domingo, 26 de fevereiro de 2012

Governo Tarso: dinheiro e disposição para os de cima, calote e descaso para os de baixo

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Dois casos. Duas classes. Dois discursos. E uma contradição exposta. É o que se viu, mais uma vez, no Estado do Rio Grande do Sul, na última sexta-feira (24) e no último sábado (25).

Caso 1, sexta-feira: o Governo Tarso anunciou, através da grande imprensa, o que ele chama de um cronograma para pagar o Piso Nacional dos Professores estaduais. A aliança do governador com a grande imprensa tem sido sistemática e visa confundir a opinião pública. Dessa vez não foi diferente.

A primeira confusão que o governo faz para enganar a sociedade é confundir cumprimento do piso de uma categoria com aumento salarial. Assim alardeia como aumento de 76,68%, a ser pago em sete parcelas até o final de 2014, o que seria para atingir o piso. São coisas distintas!

A segunda confusão é que, se cumprido o calendário do governo, o que será realizado e institucionalizado é o não pagamento do Piso Nacional para os professores!

O piso hoje é de R$ 1.187,97. O seu reajuste para este ano ainda está em discussão. Governos estaduais querem derrubar a fórmula de reajuste estabelecida pelo Ministério da Educação, que seria de 22% e trocá-la pelo INPC, que está em 6,08%.

Caso prevaleça o INPC o piso dos professores passaria para R$ 1.260,19. O calendário do Governo Tarso prevê o pagamento desse valor até o final de 2014. Ou seja, o piso estaria defesado em dois anos! Assim estaria legalizado o calote no piso dos professores estaduais!

O governismo, mais uma vez, alega problemas financeiros e chama de "acordo possível" o estelionato eleitoral do governador que prometeu o piso na campanha. Mas o caso 2 mostra a contradição desse discurso.



http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=wYvOAFQKHZM


Caso 2, sábado: o governador Tarso Genro participa da 22ª Abertura da Colheita do Arroz, em Restinga Seca. E anuncia, sem titubear, aos grandes fazendeiros, que "O Estado tem dinheiro para os arrozeiros". [1]


"O Estado tem dinheiro para os arrozeiros", diz Tarso Genro  Caroline Bicocchi/Divulgação


E não foi só disposição financeira que o governador ofereceu:
"(...) o governo estadual veio a Restinga Seca para se colocar mais uma vez à disposição do setor para, junto aos políticos de todos os partidos, liderar qualquer mobilização ao governo federal no sentido de valorizar ainda mais a nossa produção, representada por esta Abertura Oficial da Colheita em Restinga Seca" [2]

As palavras de Renato Rocha, Presidente da Federarroz, no mesmo evento realizado no ano passado, deixam claro que a disposição do governo petista não é só discurso:
"Em pouco mais de 45 dias desde a posse de Dilma Rousseff e Tarso Genro várias reivindicações foram atendidas, amenizando as dificuldades encontradas pelos arrozeiros neste momento em que começa a colheita." [3]

E este ano elenca o que já conseguiram:

"Tivemos um protocolo de intenções com o Banco do Brasil onde serão colocados R$ 700 milhões para a comercialização do arroz, R$ 500 milhões para EGF e R$ 200 milhões para a pré-comercialização e compra de insumos para a próxima safra. Também tivemos anúncio de recursos do Sicredi e do Banrisul para pré-comercialização e EGFs, no Balcão de Negócios. Com este volume anunciado aqui pelo Banco do Brasil deveremos chegar a R$ 900 milhões para a comercialização. Esse pacote de recursos, aliado as medidas que o ministro da Agricultura prometeu em editar com a maior brevidade possível, dá para projetar um cenário de comercialização mais favorável para esta safra". [4]


Um Estado seletivamente quebrado

Em menos de 24 horas o governo gaúcho mostrou, em dois casos que envolviam duas classes distintas, que o Rio Grande do Sul é um Estado seletivamente quebrado. Para os de baixo o calote é o "acordo possível" enquanto que para os de cima não faltam recursos.

Não foi a primeira vez que isso aconteceu no atual governo. No ano passado, enquanto Tarso dizia em um dia que o Estado se transformaria em uma Grécia caso o seu pacote, que privatizava a previdência pública e instituía o calote nos precatórios, não fosse aprovado [5] ; dizia em outro que não faltaria dinheiro para as multinacionais. [6] Isso sem falar nos reajustes de mais de 100% para os apadrinhados políticos. [7]

Fica cada vez mais visível que o Governo Tarso escolheu o lado de cima para governar e é por esse motivo que caloteia e ataca o andar de baixo.

No caso da educação pública o seu governo não se limita a atacá-la financeiramente mas aplica contra-reformas que prejudicam os filhos da classe trabalhadora reduzindo o seu horizonte profissional e disponibilizando-os gratuitamente para o empresariado.

O Governo Tarso não é apenas "inimigo da educação" como corretamente apontavam os outdoors do Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS) espalhados recentemente. Ele é inimigo da classe trabalhadora! Os trabalhadores ficaram apenas na sigla do seu partido.

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[1] "O Estado tem dinheiro para os arrozeiros", diz Tarso Genro (25/02/2012):
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/economia/noticia/2012/02/o-estado-tem-dinheiro-para-os-arrozeiros-diz-tarso-genro-3676101.html

[2] Tarso destaca parceria do governo com produtores na Abertura da Colheita do Arroz (25/02/2012):
http://www.estado.rs.gov.br/

[3] Abertura Oficial da Colheita do Arroz (09/03/2011):
http://copespt.blogspot.com/2011/03/abertura-oficial-da-colheita-do-arroz.html

[4] Colheita do Arroz abre com manifestações por melhores preços (25/02/2012):
http://federarroz.com.br/index.php?exe=noticia_detalhe&in=184

[5] O Pacotarso, o RS e a Grécia (30/06/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2011/06/o-pacotarso-o-rs-e-grecia.html

[6] Para as multinacionais têm dinheiro, anuncia Governo Tarso (03/07/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2011/07/para-as-multinacionais-tem-dinheiro.html

[7] Novo Governo, velhas medidas! (11/01/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2011/01/novo-governo-velhas-medidas.html
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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Prefeita petista demite grevistas

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A repressão aos movimentos sociais no Brasil está recrudescendo cada vez mais. Mandando às favas a própria legislação do país os partidos comprometidos com o status quo não têm poupado energias para reprimir os indesejados e empreender verdadeiras perseguições políticas, seja para derrotar greves e mobilizações contra seus governos, seja para garantir os interesses do capital.

Até mesmo o PT, que muitos ativistas honestos acreditam que tem uma postura mais branda com os movimentos sociais, está impondo repressões aos trabalhadores e aos excluídos com uma dimensão de deixar a velha direita com inveja.

O último caso se deu na cidade de Fortaleza. Lá, a Prefeita petista, Luizianne Lins, demitiu, por decreto, 10 agentes da Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e Cidadania (AMC), no último dia 16. Pretende demitir mais 98 e chegou a ameaçar de demissão toda a categoria!

Como informa o Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos do Município de Fortaleza (Sindifort):
"As demissões ocorreram três dias após reunião do Sindifort e Prefeitura em 13/02/12 com a intermediação do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Estadual (MPE) e da OAB/CE, através da Comissão Interministerial de Negociação Coletiva no Âmbito da Administração Pública (Comine). Os intermediadores da negociação sugeriram que a Prefeitura se comprometesse em não punir, retaliar ou demitir os grevistas. Em contrapartida a categoria encerraria a greve. Ficou estipulado um prazo de 48 horas para uma resposta das partes.

E a resposta que foi dada pela prefeita Luizianne Lins foi a demissão de 10 agentes de trânsito, a criação de uma lista com mais 98 nomes para serem demitidos em breve e a ameaça de demitir toda a categoria se os agentes de trânsito não suspenderem a greve." [*]

As garantias legais para o andar de baixo têm se tornado cada vez mais letras mortas:
"Tais decisões ferem o artigo 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal, que garante o direito de defesa em processo administrativo antes que o trabalhador venha a sofrer qualquer sansão, e a Lei do Direito de Greve, em seu artigo 7°, que veda a rescisão de contrato de trabalho (demissão) durante o período de greve; além de ignorar decisão do STF, através da Ação Direta de inconstitucionalidade de nº 3235 AL, que em 2004 considerou inconstitucional uma norma baixada pelo governo de Alagoas que previa punição para servidores em estagio probatório que se envolvessem em movimentos grevistas.

Além disso abre perigoso precedente contra a liberdade de organização sindical, caracterizando a intervenção do Estado na organização dos trabalhadores, o que é proibido pela Constituição Federal e pela Lei de Greve. A demissão dos agentes vai contra o direito de greve e avança rumo à criminalização dos movimentos sociais, ao autoritarismo e à intransigência." [ibidem]

No Brasil, enquanto cresce em uma ponta a liberdade para o capital e as regalias para os poderosos, cresce na outra a repressão ao andar de baixo. A perseguição política aos que não se dobram e aos que simplesmente estão "atrapalhando" é cada vez mais intensa e aberta.

Não se deixar enganar pela propaganda da grande mídia e dos governos que visa criminalizar as mobilizações sociais para melhor persegui-lás e reprimi-lás, seguir firme nas lutas e apoiar as demandas uns dos outros são ações cada vez mais imperiosas para os excluídos e os trabalhadores brasileiros poder superar essa verdadeira escalada autoritária.


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[*] Assine a nota de solidariedade aos agentes de trânsito da AMC
http://www.sindifort.org.br/component/content/article/1-ultimas-noticias/348-assine-a-nota-de-solidariedade-aos-agentes-de-transito-da-amc
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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Ocupação Comparada: ex-Prefeito de SJC ocupa terras da União sem pagar taxas

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Enquanto os pobres, que não têm onde morar, são expulsos à bala pelos governos que se omitem de atender o direito básico de moradia - sejam tucanos, sejam petistas - os poderosos têm outro tratamento.

