Aproveitando
o resultado eleitoral o governo Bolsonaro tenta impor o Projeto
“Escola sem Partido” antes ainda de tomar posse. É preciso
conhecer os pressupostos ideológicos e a sua conveniência econômica
no atual contexto.
A base
teórica do “Escola sem Partido” é uma teoria conspiratória,
sem pé nem cabeça, chamada “marxismo cultural”. De acordo com
essa tese a esquerda teria abandonado a tomada revolucionária do
poder e substituído pela infiltração institucional com o objetivo
de ganhar a hegemonia cultural da sociedade e implantar o comunismo a
conta gotas. A grande mídia burguesa, as universidades e as escolas
seriam algumas dessas instituições.
Marx,
Engels, Lenin, Trotsky, entre outros, seriam meros defensores do
“ataque frontal”, em suma, da revolução violenta, ao passo que
em superação deles Antônio Gramsci, György Lukács e a Escola de
Frankfurt teriam elaborado e sugerido uma “guerra cultural”. Nada
mais falso! Nem os primeiros negligenciaram a questão cultural, nem
Gramsci e Lukács abandonaram a insurreição.
Como os
meios de produção não tem como serem socializados e como nenhum
país esteve próximo de chegar sequer no socialismo com tal via o
próprio conceito de comunismo teve de ser reelaborado, não pela
esquerda mas pela própria direita crente de tal teoria. Olavo de
Carvalho afirmou em artigo que “o comunismo não é um modo de
produção” mas “um movimento político” que visa o
“controle efetivo e total da sociedade civil e política”
[1], definição ampla que serve para taxar de “comunista” tudo
aquilo que desagrada essa direita.
Por
acreditarem estar vivendo uma “guerra cultural” é nesse terreno
que querem combater com todas as forças. Daí a ideia de um projeto
que visa extirpar toda a contribuição científica que lhes pareça
“vermelha” e a aplicação de uma revisão que traga a “verdade”.
Assim, a “doutrinação” ideológica seria eliminada e a “ciência
verdadeira” finalmente estabelecida. Porém, não tarda para que os
argumentos em pró da aplicação de tal empreitada se esfacele na
solidez científica e na contradição da prática concreta.
A
neutralidade é impraticável e pensadores insuspeitos de serem parte
da trama do “marxismo cultural”, como David Hume e George
Berkeley já deixaram isso evidente em seus escritos de séculos
atrás. A abolição da ideologia não seria referendada pelo liberal
Ludwig von Mises que afirmava ser o liberalismo uma ideologia também.
No plano
prático é que as contradições dos partidários com partido do
“Escola sem Partido” se revelam em toda a sua hipocrisia. Em um
debate com a representante do sindicato dos profissionais da educação
do Rio Grande do Sul (CPERS) o deputado Marcel van Hattem foi
questionado pelo jornalista mediador sobre como um professor deveria
agir diante de um aluno simpático a ditadura militar. Hattem então
sugeriu um proselitismo em defesa do livre mercado, o que
contrariaria o projeto defendido pelo próprio deputado [2]. A
deputada recém-eleita, Ana Caroline Campagnolo, pediu para os alunos
denunciarem professores que emitissem opiniões contra Jair
Bolsonaro. Só os que criticassem, afinal, ela lecionava
tranquilamente com a camisa do referido político. Como se tudo isso
não bastasse temos que os heróis anti-doutrinação estão entre os
maiores divulgadores de fakes news, como atesta a própria campanha
de Jair Bolsonaro.
A
proposta de lecionar apenas de acordo com as convicções dos alunos
e seus pais [3] inviabiliza a própria docência, uma vez que em uma
sala de aula há várias convicções distintas e a ciência, com
frequência, impressiona até aqueles que trabalham com ela no dia a
dia.
É
preciso esclarecer que as proibições, como de opinião pessoal, não
se restrigem aos professores que terão, conforme preve o projeto,
que impedir estudantes e terceiros de violar a legislação [4].
Chega a ser irônico dizerem que será afixado em sala de aula uma
folha para os alunos saberem de seus direitos de não poderem se
expressar em um espaço onde as ideias devem circular livremente. Por
outro lado, o ensino confessional, esse sim doutrinador, é
assegurado [5].
Do ponto
de vista econômico podemos encontrar algumas conveniências
reveladoras.
O
programa de governo de Bolsonaro afirma que o investimento em
educação no Brasil está no nível dos países desenvolvidos [6] e
que “é possível fazer muito mais com os atuais recursos”
[7]. Com tal definição está se informando de antemão que
possivelmente novos aportes não serão realizados na área atendendo
os preceitos do ajuste realizado pela PEC do Teto, medida que o
presidente eleito votou favoravelmente.
Mas se o
problema não é de falta de recursos (sic) porque a educação
brasileira encontra-se na atual situação de precariedade? A culpa é
dos professores “doutrinadores”! Dessa forma a responsabilidade é
transferida do material para o cultural, do governo para os
profissionais. A tarefa do governo então passa a ser caçar os
“doutrinadores”.
E com tal
perseguição pode-se facilitar os cortes orçamentários, a
implantação da reforma do ensino médio, a aplicação do ensino à
distância (que é do interesse de Stravos Xanthopoylos, empresário
do ramo de EAD que prestou consultoria para a campanha de Bolsonaro
[8]) e a transferência de bilhões das universidades para as
igrejas, via creches. [9]
Teríamos,
então, o casamento perfeito entre a estupidez teórica dessa direita
boçal com a conveniência econômica dos malandros candidatos a
novos plutocratas. Mas para a celebração de tal cerimônia será
preciso remover a oposição das comunidades escolares. Por isso,
Jair Bolsonaro e seus aliados já declararam os professores como seus
inimigos públicos número 1!
Resistir
será fundamental!
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[1] O
comunismo real. Olavo de Carvalho, 13/04/2014.
[2] PL
Escola sem Partido, de Marcel van Hattem – Debate. Programa
“Conexão RS” da Ulbra TV, 10/06/2015.
[3]
Escola sem Partido. Anteprojeto de lei federal. Ver “V” do Artigo
4º.
[4] Idem.
Conforme “VI” do Artigo 4º.
[5] Idem.
Conforme Artigo 6º.
[6] Jair
Bolosnaro: proposta de governo, p.42.
[7] Idem,
p.41.
[8]
"Posto Ipiranga" da educação de Bolsonaro presta
consultoria para presidenciável via WhatsApp. 30/08/2018.
[9] Plano
de Bolsonaro une criação de creche e ensino religioso. 13/10/2018.
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