiva. A necessidade de elevação da produção para reduzir custos e poder vender mais barato do que o concorrente (o que é buscado por todas as empresas) leva ao que Marx definiu como superprodução. Essa superprodução se transforma em crise quando não encontra absorção no mercado.
"O objetivo do capital não é satisfazer as necessidades, mas produzir lucro, alcançando essa finalidade por métodos que regulam o volume da produção pela escala da produção, e não o contrário. Por isso, terá sempre de haver discrepância entre as dimensões limitadas do consumo em base capitalista e uma produção que procura constantemente ultrapassar o limite que lhe é imanente." (O Capital - Livro 3 - Volume 4, p. 294. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1974)

A caracterização teórica dos fenônemos sociais e econômicos determina a atuação política diante deles. Assim, se as crises capitalistas iniciam-se no seu próprio modo de produção envolto em suas relações sócio-econômicas, e a especulação é efeito dessa contradição, não apenas essa última não é a causa da crise como não será simplesmente com a regulação da mesma que se porá fim às crises. Alguns não só acreditam nessa quimera como acham possível aliar-se com o chamado capital produtivo para combater o capital especulativo. Ignoram que o chamado capital produtivo possui grande inserção especulativa. Por isso os grandes empresários produtivos vibram tanto quanto os banqueiros diante dos planos de ajustes dos governos que atacam a capacidade consumidora dos trabalhadores.


O "segredo" brasileiro

Até 2008 a prioridade no Brasil era a produção para exportação. Quando a crise estoura essas ficam prejudicadas e o governo brasileiro, para escoar essa produção, passa a tomar medidas para estimular o consumo interno das famílias, o chamado mercado interno, até então negligenciado.

Acreditando na eficiência dessa "fórmula", o empresário Abílio Diniz, afirmou, em apoio, mas corretamente, que o Brasil trocou "o consumo externo pelo interno". [1]

Como a valorização do salário mínimo não passa de um mito da propaganda governista pois aumentou menos nas gestões petistas do que na triste era FHC [2], adivinha qual tem sido o principal instrumento utilizado para manter o consumo dos trabalhadores brasileiros? Ele mesmo: o crédito!

De acordo com a "Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic)" divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em maio de 2011, 64,2% das famílias brasileiras já encontravam-se endividadas. [3]

Para se ter uma ideia do crescimento do crédito no Brasil, em 2007 este representava 34,2% do PIB. No ano seguinte já havia pulado para 41,3% [4] e em 2011 atingiu 49,1% [5]. O objetivo é chegar a 60% do PIB até 2015! [6]

As palavras do ex-presidente Lula não deixam dúvidas do crescimento monstruoso do crédito no nosso país:
"Em março de 2003, o crédito disponível no País era de R$ 380 bilhões. Hoje, o Brasil já tem R$ 1,5 trilhão em crédito" [7] Éramos "um país capitalista sem capitalismo", disse ainda o ex-presidente. [8]

Parte desse crédito tem sido utilizado para inflar a bolha imobiliária. Ainda que, em relação ao total do crédito, esse setor fique com uma quantia pequena, o volume de crescimento do crédito para ele também tem sido elevado.

Somente em 2011 o crédito imobiliário cresceu 42% em relação ao ano de 2010, isso levando-se em conta apenas os financiamentos com recursos da caderneta de poupança. [9] Em 2010 o aumento foi de 65% em relação ao ano anterior. [10] Para este ano a estimativa de aumento é de 30% a 40%. [11]

Mas expandir o crédito e inflar a bolha imobiliária não foram, conforme vimos, as medidas adotadas pelos países capitalistas centrais?


Medidas anticrise?

Como o governo petista optou pela manutenção e administração da ordem, quando a crise estourou em 2008, não viu outra alternativa senão a de tomar medidas que mantivessem em funcionamento o processo de acumulação e reprodução do capital.

Para isso havia disponível um "segredo", já esgotado nos países centrais: o consumo do mercado interno.

Este, por sua vez, foi ativado pela "inovadora" expansão do crédito:
"Segundo técnicos do governo, o crédito foi fundamental na recuperação do país após a crise de 2008". [12]

E parece haver a disposição de se levar ao limite essa "inovação". A pedido das classes dominantes, atualmente o Governo Dilma anda empenhado em tomar medidas para aprofundar a política de facilitação e expansão do crédito no país para evitar a crise de superprodução do capital.