A Rede Globo se apropriou por 11 anos de um terreno público e, depois de ser denunciada, foi "punida" com a entrega do terreno pelo então governador de São Paulo, José Serra. [*]

Agora descobre-se que o ex-prefeito de São José dos Campos, o tucano Robson Marinho, ocupa terras da União e não paga as devidas taxas. Até agora nada aconteceu!


Publicado em 16/02/2012

Ex-prefeito da cidade do Pinheirinho ocupa terras da União sem pagar taxas

Por: Helena Sthephanowitz, especial para a Rede Brasil Atual


Em São José dos Campos "gente diferenciada" é outra coisa. Enquanto os governos tucanos expulsam violentamente 1,7 mil famílias carentes de uma ocupação de terra de megaespeculador, o ex-prefeito Robson Marinho, também tucano, ocupa terras da União, sem se preocupar em pagar as devidas taxas.

Marinho não pagou à Secretaria de Patrimônio da União a módica taxa de ocupação dos anos de 2009 e 2011, nos valores de R$ 8.403,80 e R$ 6.370,83, respectivamente (documentos ao lado). Por sinal, um valor digamos, bastante razoável, já que se trata de uma ilhota do tamanho de sete campos de futebol no valorizadíssimo litoral paradisíaco de Paraty.

Robson Marinho foi prefeito de São José dos Campos em 1983, é tucano fundador do PSDB, já foi deputado estadual e federal, presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo e chefe da Casa Civil do governador Mário Covas - que o nomeou conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do qual, aliás, também já foi presidente.

Recentemente, Marinho teve bloqueadas contas bancárias na Suíça. Segundo informações de autoridades daquele país, o dinheiro lá guardado seria resultado de sua estreita relação com a multinacional Alstom, cujos contratos para fornecer os trens que equipam o metrô paulistano são cercados de denúncias de corrupção. Suspeita-se que o ex-prefeito tenha acumulado na Suíça o saldo de cerca de US 1 milhão em propinas por contratos com o governo (tucano) de São Paulo.


Extraído de:
http://www.redebrasilatual.com.br/blog/helena/ex-prefeito-da-cidade-do-pinheirinho-ocupa-terras-da-uniao-sem-pagar-taxas

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[*] Ocupação Comparada: o caso Rede Globo (27/01/2012):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2012/01/ocupacao-comparada-o-caso-rede-globo.html
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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Enquanto o novo não se manifesta

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Rall

Quinta-feira, Fevereiro 16, 2012


O crescente endividamento das empresas além de suas possibilidades, surge no pós-guerra como uma necessidade de suprir as demandas de capital fixo e de compensar a fraca acumulação na economia real. Nos anos 80 esse processo se intensifica com as mudanças na produção que incorpora novas tecnologias e aumentam a produtividade do trabalho. Começa aí a formação das grandes bolhas financeiras que funcionam, enquanto inflam, como alavancas da economia real. As medidas regulatórias com a pretensão de corrigir os 'excessos' na geração de crédito e a formação de bolhas, se efetivadas devem trazer à luz a incapacidade da economia real sustentar-se sem a formação de grande quantidade de capital fictício. Pois, em última instância, o motivo da crise financeira, o grande volume de capital fictício circulante, é também o eixo principal da engrenagem que movimenta a economia. O crédito sem limites, um dos principais meios de geração desse capital, não pode ser controlado sem que a economia real, nele ancorada, não corra um grande risco de colapsar.

Com o advento da crise financeira em 2008, onde trilhões e trilhões de dólares foram queimados, secando o mercado e retraindo o consumo, as empresas, para não falirem, ajustaram-se a nova realidade fechando um sem números postos de trabalho e recorrendo ao financiamento do Estado para o contínuo movimento de rolagem das dívidas. Prontamente os Estados atenderam, imprimindo volume inédito de dinheiro através de seus bancos centrais, e passaram a suprir as demandas do mercado com grande volume de capital sem substância a custo zero. Esse dinheiro, contabilizado como crédito a ser saldado pelos tomadores num futuro sem prazo quando tudo estiver consertado, inclusive o retorno da rentabilidade, aparece como dívida nos orçamentos dos Estados. No entanto, apesar da liquidez forçada, os investimentos privados não acontecem e parte do dinheiro retorna aos bancos centrais(1).

Para os EUA, detentor da moeda universal, imprimir dinheiro significa endividar-se, mas também desvalorizar o dólar e tornar-se globalmente mais competitivo com a desvalorização do câmbio em relação aos demais países. Nos primeiros momentos da crise, onde todos se sentiam ameaçados, alguns acertos globais foram possíveis. Porém, com o acirramento mortal da concorrência por mercados consumidores saturados, instalou-se o dissenso: cada um busca a seu modo, transferir para o vizinho o ônus da crise. A política de expansão monetária dos EUA transformou-se em arma poderosa no enfrentamento dos concorrentes, fazendo com que as exportações de seus produtos industrializados de alto valor agregado batam os similares produzidos fora. Porém, isso não se aplica aos produtos manufaturados na China e outros países, que mantém a moeda atrelada ao dólar e os salários bem inferiores aos pagos aos trabalhadores norte-americanos, compensando a diferença de produtividade.


Como achatar os salários abaixo do esperado para o nível de consumo de uma determinada sociedade não é tão fácil, mesmo considerando-se o grande número de trabalhadores desempregados, há um consenso nos países ricos de que a saída para as suas empresas voltarem a ser competitivas no mercado global é aumentar a produtividade. O setor privado dos EUA, pelas declarações de seus executivos, vem trilhando esse caminho com ajuda do Governo, e deve ser acometido de um novo surto de produtividade renovando o parque industrial, sem necessariamente produzir uma nova revolução tecnológica. Isso já vem acontecendo na esteira da Terceira Revolução Industrial, cujo potencial está longe de se esgotar.

O aumento da produtividade, se por um lado beneficia provisoriamente empresas e nações, corrói o valor que no mercado se manifesta como uma redução de preços. Esse fenômeno evidencia-se nos preços dos chamados bens duráveis, que vem caindo de forma acelerada em todo mundo. Pode-se argumentar que a acirrada concorrência tem jogado os preços para baixo, o que não deixa de ser verdade. Porém, uma mercadoria só pode forçar a queda de preço de sua concorrente e reduzir a margem de lucro, se for produzida em condições de oferecer-se ao mercado a preços competitivos, mantendo uma margem que compense sua produção, mesmo que dure pouco. Embora possamos falar em ganhadores e perdedores quando se trata de empresas ou países isolados, o que se observa globalmente é uma inexorável crise da "valorização do valor (Marx)" com o aumento da produtividade e queda do trabalho produtivo.

Nada disso era muito claro antes da revolução tecnológica que incorporou à produção a microeletrônica, possibilitando a automação em larga escala e a dispensação do trabalho produtivo gerador de mais-valia. Apesar de ser essa uma tendência inerente à lógica do capitalismo, analisada por Marx nos seus primórdios, só se evidencia, mesmo para os crédulos, a partir da Terceira Revolução Industrial. A crise dos gigantes japoneses como a Sony, Panasonic e Sharp com um prejuízo combinado de 17 bilhões de dólares em 2011, e a quase falência da indústria automobilística dos EUA e de outros grandes conglomerados empresariais do globo, não está fora desse contexto. O abalo financeiro global, com o recuo do crédito e a queima de parte do dinheiro fictício gerado no mercado de papéis, que ‘artificialmente’ dá sustentação ao consumo e a produção industrial, é um agravante desse quadro.

Determinante da crise é, porém, a queda livre da rentabilidade dos setores produtivos geradores de mais-valia, que exigem a partir daí a expansão do capital fictício para se sustentarem. O estouro das bolhas infladas com esse capital e a crise das dívidas soberanas mostraram os pés de barro do capital sem substância e, ao mesmo tempo, a incapacidade da denominada economia real movimentar-se sem ele, mesmo que mais na frente tenha que prestar contas com alto custo social. O grande dilema é que enquanto se estreita o campo de manobra da economia política, e os danos sociais a cada espasmo da crise tornam-se mais frequentes e severos, o novo, capaz de navegar na escuridão do capitalismo em crise, não foi captado em sua totalidade e consistentemente formulado.

(1) A morte melhorada de uma velha senhora


Extraído de:
http://rumoresdacrise.blogspot.com/2012/02/enquanto-o-novo-nao-se-manifesta.html
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domingo, 19 de fevereiro de 2012

Privataria dos aeroportos: alguma coisa no ar?

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Extraído do site Rede Democrática
http://www.rededemocratica.org/index.php?option=com_k2&view=item&id=1355:alguma-coisa-no-ar&Itemid=170


Alguma coisa no ar…

Escrito por Redação

Privataria PetistaFabricaram a tal da “privataria tucana” e olha aí…

São 30% dos passageiros e 57% da carga do transporte aéreo nacional entregues a uma empresa africana de credenciais duvidosas que ficou com nada mais nada menos que Guarulhos, um trambiqueiro argentino de extensa folha corrida que, muito adequadamente, ficou com Brasília, e uma operadorazinha francesa especializada em negociar com genocidas africanos que levou Viracopos.

Se os dois outros vencedores são duvidosos, o argentino que levou Brasília é explícito. Daqueles que não se aperta nem regula mixaria. “Pagou” nada menos que 673,39% de ágio! R$ 4,5 bi pela outorga mais compromissos contratuais de R$ 2,8 bi de investimentos.

