quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Inglaterra aprova lei que permite a censura da internet

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O fato é relevante, aconteceu em abril deste ano, mas passou despercebido pela grande mídia brasileira. A Inglaterra, proclamada "terra da liberdade", aprovou uma "Lei da Economia Digital" que beneficia as grandes corporações, prejudica os pequenos e permite a censura da internet dos cidadãos ingleses.

Abaixo reproduzo o artigo de Cory Doctorow (ativista digital, escritor de ficção científica e coeditor do blog Boing Boing), publicado no The Guardian em abril, que dá uma ideia do que representa esta lei.


Lei da Economia digital: uma declaração de Guerra

Cory Doctorow

(Do Guardian) Com a aprovação de afogadilho da Lei de Economia Digital (Digital Economy Act) este mês, a disputa em torno do copyright entra em uma nova fase. Antes da lei ser aprovada, os copyfighters atuavam sob a suposição de era possível um acordo de paz entre o rolo compressor dos gigantes da indústria do entretenimento e a sociedade civil.

Agora que a BPI (British Recorded Industry Music, associação de gravadoras da Inglaterra) e seus chapas ganharam a melhor lei que o dinheiro pode comprar – uma lei que cria um ambiente de censura sem precendentes na web britânica, uma lei que possibilita cortar conexões de famílias inteiras somente por um diz-que da indústria de entretenimento, uma lei que silencia conexões abertas de redes Wi-Fi e impede pessoas de tocar seu próprio negócio normalmente com o argumento de que ele poderia causas danos ao negócio deles - o jogo mudou.

Eu aderi ao copyfight a partir de um ponto de vista muito pessoal. Como autor, queria dispor de um conjunto de regras justas de direito autoral que servissem de base para minhas negociações com grandes editoras, estúdios cinematográficos e instituições similares. Tinha receio de que a expansão de direitos autorais – em duração e abrangência – prejudicasse minha capacidade de criar livremente. Afinal, os autores são os mais ativos reusuários do copyright, cada um de nós é uma fábrica de remix e um arquivo-de-uma-pessoa-só de referências que nos inspiram e influenciam.

Também me preocupava a possibilidade de o controle de empresas dominantes sobre o novo sistema de distribuição de conteúdo online ampliar artificialmente sua capacidade de sufocar os autores. Este abraço de jiboia acontece porque praticamente todo gigante da mídia nos oferece os mesmos e péssimos termos de contrato e não existem concorrentes mais generosos para levar nosso trabalho ao público.

Essas coisas ainda me preocupam, claro. Participei da criação de uma empresa de sucesso -- o Boing Boing, um site super lido – que se beneficia muito do fato de não dever fidelidade a nenhum distribuidor para poder chegar a seus leitores (em contraste a isso, a velha edição impressa do Boing Boing quebrou quando seu principal distribuidor, devendo-nos uma pequena fortuna, entrou em falência, em posse de centenas de dólares em material impresso que nunca conseguimos recuperar). Meus romances entraram nas listas de mais vendidos porque foram distribuídos gratuitamente em meu site ao mesmo tempo em que eram vendidos em grandes livrarias por editoras como a Macmillan, a HarperCollins e a Random House.

Toda minha vida gira em torno da economia digital: administrando empresas que crescem ao copiar e que exploram os atributos poderosos da rede para obter melhor retorno sobre seu investimento.

O Parlamento nos deu uma banana (e também a todas as pequenas/médias empresas) ao aceitar ceder maiores lucros para a economia analógica representada pelos selos e estúdios.

Neste momento, no entanto, meu saldo bancário é a menor das minhas preocupações. A disposição da indústria de entretenimento de usar sua base parlamentar para impor a censura e punição arbitrária a cata de alguns centavos extra é tão corrompida e terrível que me faz temer pelos fundamentos da democracia e da sociedade civil.

Nos Estados Unidos, a MPAA e a RIAA (equivalentes americanas da MPA e da BPI) acabam de apresentar propostas à czar da Propriedade Intelectual Americana, Victoria Espinel, deixando claro seu propósito de repressão IP. Querem que instalemos em nossos computadores softwares de vigilância (spywares) que deletem conteúdo identificado como infratores de direitos autorais. Querem nossas redes censuradas por firewalls de alcance nacional (Bono do U2 Bono também defendeu isso em um editorial do New York Times, assumindo que se os chineses podem controlar informações trocadas por dissidentes com softwares de censura, nossos governos podem usar tecnologia semelhante para manter as infrações de copyright sob controle). Eles querem revista alfandegária de laptops, media players e thumb-drives em cada fronteira.

Querem assediar países em desenvolvimento para que transfiram recursos de iniciativas sociais para a proteção do copyright. E querem, em casa, que a proteção ao copyright seja levada a cabo, de graça, pelo Departamento de Segurança Nacional.

Elementos dessa agenda também aparecem (ou melhor, são dissimulados) no Anti-Counterfeiting Trade Agreement (Acta), um tratado em elaboração por um clube de amigos de países ricos. Eles viraram as costas às Nações Unidas para poder negociar em segredo, sem ter que enfrentar jornalistas ou grupos de defesa de interesses públicos. Eles próprios admitem que pretendem impor esse tratado aos países em desenvolvimento como condição para o comércio internacional. Nos Estados Unidos, a administração Obama anunciou sua intenção de aprovar o Acta sem debatê-lo no Congresso.

Não sou tecnotriunfalista a ponto de acreditar que uma internet livre e aberta vai resolver nossos problemas socioeconômicos. Mas sou tecnopessimista o bastante para acreditar que incorporar a vigilância, o controle e a censura no próprio tecido de nossas redes, equipamentos e leis é o caminho certo para um inferno ditatorial.

Chekhov escreveu que se há uma arma sobre a lareira no primeiro ato ela certamente vai disparar no ato três. A briga cega da indústria de entretenimento pelos seus objetivos estreitos tem o potencial de redesenhar nossas tecnologias para transformá-las em ferramenta e justificativa para a opressão.

Extraído de:
http://www.arede.inf.br/inclusao/component/content/article/106-acontece/2836-lei-da-economia-digital-britanica-e-uma-declaracao-de-guerra-escreve-cory-doctorow
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