Em recente reunião com o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, as montadoras reclamaram mais crédito disponível para os trabalhadores comprar seus carros. E, ao que parece, foram atendidas. Afinal, como disse Cledorvino Belini, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea):
"Os presidentes das montadoras estavam lá e não houve nenhum tipo de contestação." [13]

Mas não é apenas o discurso de diferenciação em relação as medidas de incentivo ao consumo que é irreal. O de ausência de ataques à classe trabalhadora também.

No país que alardeia bom momento econômico ocorrem privatizações e ajustes fiscais (como o corte de mais de 55 bilhões do orçamento em fevereiro deste ano) que atingem em cheio serviços públicos essenciais como saúde e educação.

Este corte recorde no orçamento é apontado por muitos economistas e apoiadores do governo como pré-requisito para a redução das taxas de juros recentemente praticadas pelo governo. Ou seja: os trabalhadores perdem saúde, educação e ainda são chamados a se endividar!

Quando o limite do endividamento ultrapassar o suportável, e isso pode ocorrer quando houver aumento das taxas de juros para segurar o capital estrangeiro que inunda o país ou com a elevação do desemprego, é provável que o governo brasileiro se mostre "inovador" mais uma vez, resgatando bancos e grandes empresas por um lado, e aprofundando o ataque aos direitos da classe trabalhadora por outro. Já haveria até uma lista com os "bancos brasileiros que não podem quebrar". [14]

As medidas "anticrise" do governo petista, cópias retardadas dos outros governos que gerem o capital mundo a fora, nada mais fazem do que empurrar a crise capitalista com a barriga. Como constatou Marx:
"De que maneira consegue a burguesia vencer essas crises? De um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las." [15]


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[1] "Brasil não é o País do futuro, é o de agora", diz Abilio Diniz (17/01/2012):
http://not.economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201201171717_TRR_80734639

[2] Salário mínimo na era Lula aumentou MENOS que na era FHC (22/11/2010):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2010/11/salario-minimo-na-era-lula-aumentou.html

[3] 64,2% das famílias brasileiras estão endividadas, diz CNC. (18/05/2011):
http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2011/05/646-das-familias-brasileiras-estao-endividadas-diz-cnc.html

[4] Volume de crédito alcança 41,3% do PIB em 2008 e bate recorde. (27/01/2009):
http://economia.uol.com.br/ultnot/valor/2009/01/27/ult1913u101066.jhtm

[5] Pol. Monetária e Operações de Crédito do SFN. Banco Central do Brasil. Nota para a Imprensa, 27/01/2012:
http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOM

[6] Crédito no Brasil vai se expandir para 60% do PIB até 2015. (08/07/2011):
http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/infomoney/2011/07/08/credito-no-brasil-vai-se-expandir-para-60-do-pib-ate-2015.jhtm

[7] Lula destaca aumento da oferta de crédito no País. (29/06/2010):
http://economia.estadao.com.br/noticias/economia+brasil,lula-destaca-aumento-da-oferta-de-credito-no-pais,25237,0.htm

[8] Brasil era um país 'capitalista sem capitalismo', diz Lula. (23/09/2010):
http://www1.folha.uol.com.br/poder/803607-brasil-era-um-pais-capitalista-sem-capitalismo-diz-lula.shtml

[9] Crédito imobiliário cresce 42% em 2011 ante 2010. (26/01/2012):
http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,credito-imobiliario-cresce-42-em-2011-ante-2010,100666,0.htm

[10] Financiamento Imobiliário cresce 65% em 2010. (15/02/2011):
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI211372-15259,00.html

[11] Em 2012, crédito imobiliário para pessoas físicas deverá crescer de 30% a 40%. (07/12/2011):
http://casaeimoveis.uol.com.br/ultimas-noticias/infomoney/2011/12/07/em-2012-credito-imobiliario-para-pessoas-fisicas-devera-crescer-de-30-a-40.jhtm

[12] Dilma pressiona por mais crédito (23/03/2012):
https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/3/23/dilma-pressiona-por-mais-credito

[13] Montadoras se queixam ao governo de que bancos dificultam crédito a veículos (12/04/2012):
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/4/12/montadoras-se-queixam-ao-governo-de-que-bancos-dificultam-credito-a-veiculos/

[14] Vem aí uma lista de bancos brasileiros que não podem quebrar (15/11/2011):
http://www.cartacapital.com.br/economia/vem-ai-uma-lista-de-bancos-brasileiros-que-podem-quebrar/

[15] Manifesto Comunista, 1848.
http://www.culturabrasil.pro.br/manifestocomunista.htm
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