Andou fazendo coisa parecida na Argentina, onde opera aeroportozinhos regionais. Prometeu mundos e fundos. E aí, nada. Quando as contas começaram a indicar que seria mais caro para o governo retomar os aeroportos que renegociar o contrato com o espertalhão, ele foi ficando espaçoso…

Privataria PetistaTentou primeiro com Duhalde em 2003. Não conseguiu. Empurra daqui, empurra dali, acabou arrancando uma renegociação de Nestor Kirshner em 2007.

Em vez dos royalties anuais devidos (equivalentes às nossas prestações pela outorga), enfiou goela abaixo do governo 15% das receitas, quaisquer que fossem elas. E evidentemente elas são muito menores que os royalties devidos. Repactuou também os planos de investimentos e emitiu títulos para pagar com papéis o resto do que devia.

Ainda assim, continua devendo US$ 104 milhões à Casa Rosada, segundo o jornalValor.

Como um tipo desses leva o aeroporto da capital do Brasil com a simples promessa de pagar quase sete vezes o que foi pedido pela concessão é coisa que o PT terá de explicar logo logo à Nação…

Já Guarulhos, o maior aeroporto do país, fica para uma obscura companhia da África do Sul que se apresenta à frente dos – adivinhem? – fundos de pensão das estatais (leia-se, o próprio PT).

Esse consórcio Invepar é da onipresente Previ, que tem 38% do capital, mais o Funcef e o Petros, seus fiéis escudeiros representando os funcionários da “nossa” Caixa e do “nosso” petróleo (o Brasil bem que merece!), e ainda da OAS (19,4%), aquela empreiteira da família do finado Antônio Carlos Magalhães que andou encolhendo desde que ele se foi deste mundo.

Pois é. O dinheiro tem o condão de enterrar ideologias…

O governo não esperava obter por Guarulhos mais que R$ 6 bi. Quando o leilão chegou aos R$ 12 bi, um adviser das companhias mais experientes do mundo na administração de aeroportos já garantia aos presentes que “essa conta não fecha“. Pois depois disso ela aumentou mais um terço. Foi a R$ 16,2 bi, mais R$ 4,6 bi em reformas contratuais para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016!

A receita total do aeroporto de Guarulhos calculada pelo governo para os 20 anos da concessão é de R$ 17 bi, apenas 5% a mais do que os fundos do PT pagaram só pela outorga.

As prestações por essa outorga, posto esse número, sobem a R$ 800 milhões por ano. E hoje o faturamento total de Guarulhos é de R$ 500 milhões…

Como fechar essa conta se o contrato diz que as tarifas aeroportuárias não podem subir?

Com receitas não tarifárias como estacionamentos e restaurantes“, diz candidamente Gustavo Rocha, presidente da Invepar . (E com financiamentos do BNDES, é claro).

Nada, enfim, como fazer contas com dinheiro “nosso”…

Ao fim e ao cabo, a proposta mais “pé no chão” foi a do endividado Grupo Triunfo com seus franceses misteriosos, que pagou “apenas” 159% de ágio por Viracopos. É o mesmo grupo que, em 2008, “levou” as rodovias Ayrton Senna e Carvalho Pinto, em São Paulo, mas acabou sendo desabilitado porque não conseguiu cumprir o que prometeu.

Pelo menos ele devolveu o que não conseguiu pagar.

Enfim, não perca os próximos capítulos. Este caso tem tudo para transformar oMensalão numa brincadeira de crianças.


Cf:

Algumca coisa noar ...

Nota:

O aeroporto de Guarulhos, que atende a cidade de São Paulo e é o de mais movimentado do Brasil, será administrado nos próximos 20 anos por um consórcio que tem entre seus sócios com 10% a sul-africana Airport Company South África (ACSA), operadora de 11 aeroportos na África do Sul e um na Índia.

O terminal aéreo de Brasília será operado nos próximos 25 anos pelo mesmo consórcio que obteve em agosto a concessão do aeroporto brasileiro de Natal e que tem como sócio a argentina Corporação América (50%), que opera aeroportos na Argentina, Equador, Peru e Itália.

Já o aeroporto de Campinas, um importante terminal de carga a 90 quilômetros de São Paulo, terá como gestor durante 30 anos um consórcio cujo operador, com participação de 10%, é o grupo francês Egis Airport Operation (Egis Avia), que opera 11 aeroportos em diferentes países com um movimento de 13 milhões de passageiros ao ano.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Drones serão usados dentro do território dos EUA

Guerra ao povo? Aviões não tripulados, utilizados nas guerras do Afeganistão e do Iraque, serão usados pelo governo estadunidense dentro de suas fronteiras.


Sob o silêncio cúmplice da grande mídia mundial o regime nos Estados Unidos vai, em uma velocidade nada desprezível e sem dissimulação, se fechando cada vez mais.

Nos últimos meses ocorreram os seguintes fatos no interior daquele país:

- Mais de 6 mil pessoas foram detidas e reprimidas com táticas de guerra por protestar contra o governo e as grandes corporações capitalistas. Alguns até estão defendendo o exílio para os mesmos. [1]

- O Senado aprovou e o Presidente Barack Obama sancionou uma lei que permite que cidadãos estadunidenses sejam presos, sem acusação formal e por tempo indeterminado e que as forças armadas sejam utilizadas contra eles. [2]

- Uma lei de controle da internet foi tentada e encontra-se momentaneamente em repouso.

Estivessem se dando em outro país, as medidas acima seriam fartamente lembradas e denunciadas pela grande mídia global e as autoridades do governo dos Estados Unidos, que ainda apontariam nelas um fio condutor que estaria levando a referida nação a uma escalada autoritária que estaria destruindo a democracia. Mas parece que por lá tudo é permitido sem que a aura de "terra da liberdade" seja arranhada!

A utilização dos drones, aviões não tripulados utilizados em guerras externas, dentro das fronteiras da "terra da liberdade" contra seus próprios cidadãos, não é uma medida descolada das anteriores. Muito pelo contrário, ela é parte complementar e integrante da Lei Marcial aprovada pelo Senado e sancionada por Obama. Afinal, como disse o Senador Lindsey Graham que apoiou a Lei Marcial, a terra natal faz parte do campo de batalha. [idem 2]

E a batalha do século XXI se evidencia cada vez mais em ser a guerra dos ricos contra os pobres, seja de países no plano externo, seja contra o próprio povo no plano interno.



Leia mais sobre a utilização dos drones dentro dos EUA em:
DHS To Launch Insurgent-Tracking Drones Inside America. Paul Joseph Watson. 09/02/2012.
http://www.infowars.com/dhs-to-launch-insurgent-tracking-drones-inside-america/


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[1] Prefeita de Oakland quer exilar membros do Occupy (02/02/2012):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2012/02/prefeita-de-oakland-quer-exilar-membros.html

[2] Obama sanciona Lei Marcial (10/01/2012):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2012/01/obama-sanciona-lei-marcial.html

Senado aprova "Lei Marcial" nos EUA (17/12/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2011/12/senado-aprova-lei-marcial-nos-eua.html
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Privatização: ontem e hoje!

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09/02/2012

Apesar de haver permanecido durante muito tempo na pauta da agenda autenticamente liberal, a privatização só ganhou espaço e fôlego a partir de meados da década de 1970, quando aquilo que viria a ser conhecido como “Consenso de Washington” começou a realizar seus primeiros esboços.


- Paulo Kliass [*]


A surpreendente decisão da Presidenta Dilma em dar seqüência à proposta de privatização da estrutura aeroportuária brasileira reabriu o importante debate a respeito da complexa relação entre as esferas do público e do privado em nosso País.

Para aqueles que se recordam dos termos das polêmicas da campanha eleitoral para presidente em 2010, um ponto de inflexão foi justamente a postura ofensiva adotada pela então candidata do PT contra as propostas de privatização levadas a cabo pelo candidato tucano. Ou seja, votar no Serra era correr o risco da volta ao processo de transferência do patrimônio público ao setor privado. Porém, nada como um dia após o outro. E um ano após a sua posse, o governo Dilma comanda o leilão dos 3 principais aeroportos, cuja gestão até então era de responsabilidade da Infraero – empresa pública do governo federal.

Colocados na defensiva pelo tom inusitado do xadrez político, muitos simpatizantes do governo ensaiaram um discurso rechaçando a acusação e a cobrança de coerência. “De jeito nenhum! Concessão não é privatização!”. Ou então argumentando que os valores dos aeroportos leiloados foram bem superiores aos das empresas privatizadas no passado. Como se a questão ideológica estivesse superada e agora tudo não passasse de se encontrar a melhor forma para se chegar ao “preço justo” para realizar a transação entre o Estado e o capital. O esforço do malabarismo retórico impressiona! Afinal, realmente deve ser um pouco incômodo receber tantos elogios da parte de personalidades que estavam à frente do processo de privatização à época de FHC.

O fato é que o termo “privatização” comporta um conjunto enorme de definições. No entanto, considero que o mais adequado seria abordá-lo no sentido mais amplo, como o verdadeiro “processo de privatização”, que trata das relações entre as esferas do setor público e do setor privado. Apesar de haver permanecido durante muito tempo na pauta da agenda autenticamente liberal, a privatização só ganhou espaço e fôlego a partir de meados da década de 1970, quando aquilo que viria a ser conhecido como “Consenso de Washington” começou a realizar seus primeiros esboços. Ronald Reagan na Presidência dos EUA e Margaret Thatcher à frente do governo britânico foram os grandes patronos das medidas de demonização da presença do Estado na economia. E logo em seguida receberam o providencial apoio dos partidos socialistas recém chegados ao poder na França e na Espanha, que privatizaram boa parte dos respectivos setores públicos. Era o início da ascensão do neoliberalismo.

As empresas estatais e o início da crítica

Aqui por nossas terras, a realidade era um pouco diferente. Durante a fase da ditadura militar, como que por ironia da História (prefiro chamar de necessidades do capital...), a estrutura do Estado na economia se alargou e se aprofundou. Apesar da orientação direitista e conservadora do golpe de 64 e da crença liberal de seus principais formuladores de política econômica, o que se viu foi a continuidade da estruturação de setores estratégicos com forte presença do ente estatal. A energia era dominada pela Petrobrás, Nuclebrás, Eletrobrás e o sistema elétrico com empresas federais e estaduais. A siderurgia tinha como grande vetor a Siderbrás, com as principais empresas como CSN, Cosipa, Usiminas e demais. O sistema portuário era comandado pela Portobrás e suas unidades nas principais cidades do litoral. Na área de estradas de ferro, tínhamos a RFFSA federal e algumas empresas estaduais. No setor de petroquímica e de fertilizantes, o modelo dos pólos - como Camaçari e Cubatão - estimulava a formação de parcerias entre público e privado, por meio da Petroquisa e da Petrofértil. Nas telecomunicações, havia o sistema Telebrás com as operadoras estaduais e a Embratel federal.

No sistema financeiro, havia os bancos comerciais e os de desenvolvimento. De um lado, Banco do Brasil (BB), Caixa Econômica Federal (CEF) e o sistema dos bancos comerciais dos governos dos estados. De outro, BNDES e os bancos de desenvolvimento regional – BASA e BNB. Na mineração, o carro-chefe sempre foi a Cia. Vale do Rio Doce. Havia empresas de navegação fluvial, como a ENASA da Amazônia e a FRANAVE para o São Francisco. Na aeronáutica, a EMBRAER na produção de aeronaves. O sistema de água e saneamento urbano também sempre foi montado com base em empresas estatais, seja dos municípios seja dos estados.

Porém, apesar dessa aparente contradição, o modelo era bastante funcional ao processo de acumulação do capital. Do ponto de vista político, uma vez que o regime assegurava a exploração da força de trabalho e silenciava os opositores com os instrumentos da repressão. Do ponto de vista econômico, a fase do milagre reservava altas taxas de acumulação e de retorno para o capital privado. As primeiras queixas mais explícitas de representantes do empresariado começaram a surgir a partir da crise do início dos anos 80. Afinal, quando a economia entra em recessão, ninguém quer sair perdendo. O vilão passa, então, a ser identificado no setor público.

O Jornal da Tarde, ligado ao jornal “O Estado de São Paulo”, passa a publicar, em 1983, uma série de reportagens que ficou famosa. Tinha por título “República Socialista Soviética do Brasil” (sic) e buscava confundir de maneira ardilosa a luta pela democracia com a luta contra a presença do setor público na economia. Com comunistas, socialistas e demais representantes das forças progressistas assassinados, torturados, presos, exilados, a matéria tentava passar uma falsa imagem a respeito do projeto político do regime militar.

Através da divulgação exaustiva do suposto “gigantismo” das empresas estatais brasileiras e dos abusos cometidos pela ditadura, o jornal sugeria que a luta democrática pressupunha a saída do Estado na economia. Mas o termo mais utilizado naquele momento era a chamada proposta de “desestatização”. Apesar de um outro nome diferente para reduzir a presença do setor público, a essência da proposta era a mesma de hoje - a “privatização”.

Diferentes modalidades de privatização

As alternativas privatizantes podem ocorrer segundo um conjunto amplo de possibilidades operacionais. A primeira delas é o estereótipo mais evidente e consiste na venda pura e simples da empresa do Estado para os interessados do setor privado. O patrimônio da empresa estatal é transferido para o novo proprietário que paga um valor por tal operação.

Normalmente, o preço de venda deveria refletir o valor atual da empresa, adicionado do fluxo futuro de ganhos esperados. Na prática, porém, quase nunca foi assim. Os preços de venda eram reduzidos e os adquirentes recebiam mil e uma vantagens para a compra, como aceitação de títulos públicos sem liquidez (as chamadas moedas podres), aporte de recursos públicos (como financiamento do BNDES) e outras generosidades (como a participação de fundos de pensão ligados a empresas estatais).

Além disso, a realidade dos processos de privatização contém outras modalidades que não podemos deixar de considerar. As empresas estatais, por exemplo, dividem-se em empresas públicas e empresas de economia mista. No primeiro grupo, o Estado detém 100% das ações. No segundo grupo, há participação de acionistas privados também. A coisa fica mais complicada ainda se levarmos em conta a diferença entre as ações que dão direito a voto e as que não oferecem essa possibilidade. Ou ainda, as ações que dão direito a receber dividendos anuais do lucro da empresa e as que não permitem esse ganho. No caso do setor bancário, por exemplo, a CEF é uma empresa pública e o BB é uma empresa de economia mista.

Para os que agora resolveram fazer uma leitura mais “pragmática” da privatização, o governo poderia transferir até 49% do capital da Caixa sem problemas, pois ficaria tendo maioria no controle. E poderia vender a totalidade das ações ordinárias do BB sem direito a voto e as nominativas no limite de sua posição de majoritário.

Concessão é uma forma de privatização

No caso das concessões, o modelo de privatização é diferente. Não se trata de uma transferência definitiva do patrimônio estatal para o setor privado. E podemos estar face a situações bastante distintas. Um caso é o leilão da concessão de um bem público já em operação por entidade estatal. Outro seria a concessão de uma atividade nova que seria posta em operação pelo setor privado. E aqui a lista de casos para a realidade brasileira recente é enorme.

O governo FHC decidiu por abrir à iniciativa privada (grupos nacionais e estrangeiros) a concessão de exploração de poços de petróleo, o que antes era monopólio da Petrobrás. E esse modelo, antes tão criticado, acabou sendo digerido, absorvido e mantido pelos governos do PT. Está virando moda em todas as esferas da administração pública (federal, estadual e municipal) submeter à concessão da iniciativa privada a exploração econômica de diferentes tipos de serviço de saúde, como hospitais, centros de saúde, entre outros. Os governos estão realizando leilões para concessão a consórcios privados a administração de rodovias, mediante a cobrança de pedágios. Será que apenas por não haver a transferência “para todo o sempre” do patrimônio público para o privado, todos esses exemplos de transação negocial não se caracterizam como privatização? Afinal, se levarmos em conta o tempo médio de vida das empresas no Brasil, os 30 anos da concessão dos aeroportos é mais do que uma eternidade! Quem sobreviver até 2042 certamente assistirá à cerimônia de retorno do patrimônio dos aeroportos à União...

Além disso, a mercantilização dos bens públicos é também uma forma evidente de privatização desses setores. O ensino superior virou um grande negócio para o setor, sem que as universidades públicas tenham sido vendidas. Bastou o governo estimular o crescimento das vagas nas faculdades privadas, seja por programas do tipo PROUNI, seja pelo estrangulamento dos orçamentos da rede das universidades públicas. Tanto é que há hoje grandes grupos estrangeiros operando no ramo de vendas de diplomas de ensino superior por aqui. Já a expansão da rede privada de saúde é estimulada pelo sucateamento da estrutura da saúde pública, via SUS. A transformação da saúde e da educação em mercadorias faz com que esses setores passem a ser tratados segundo a lógica do capital e não aquela do interesse público. E isso significa também um processo de privatização de tais atividades, sem que haja nenhuma venda de empresa estatal.

Não há razão para privatizar

O ponto mais intrigante é a busca das razões que teriam levado o governo da Presidenta Dilma a tal mudança de postura. Afinal, os argumentos favoráveis à privatização podem ser resumidos a 5 tipos:

i) “ideológico puro”: sou contra o Estado na economia, isso é função de empresa privada e ponto final;

ii) ineficiência do Estado: a ação econômica do Estado é sempre ineficiente, em relação ao setor privado. Assim, para que o conjunto dos atores sociais saia sempre ganhando, a solução é privatizar;

iii) necessidade de promover a concorrência: boa parte das empresas estatais opera em setores onde não há concorrência. Abrir à privatização seria uma forma de estimular a eficiência, melhorar os serviços e reduzir as tarifas cobradas do consumidor;

iv) a presença do Estado só se justifica em setores considerados estratégicos e essenciais;

v) necessidade de recursos: o Estado estaria com dívidas elevadas e sem recursos financeiros para cumprir suas missões essenciais. A solução é vender o patrimônio público para o setor privado e usar esses recursos para tais fins.

Assim, vejamos o caso do Brasil de hoje, de acordo com os postulados acima:

i) poucos liberais radicais arriscariam tal opção hoje em dia;

ii) o argumento da ineficiência quase sempre é utilizado de forma oportunista e casuísta. Assim, o esforço deve ser no sentido de aperfeiçoar a gestão da coisa pública e não transferi-la para o setor privado. Caso contrário, a lista das empresas e setores a serem privatizados só deveria aumentar. Na verdade, muitos temem que a Infraero seja um balaio de ensaio para outros experimentos mais “ousados”;

iii) a realidade pós-privatização de teles, energia elétrica, estradas, entre outros, mostra a falácia do argumento. Os serviços são de péssima qualidade, as tarifas elevadas e os setores não permitem uma concorrência do tipo do “mercado da batatinha”. Não gostou dos serviços da companhia de eletricidade? Ótimo, vá então procurar aquele fio no poste lá do outro lado da calçada. O pedágio da estrada está muito elevado? Pode pegar a via esburacada ali ao lado, que ela é de graça. Isso para não mencionar o nível absurdo das tarifas, inclusive na comparação com outros países;

iv) realmente entre os extremos das barracas de frutas na feira e a promoção da segurança pública, há um conjunto amplo de setores que podem ser considerados estratégicos ou não, de acordo com o momento histórico, a realidade de cada país e a opinião de cada indivíduo. Mas, com certeza, a gestão aeroportuária desempenha uma função relevante aqui no Brasil. Afinal, se não fosse assim tão estratégica, por que tanta preocupação com o chamado “caos” aéreo? Por que tanta energia despendida com a busca de uma solução a toque de caixa, a partir de uma simples exigência da FIFA? Além de elementos de segurança nacional (espaço aéreo entre os oceanos Atlântico e Pacífico, espaço de dimensão continental, conexão do território nacional, etc), os aeroportos proporcionam cada vez mais um importante meio de comunicação e transporte em nosso País. É realmente um setor essencial.

v) o Estado brasileiro tem recursos financeiros sobrando. O problema é que quase 50% do Orçamento vão para pagamento de juros e serviços da dívida pública. Apenas a título de comparação: o governo comemorou os R$ 35 bilhões que serão desembolsados em lentas e suaves prestações ao longo de 30 anos pelos consórcios dos aeroportos. Pois a Presidenta, de uma só canetada, cortou R$ 60 bi dos gastos da União em 2012 para gerar o famigerado superávit primário.

Afinal, então, por que privatizar?



[*] Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.


Extraído de:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5453
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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Privataria do PT

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Por Maria Lúcia Fattorelli


Em meio a insistentes ataques da grande mídia à “corrupção” de autoridades dos três poderes institucionais, uma verdadeira corrupção institucional está ocorrendo no campo financeiro e patrimonial do país, destacando-se:
. Privatização da previdência dos servidores públicos
. Privatização de jazidas de petróleo, inclusive do Pré-Sal
. Privatização dos aeroportos mais movimentados do país
. Privatização de rodovias
. Privatização de hospitais universitários
. Privatização de florestas
. Privatização da saúde, educação, segurança e muitos outros serviços essenciais, que recebem cada vez menor quantidade de recursos haja vista a luta de 20 anos pela implantação do piso salarial dos trabalhadores da Educação, a recente greve dos policiais na Bahia, ausência de reajuste salarial para os servidores em geral, entre vários outras necessidades não atendidas, evidenciada recentemente na tragédia dos moradores do Pinheirinho em São Paulo, enquanto o volume destinado ao pagamento de Juros e Amortizações da Dívida Pública continua crescendo cada vez mais.

Qual a justificativa para a entrega de áreas estratégicas ao setor privado? Por que criar um mega fundo de pensão para os servidores públicos do país quando os fundos de pensão estão quebrando no mundo todo, levando milhões de pessoas ao desespero? Por que leiloar jazidas de petróleo se a Petrobrás possui tecnologia de ponta? Por que abrir mão da segurança nacional ao entregar os aeroportos mais movimentados para empresas privadas e até estrangeiras? Por que privatizar os hospitais universitários se esses são a garantia de formação acadêmica de qualidade? Por que privatizar florestas em um mundo que clama por respeito ambiental? Por que deixar que serviços básicos, sejam automaticamente privatizados, a partir do momento em que se corta recursos destas áreas?

O que há de comum em todas essas privatizações e em todas essas questões? O ponto central está no fato de que o beneficiário de todas essas medidas é um ente estranho aos interesses do povo brasileiro e da Nação. Os únicos beneficiários têm sido o setor financeiro privado e as grandes transnacionais.

Então, por que o governo tem se empenhado tanto em aprovar todas essas medidas contrárias aos interesses nacionais? E o que diz a grande mídia a respeito dessas medidas indesejáveis? Não divulga a posição dos afetados e prejudicados por todas essas medidas, mas promove uma completa “desinformação” ao apresentar argumentos falaciosos e convincentes propagandas de que o Brasil vai muito bem e que a economia está sob controle.

Ora, se estamos tão bem assim, qual a razão para rifar o patrimônio público? Por que esse violento round de privatizações partindo justamente de quem venceu as eleições acusando a privataria?

Na realidade, o país está sucateado. Vejam as estradas rodoviárias assassinas e a ausência de ferrovias; a desindustrialização; o esgotamento de nossas riquezas; as pessoas sem atendimento hospitalar, com cirurgias adiadas até a morte; os profissionais de ensino desrespeitados e obrigados a assumir vários postos de trabalho para sustentar suas famílias; o crescimento da violência e do uso de drogas.

É inegável o fato de que o PIB brasileiro cresceu e já somos a sexta potência mundial, mas o último relatório da ONU mostra que ocupamos a vergonhosa 84ª posição em relação ao atendimento aos direitos humanos, de acordo com o IDH1, o que é inadmissível considerando as nossas imensas riquezas.

Algo está muito errado. Não há congruência entre nossas riquezas e nossa realidade social. Não há coerência entre o discurso ostentoso e a liquidação do patrimônio nacional.

Dizem que temos reservas internacionais bilionárias, mas não divulgam o custo dessas reservas para o país, o dano às contas públicas e ao crescimento acelerado da dívida pública brasileira que paga os juros mais elevados do mundo. Dizem que temos batido recordes com exportações, mas não divulgam que lá de fora, valorizam os preços da chamadas “commodities” e o que fazemos: aceleramos a exploração dos nossos recursos naturais e os exportamos às toneladas. Mas quem ganha já não é o país, pois as minas, as siderúrgicas e o agrobusiness já foram privatizados há muito tempo.

Outra grande falácia é de que o Brasil está tão bem que a crise financeira que abalou as economias dos países mais ricos do Norte – Estados Unidos e Europa – pouco afetou o país. A grande mídia não divulga, mas a raiz da atual crise “da Dívida” que abala as economias do Norte está na crise do setor financeiro. A crise estourou em 2008 quando as principais instituições financeiras do planeta entraram em risco de quebra. Tal crise dos bancos decorreu do excesso de emissão de diversos produtos financeiros sem lastro – principalmente os derivativos - possibilitada pela desregulamentação e autonomia do setor financeiro bancário. Embora tivessem agido com tremenda irresponsabilidade na emissão e especulação de incalculáveis volumes de papéis sem lastro, tais bancos foram “salvos” pelos países do Norte à custa do aumento da dívida pública, que agora está sendo paga por severos planos de ajuste fiscal contra os trabalhadores e crescente sacrifício de direitos sociais.

Apesar da monumental ajuda das Nações aos bancos, o sistema financeiro internacional ainda se encontra abarrotado de derivativos e outros papéis sem lastro - tratados pela grande mídia como “ativos tóxicos”. Grande parte desses papéis foi transferida para “bad Banks”2 em várias partes do mundo, à espera de serem trocados por “ativos reais”, principalmente em processos de privatizações.

Assim funcionam as privatizações: são uma forma de reciclar o acúmulo de papéis e transferir as riquezas públicas para o setor financeiro privado. Relativamente à privatização da Previdência dos Servidores Públicos, o Projeto de Lei PL-1992 cria o FUNPRESP que, se aprovado, deverá ser um dos maiores fundos de pensão do mundo.

Na prática, esse projeto se insere em tendência mundial ditada pelo Banco Mundial, de reduzir a participação estatal a um benefício mínimo, como alerta Osvaldo Coggiola, em seu artigo “A Falência Mundial dos Fundos de Pensão”: “Com este esquema, o que se quer é reduzir a aposentadoria estatal de modo a diminuir o gasto em aposentadorias e aumentar os pagamentos da dívida do Estado.”

A dívida brasileira já supera os R$ 3 trilhões. A grande mídia não divulga esse número, mas o mesmo está respaldado em dados oficiais (leia aqui).

Os fundos de pensão absorvem grandes quantidades de papéis, pois funcionam trocando o dinheiro dos trabalhadores por papéis que circulam no mercado financeiro. Os tais “ativos tóxicos” estão provocando sérios danos aos fundos de pensão, como adverte Osvaldo Coggiola: “... duas Agentinas e meia faliram nos Estados Unidos como produto da crise do capital, levando consigo os fundos de pensões lastreados em suas ações. Na Europa, a situação não é melhor. A OCDE advertiu sobre o grave risco da queda nas Bolsas sobre os fundos privados de pensão, cuja viabilidade está ligada à evolução dos mercados de renda variável: “Existe o risco de que as pessoas que investiram nesses fundos recebam pouco ou nada depois de se aposentar”.

O art. 11 do PL-1992 não permite ilusões quanto ao risco para os servidores federais brasileiros, pois assinala que a responsabilidade do Estado será restrita ao pagamento e à transferência de contribuições ao FUNPRESP. Em outras palavras, se algo funcionar errado com o FUNPRESP; se este adquirir papéis podres ou enfrentar qualquer revés, não haverá responsabilidade para a União, suas autarquias ou fundações.

Previdência é sinônimo de segurança. Como colocar a previdência em aplicações de risco? Qual o sentido dessa medida anti-social? O gráfico a seguir, elaborado pela Auditoria Cidadã da Dívida, revela porque a Previdência Social tem sido alvo de ferrenhos ataques por parte do setor financeiro nacional e internacional: o objetivo evidente, como também alertou Osvaldo Coggiola, é apropriar-se dos recursos que ainda são destinados à Seguridade Social para destiná-los aos encargos da dívida pública.

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* Nota: O valor de R$ 708 bilhões inclui o chamado “refinanciamento” ou “rolagem”, pois a CPI da Dívida Pública comprovou que parte relevante dos juros são contabilizados como tal. Para mais informações clique aqui.


As diversas auditorias cidadãs em andamento no Brasil e no exterior, bem como a auditoria oficial equatoriana (2007/2008) e a CPI da Dívida no Brasil (2009-2010) têm demonstrado que o único beneficiário do processo de endividamento público tem sido o setor financeiro.

No Brasil, o gráfico a seguir denuncia o privilégio da dívida, pois a dívida absorve quase a metade dos recursos do orçamento federal, o que explica o fabuloso lucro auferido pelos bancos aqui instalados, enquanto faltam recursos para as necessidades sociais básicas, tornando nosso país um dos mais injustos do mundo.

É urgente unir as lutas contra a privatização do que ainda resta de patrimônio público no Brasil, pois é para pagar a dívida pública e preservar este modelo de “Estado Mínimo” para o Social – e “Estado Máximo” para o Capital - que as riquezas nacionais continuam sendo privatizadas.

Maria Lúcia Fattorelli é auditora fiscal e coordenadora da organização Auditoria Cidadã da Dívida; foi membro da Comissão de Auditoria Integral da Dívida Pública no Equador; atuou na CPI da Dívida, no Congresso Nacional e é autora do livro "Auditoria Da Dívida Externa (Questão de Soberania)".


Extraído de:

http://carosamigos.terra.com.br/index2/index.php/artigos-e-debates/2490-privatizacoes-a-quem-interessa

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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Privataria petista resulta em expulsão de comunidade

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Vila é destruída e, sem opções, famílias são enxotadas com indenizações mínimas

Publicado em 11 de fevereiro de 2012
Por Xingu Vivo

Ao lado do principal canteiro de obras de Belo Monte – o sítio Belo Monte – está uma comunidade rural de médio porte, situada no município de Vitória do Xingu, localizada nas margens da Rodovia Transamazônica – mais precisamente, no quilômetro 50, no trecho entre Altamira e Anapu. É a Vila Santo Antônio. Ou era.

“Acabaram com todos os nossos laços familiares e com os nossos laços comunitários. Estão todos indo embora e ninguém sabe direito pra onde”, conta o pescador Élio Alves da Silva, enquanto vende os peixes que pescara de manhã aos poucos moradores que ainda restam na vila.

Élio é o único porta-voz de uma das maiores injustiças cometidas pela Norte Energia até então: a desapropriação forçada de cerca de 25 propriedades da comunidade, cuja Associação de Moradores ele preside.

“As indenizações variam entre 9 mil e 60 mil reais”, conta Élio. Quando recebeu sua proposta de desapropriação, o pescador disse ao engenheiro: ‘rapaz, isso tá muito pouco!’. Ele me respondeu, irônico: ‘melhor um pássaro na mão do que dois voando’”.

Os moradores do Santo Antônio vivem uma situação singular em relação aos colonos e ribeirinhos. Não possuem grandes extensões de terra ou plantações que pudessem garantir indenizações elevadas. “Quem não é pescador, vivia de serviço, trabalhando em fazendas que também foram desapropriadas, ou trabalhando em Anapu”. Também não possuem documentação de titulação de propriedade da área.

“Não tínhamos os documentos da terra. Estamos aqui faz mais de 40 anos, mas nunca ninguém passou a propriedade pra gente. Só temos o direito de posse. Por isso acharam que podiam desapropriar facinho assim… Eu moro aqui há 32 anos e nunca peguei documento de nada. Nunca ninguém veio aqui registrar, prefeitura, governo do Estado… Ninguém. Também, ao longo da vida, a gente se acomodou, ficou tranqüilo. A gente não achava que vinha um troço desse [a usina] nunca. Porque ninguém quer [terra] pra vender! A gente quer pra morar”, lamenta.

E era justamente por conta desta peculiaridade que havia um consenso entre quase todos os moradores da vila: era preferível o reassentamento às idenizações, que todos já esperavam ser baixas. “Acontece que a realocação não existiu e nunca vai existir”, denuncia Élio.

“Quando a gente fez o cadastro, todo mundo queria casa na nova vila. Mas quando vieram as propostas, pra quase todo mundo veio escrito assim: ‘você não tem opção’. Aqui tem 252 propriedades. Eles falam 245, mas são 252. E dessas, só 26 tiveram direito às três opções”. Élio se refere às três opções que a lei exige que a companhia ofereça aos afetados: o reassentamento em uma nova vila, a indenização e a carta de crédito para comprar um novo terreno.

Élio conta que a comunidade já havia escolhido uma terra, entre quatro opções que a Norte Energia havia oferecido a eles. “A gente queria uma área com acesso à estrada e ao rio”, exigiram os moradores.

“Aí eles iam fazer uma votação pra validar”, explica. “Das 200 e poucas famílias, só as 26 que tinham direito às três opções é que iam poder dar o voto. Acontece que, pra piorar, no dia da eleição, só 16 dos 26 iam votar, porque as outras casas já haviam recebido a indenização…”.

“Um monte de gente já não tinha direito a ir pra vila nova, e das poucas que sobraram, cada dia que passava, mais gente pegava a indenização, com medo de ficar sem nada. Aí entrou na história o prefeito [vice-prefeito de Vitória do Xingu], que queria vender uma área dele nessa situação… Aí ele aproveitou o dia da votação – em que inclusive eu não estava na vila - e disse pra todo mundo ‘olha, se vocês escolherem essa terra aqui, eu vou ajudar vocês’. Isso dividiu ainda mais a comunidade. Alguns funcionários do prefeito, de fora do Santo Antônio, vieram pra cá, foram de casa em casa, no dia da eleição da terra, fazer ‘campanha’ pra terra do prefeito. Algumas pessoas acreditaram nas promessas e acabaram votando nessa terra. Os advogados na Norte Energia já estavam com a documentação toda pronta. No final, só sobraram a minha propriedade e mais quatro que tinham o direito de ir pra nova Vila. E eu disse que não ia porque eu tinha escolhido outra terra, e não essa do prefeito”.

“Eu sei que não vai sair vila nenhuma. O que eles devem fazer é comprar terra pra fazer tipo uma vila industrial, é conjunto de casa pra quem vier com a família trabalhar na obra. Eles vão construir uma vila pra botar cinco famílias?!”

“E é porque eles enrolaram a gente o ano todo que cada um pegou seus destinos… Tem gente indo pra depois de Altamira, Anapu, Amapá, Maranhão, Tucuruí, Novo Repartimento, Porto Velho…”.


Utilidade Pública



No final de dezembro, a Norte Energia começou a se apoderar da Vila. Contratou um serviço de demolição e começou a por abaixo, uma a uma, as casas abandonadas, apoiada em uma Declaração de Utilidade Publica expedida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que ordenou as desapropriações sumárias. “Todo dia aqui se derrubam duas ou três casas. A gente só tá recebendo uma mixaria. O japonês dono da empresa que vem demolir as casas aqui, a cada dez casas que ele derruba, ganha mais do que a minha indenização”, conta Élio.

Uma das maiores brutalidades neste processo foi a interdição do pequeno cemitério da Vila. Uma enorme placa anuncia que “fica expressamente proibido todo e qualquer sepultamento no local”.

Do lado de cada túmulo, a empresa fincou uma estaca tomando “posse” das sepulturas. “Fecharam o cemitério. Se morre alguém temos que ligar pra Norte Energia, achá-los sabe-se lá onde, pra eles levarem o corpo sabe lá pra onde, pra depois realocar – o que não vai acontecer porque não compraram área nenhuma. E mesmo vendo Santo Antônio ser destruída, eu continuo aqui. Eu não queria ver isso, mas eu não tenho opção”, diz o presidente da associação da Vila.

“Daqui saiu o meu neto que, agora com 17 anos, joga futebol na Itália, no Torino. Nascido e criado aqui. Também daqui saiu uma irmã, filha do seu Walci, que virou freira em Santa Catarina”, conta – suas últimas memórias de uma história que se apaga nos destroços de casas e vidas de Santo Antonio.

Fotos: João Zinclar


Extraído de:
http://www.xinguvivo.org.br/2012/02/11/vila-e-destruida-e-sem-opcoes-familias-sao-enxotadas-com-indenizacoes-minimas/
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sábado, 11 de fevereiro de 2012

Aeroportos: mais uma privataria petista

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A privatização, sem rodeios ou tergiversações, de aeroportos rentáveis realizada pelo Governo Dilma nessa semana, amplamente divulgada e celebrada na grande mídia, deixou muita gente surpresa.

Para alguns foi o momento em que o PT jogou no lixo uma última e cara bandeira que ainda o diferenciava do PSDB, afinal na campanha presidencial a então candidata petista disse que:
"Não permitirei, se tiver forças para isto, que o patrimônio nacional, representado por suas riquezas naturais e suas empresas públicas, seja dilapidado e partido em pedaços. Tenham certeza de que nunca, jamais me verão tomando decisões ou assumindo posições que signifiquem a entrega das riquezas nacionais a quem quer que seja" [1].

Em verdade, apesar do discurso antiprivatista na campanha, Dilma defende publicamente a privatização no setor dos aeroportos, pelo menos, desde 2007. [2] E chegou a sustentar tais posições durante as eleições de 2010. [3] Seria então Dilma diferente de Lula no que se refere às privatizações?

A grande verdade é que, apesar dos discursos eleitorais, o PT vem privatizando desde o primeiro mandato de Lula. Foi um dos itens que abordei no artigo "Lula: ruptura ou continuidade de FHC?" que escrevi em 2010 e que reproduzo abaixo para elencar as privatizações realizadas pela gestão petista.


"As privatizações para além dos discursos

(...)

O PT foi um dos grandes críticos do processo de privatizações realizado pelos governos anteriores, em especial, o de Fernando Henrique Cardoso. No entanto, uma vez empossado, o Governo Lula não só não estancou como deu sequência a esse processo. Ainda no seu primeiro mandato foram privatizados os bancos federalizados do Maranhão (Folha Online, 10/02/2004) e do Ceará (idem, 21/12/2005), além de terem sido aprovadas medidas de redução do Estado e fortalecimento da iniciativa privada como as Parcerias-Público-Privadas (PPPs) e a Lei de Gestão das Florestas Públicas - que permite a privatização de terras na Amazônia (idem, 03/03/2006).

Tudo isso não evitou que o então candidato a reeleição, Luís Inácio Lula da Silva, se apresentasse, no segundo turno da eleição de 2006, como o campeão da anti-privatização.

Pouco mais de um ano após a sua recondução ao Planalto, Lula anunciou a privatização de 3260 quilômetros de rodovias federais, quase o quadruplo do que privatizou Fernando Henrique. (Revista Época, 11/10/2007; Estadão, 21/01/2009)

Outrora o candidato anti-privatista, o Presidente reeleito comemorou a sua privatização:

“Hoje, eu não sei por quê, acordei com uma premonição de que as coisas iam ser muito boas para o Brasil. O dia foi bom, porque, depois de vencer todas as barreiras legais, todos os casos criados, finalmente tivemos o leilão.” (Folha Online, 10/10/2007)

A privatização das rodovias não foi um fato isolado e atende a um planejamento do governo de privatizar quase toda a infra-estrutura do país: ferrovias, portos, aeroportos e hidrelétricas.

A Ferrovia Norte–Sul foi concedida à Vale. (Folha Online, 03/10/2007) A Hidrelétrica Jirau à Suez e à Camargo Correa. (Folha Online, 19/05/2008) Odebrecht, Furnas, Andrade Gutierrez, Banif e Santander ficaram com a Hidrelétrica Santo Antônio. (UOL Economia, 2007) Já está previsto para 2011 a privatização do aeroporto de São Gonçalo do Amarante no Rio Grande do Norte. (O Globo, 24/08/2010).

Muitas destas privatizações estão sendo realizadas debaixo do guarda-chuva do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que foi apresentado pela propaganda governista como um plano estatizante, e tendem a se alastrar com os eventos da Copa do Mundo e das Olimpíadas.

Tudo isso não evitou que, novamente nas eleições de 2010, a candidatura governista buscasse se apresentar como a campeã da anti-privatização. Só que desta vez a candidatura tucana de José Serra, além de defender as privatizações da gestão Fernando Henrique ainda apontou as realizadas pela gestão petista, como no caso do pré-sal. Aqui cabe ressaltar que, dos dez leilões de bacias petrolíferas, seis foram feitos pelo Governo Lula. (O Globo, 27/10/2010) A própria candidata Dilma defendeu a privatização dos aeroportos durante a campanha como na entrevista concedida ao J10. (YouTube). Tal medida, aliás, ela vem defendendo publicamente desde 2007. (Último Segundo, 22/10/2007)

O Governo Lula não apenas seguiu privatizando como ainda utilizou argumentos e métodos similares aos do seu antecessor. A “falta de capacidade de investimento do Estado” tão difundida por Fernando Henrique foi repetida pela gestão petista, que, contraditoriamente, assim como o seu antecessor, destinou vultuosos recursos do BNDES para as empresas que assumiram os serviços do Estado investirem. O banco aprovou, por exemplo, um financiamento de 7,2 bilhões para a construção da Hidrelétrica de Jirau (BNDES, 2009); 6,2 bilhões para a Hidrelétrica Santo Antônio (Folha Online, 18/02/2009); fará aportes no aeroporto de São Gonçalo do Amarante (Itamaraty - MRE, 26/08/2010); poderá responder por até 80% dos investimentos na Hidrelétrica de Belo Monte (BNDES, 2010); e liberou 1,2 bilhões até para a espanhola OHL que arrematou a maioria das rodovias em 2007. (Folha Online, 08/08/2010)

Isso sem falar nos recursos destinados para empresas já privatizadas como a Vale, que recebeu 7,7 bilhões só entre 2008 e junho de 2010 e a Oi que recebeu 7,6 bilhões no mesmo período (idem) e dos acordos de mãe para filho do BNDES com a AES, que no fim das contas teve a sua dívida assumida pela Andrade Gutierrez. (Folha Online, 21/01/2010)" [4]


Fica claro que a privatização dos aeroportos foi apenas mais uma das tantas realizadas pelo governo petista no governo central.

E da mesma forma que as tucanas, as privatarias petistas merecem livros e investigações, afinal declarações como a do Ministro da Secretaria de Aviação Civil, Wagner Bittencourt, sobre a privatização dos aeroportos são, no mínimo, preocupantes:
"Funciona assim: de cada R$ 100 investidos, R$ 70 virão do BNDES e de outras fontes de financiamento e R$ 30 dos sócios. Dos R$ 30, R$ 14,7 virão da Infraero, muito menos que os R$ 100 gastos hoje, mas ela vai ter metade do retorno do negócio, quase 50% dos dividendos" (...) "É o melhor negócio do mundo." [5]


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[1] Em tom plebiscitário, Dilma critica privatizações e estagnação econômica (10/04/2010):
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u718987.shtml

[2] Abertura de capital da Infraero é prioridade, diz Dilma (22/10/2007):
http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2007/10/22/abertura_de_capital_da_infraero_233_prioridade_diz_dilma_1054236.html

[3] Entrevista de Dilma ao J10 (17/10/2010):
http://www.youtube.com/watch?v=LtmETXcS9xc

[4] Lula: ruptura ou continuidade de FHC? (27/11/2010):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2010/11/lula-ruptura-ou-continuidade-de-fhc.html

[5] A farra da privatização dos aeroportos (23/10/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2011/10/farra-da-privatizacao-dos-aeroportos.html
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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Um acordão macabro está em curso?

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Pode estar em curso um acordão macabro entre o PT e o PSDB para varrer para debaixo do tapete seus crimes praticados contra os pobres.

A Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, instituição que, assim como outras do regime, encontra-se em descrédito, estava se organizando para realizar uma Audiência Pública sobre o ocorrido no Pinheirinho.

O Senador Aloysio Nunes do PSDB paulista apoiou a audiência do Pinheirinho mas espertamente solicitou audiências iguais para casos de abusos policiais praticados contra movimentos sociais em Estados governados pelo PT. Corretamente o pedido foi aceito.

Os lutadores sociais honestos devem apoiar todas essas audiências. Os governos do PT e do PSDB não têm se diferenciado na repressão aos trabalhadores, estudantes, sem-terras, sem-tetos, entre outros. Todos os casos devem ser apurados e os responsáveis punidos!

Mas é evidente que a jogada do Senador Aloysio Nunes tem como objetivo tentar neutralizar a infâmia tucana com a petista. Ele defendeu a ação no Pinheirinho e chegou a dizer que a PM-SP, uma das maiores violadoras dos direitos humanos do mundo, é "respeitosa em regra dos direitos humanos", que teria cometido abuso é se não cumprisse "uma decisão judicial peremptória" [1] e que a operação visava "garantir a integridade das pessoas e minimizar os danos". [2]

Dessa forma pode se formar um ambiente favorável para que, dentro da institucionalidade podre dominada pelos corruptos, os dois partidos que têm as suas mãos sujas de sangue do povo pobre fechem mais um acordão, ninguém seja punido e as vítimas esquecidas.


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[1] Ação da PM no Pinheirinho (03/02/2012):
http://www.aloysionunes.com/imprensa/denuncias-de-abusos-em-pinheirinho-serao-apuradas/

[2] Mentiras sobre o Pinheirinho (01/02/2012):
http://www.aloysionunes.com/imprensa/as-mentiras-do-pt-sobre-pinheirinho/
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sábado, 4 de fevereiro de 2012

Defensor Público aponta ilegalidade na operação do Pinheirinho

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O Defensor Público, Jairo Salvador, explica, em Audiência Pública realizada na última quarta-feira (01/02) na Assembléia Legislativa de São Paulo, porque a operação de desocupação dos moradores do Pinheirinho foi ilegal. Entre os apontamentos do Defensor Público constam que:

1) É mentira o argumento de que a ação era irreversível, pois se tratava de uma liminar de reintegração de posse.

2) É mentira que não havia mais recursos e que eles já haviam sido julgados, pois há dois recursos pendentes no TJ-SP sem julgamento e que se julgados iriam para a esfera do STJ. Segundo o Defensor, o TJ "senta em cima" e não julga!

3) A reintegração foi indeferida em 2005. E somente com fato novo ou pedido de alguém poderia ser reaberta. Mas a juíza, sem pedido de ninguém, restaurou (como não podia restaurar disse depois que se expressou mal) e reconsiderou a liminar.

4) Os recursos são da massa falida e não dos ocupantes, que ganharam todos os recursos.

5) Juiz estadual proibiu a demolição das casas, a prefeitura entrou com ação demolitória, perdeu, mas mesmo assim as casas foram demolidas.

6) Comandante da PM é mandado pelo Juiz Rodrigo Capez, irmão do deputado tucano Fernando Capez e que não tinha nada a ver com o processo, a descumprir a ordem judicial de suspensão da operação. Trêmulo, segundo o Defensor, o Comandante escreve no mandado o que o juiz lhe ordena!

7) Há uma ordem do desembargador federal que não foi nem cassada, nem objeto de recurso, portanto, segue vigendo! O conflito de competência julgado pelo STJ foi uma medida cautelar da AGU que não tem nada a ver com a cautelar proposta pela Associação de Moradores do Pinheirinho.



http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=JfUuOaXdIBE#!



Abaixo relatos dos moradores na mesma Audiência Pública:



http://www.youtube.com/watch?v=ZLXBGQy8GhE&feature=related



http://www.youtube.com/watch?v=D0KNWWKklw8&feature=related



http://www.youtube.com/watch?v=pLmts9T17-Y&feature=related



http://www.youtube.com/watch?v=Fy5s2Gqxgj0&feature=related

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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Pinheirinho: para além da desocupação

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02/02/12 | 09:00

Durante três anos, entre 2007 e 2010, o antropólogo Inácio Dias de Andrade manteve convivência diária com os 7 mil habitantes da comunidade de Pinheirinho, no estado de São Paulo. A pesquisa foi tema de sua dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo. O que segue são seus relatos sobre o que ele conheceu da auto-organização dessa comunidade que conquistou com as próprias mãos o direito à moradia, e alguns fragmentos dos escombros que a ação policial deixou para as quase 2 mil famílias despejadas da área no dia 22 de janeiro.


Por Inácio Dias de Andrade | Publicado originalmente em Desinformémonos


Pinheirinho, São José dos Campos (São Paulo), Brasil. A ação do Governo do Estado de São Paulo, que desalojou cerca de 6 mil pessoas do terreno de Pinheirinho – os números variam entre seis e dez mil. Nem mesmo a prefeitura tem a contabilização precisa –, na cidade de São José dos Campos (São Paulo), no dia 22 de janeiro, tentou conquistar o apoio da opinião pública a essa ação truculenta ao associar os moradores do Pinheirinho a “bandidos e vagabundos”.

Convivi três anos com os moradores do local e posso afirmar que, ao contrário do que se imagina, não havia ausência de regras ou desordem de qualquer tipo. Muitos dos chamados “ladrões” ou “vagabundos” cumpriam uma dupla jornada de trabalho. Após trabalharem em seus empregos, que garantiam seu sustento e o de sua família, organizavam reuniões, assembleias, mutirões e votações para manter a ordem e paz no lugar, organizar o terreno e tomar decisões.

O terreno foi dividido, desde o início, em setores que podiam comportar um número determinado de casas, evitando a superpopulação do local. Às terças-feiras, cada setor se reunia, após o horário de trabalho dos moradores – geralmente às seis da tarde. Nos sábados, no mesmo horário, os moradores formavam uma Assembleia Geral, que contava com os encaminhamentos feitos anteriormente em cada setor. O barracão onde ocorria as Assembleias foi um dos primeiros a serem derrubados pela operação policial do dia 22.

Nesses espaços de gestão democrática eram decididas as regras gerais de convivência: maus tratos a mulheres e crianças, por exemplo, poderiam resultar na expulsão do agressor, ou quando havia uma desavença entre vizinhos era sempre trazida para a ponderação dos demais.

Delimitavam-se também as zonas que seriam destinadas à preservação ambiental, ao plantio de alimentos ou locais de risco onde não se poderiam construir casas. Além disso, nesses locais, eram resolvidas questões relativas à segurança da população do local e do entorno. Roubo, tráfico de drogas ou quaisquer outras atividades ilícitas eram rigidamente controladas pelas lideranças e moradores, pois todos estavam cientes que qualquer crime ocorrido no local seria motivo para a criminalização de todo movimento.

Durante todos os anos de existência do acampamento, não foi registrada uma morte sequer no local. Ao invés de vagabundos, o movimento se constituía num microcosmo de atuação democrática. Por meio desses estereótipos, o governo insiste em impedir o acesso dessa população a um de seus direitos básicos, o de moradia.

Escombros e lágrimas

A truculência policial na reintegração de posse que se verificou no Pinheirinho, infringiu seriamente os direitos e a cidadania dos moradores da área. Os relatos são inúmeros. Um dia após o início da operação policial, uma multidão estava em volta do terreno da Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, e mais outros sem número de pessoa encontravam dentro dela. Estavam deitadas no chão, nas calçadas, nos bancos, nos colchões retirados de última hora ou emprestados. Estavam sem água ou comida provisionada. Relatavam histórias atemorizantes sobre o dia anterior.

As notícias que chegavam davam conta de três a cinco mortes, incluindo a de uma criança pequena. Embora essas mortes não tenham sido confirmadas, o clima de confusão era grande, muitos ainda não tinham encontrados seus parentes. A prefeitura não fez o cadastro de todos e deixou essa atividade para o momento mais tenso da operação: o da triagem, uma tenda de atendimento onde mais tarde estaria instaurada uma praça de guerra. A revolta misturada com a tristeza de ver suas casas demolidas, somava-se às feridas em seus corpos e à possibilidade de terem entes queridos mortos, colocando todos num grave estado emocional.

Os moradores haviam sido acordados naquela manhã com os helicópteros, tropa de choque, gás de pimenta e balas de borracha. Vídeos, fotos e testemunhos que correm na internet mostram que policiais também usavam armas letais. Um morador recebeu uma bala nas costas. Uma moradora me contou que uma policial feminina sacou a arma para ela.

Segundo testemunhos dos moradores, a polícia entrou de casa em casa retirando famílias que tomavam o café da manhã ou ainda dormiam. De acordo com uma moradora, dois policiais entraram em sua casa, jogaram-na para fora enquanto atiravam os pratos de comida de seus filhos na parede, sob os gritos: “Agora aqui é não é lugar de comer mais” ou “Estamos cumprindo ordens”. Assustada, a ocupante me contou que morou durante quatro anos na Rocinha, favela do Rio de Janeiro, a maior da América Latina, “mas que nunca havia visto coisa parecida”. A polícia do Rio de Janeiro ficou famosa pela sua truculência e desrespeito aos direitos humanos nas últimas investidas na “guerra ao tráfico”.

No centro de triagem da prefeitura, uma das moradoras que se arriscou a ser cadastrada foi recebida com tiros de bala de borracha no corpo e no dedo do pé. Existem vídeos na internet também mostrando conflitos no abrigo da prefeitura. Muitos moradores se recusaram a receber o atendimento da prefeitura por medo. “Eu vou aceitar ajuda de quem acaba de me expulsar de casa?”, dizia um morador. Muitos temiam ser separados de suas famílias depois de cadastrados. Alguns contavam que, após a triagem, um marido foi separado da esposa e dos dois filhos. A tenda erguida para comportar todos os moradores era insuficiente. Se não fosse a recusa de grande parte da população em ir para esse centro, justamente devido a essa desconfiança, ele certamente estaria superlotado e em piores situações.

Também houve denúncia de maus tratos na região da Igreja. Moradores contam que a Polícia Militar jogou bomba de gás por cima do terreno para forçar os acampados a saírem. Quando saem para rua são abordados pelos oficiais, e muitos deles acabam presos.

As autoridades insistem em dizer que a reintegração foi pacífica. Uma mulher, vizinha da Igreja, teria sido espancada por tentar conter o abuso das autoridades. Depois de noites tensas naquele local, os indivíduos não resistiram e seguiram para um centro poliesportivo disponibilizado pela prefeitura, o Ginásio do Morumbi. Foram quatro horas de caminhada até o local designado. Muitos passaram mal ou desmaiaram sob o sol forte. Segundo notícias publicadas na imprensa, no local faltam colchões, mantimentos, produtos de limpeza, e o ambiente não é higienizado. A prefeitura não o limpa e nem permite que os moradores o façam, já que não fornece material de limpeza. Muitos não conseguem entrar no banheiro devido ao mau cheiro. Nas tendas, as pessoas passam mal com o calor.

Os moradores também estavam sendo impedidos de voltar às suas casas para recolher os seus pertences. Diversas imagens veiculadas na TV e nas redes sociais mostram escombros com móveis de moradores no meio. Outros acompanharam a demolição de casas, sem a retirada dos bens que estão ali dentro.

O proprietário oficial do terreno contratou tratores privados para derrubar as casas mais rapidamente, acabando com as posses acumuladas durante vidas inteiras. Muitos deles ainda estavam com medo de saques ou da destruição de seus bens, outros já haviam perdido tudo. Um morador gastou os R$ 350 de seu salário como pedreiro em mantimentos para sua família, seis pessoas, ao todo. Com a desocupação no domingo toda a comida estava “confiscada” pela polícia. Todo o consumo de sua família foi reduzido aos R$ 50 que conseguiu economizar.

Muitos estão sem documentos e disseram que estavam sendo abordados constantemente pela polícia no entorno do local, sendo levados em seguida para a delegacia. A contagem oficial de presos até o momento é de 22. Grande parte das pessoas não consegue nem sair para trabalhar, estão sem documentos, sem carteira de trabalho e sem dinheiro. Campanhas de arrecadação vêm sendo feitas em todo o Brasil.

Moradia, um direito para poucos em São José dos Campos

São José dos Campos conta com um déficit habitacional de 27 mil famílias. A região onde Pinheirinho se encontra foi contemplada com a construção de 524 casas até 2011, em quase dez anos de políticas habitacionais da prefeitura. Segundo o PNUD, órgão das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em 2000, São José contava com uma população de seis mil pessoas vivendo em condições subnormais de habitação. Em 2011, num domingo, em um único dia e em apenas uma área da cidade, cerca de seis mil pessoas perderam suas casas no Pinheirinho.

Durante meus três anos de pesquisa, nenhum dos interlocutores com os quais falei hesitou em responder onde e quando começou o Pinheirinho, e todos vinculam o início do movimento à “ocupação das casinhas do CDHU”, no Campo dos Alemães, em 2003. No discurso dos moradores, das lideranças e dos indivíduos ligados ao sistema jurídico e partidário que davam suporte ao movimento, as “casinhas” aparecem sempre com uma referência para o começo do processo de “luta”.

A ocupação das casas sempre foi justificada pela má qualidade em que se encontravam e pela demora na conclusão e entrega para a população carente, situação agravada pelo fato de muitos ocupantes dizerem já estar na fila para conseguir uma casa na prefeitura há mais de oito anos.

A exigência dos moradores da transformar um terreno sem função social – cujo dono é réu em uma investigação da Policia Federal – numa Zona Especial de Interesse Social, regulamentada por uma série de leis, é uma reivindicação justa e necessária. Ainda mais quando se considera o déficit habitacional que a cidade de São José dos Campos sofre há anos e que a prefeitura insiste em contornar com políticas paliativas.

Dito isso, faz-se necessário dizer que os moradores do local não procuram viver na ilegalidade, estão dispostos com essa mudança a pagar IPTU, água, luz e todas as demais taxas municipais. Ao contrário do que se pensa, eles não querem viver privilegiadamente, eles querem ser inseridos numa ordem urbana que sempre lhes foi desfavorável.


Extraído de:
http://sul21.com.br/jornal/2012/02/pinheirinho-para-alem-da-desocupacao/
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