segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Fevereiro de 1917: A Revolução que derrubou o Czar

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fev 24, 2017



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por Diego Vitello – Coordenação Nacional da CST-PSOL



“Em cada fábrica, em cada corporação, em cada companhia militar, em cada taberna, nos hospitais da tropa, a cada aquartelamento, e mesmo nos campos despovoados, progredia um trabalho molecular da ideia revolucionária.” Leon Trotsky



Há 100 anos um importante processo revolucionário derrubou um regime que imperou na Rússia por quase quatro séculos (1547 – 1917). Esse processo entrou para a história como “Revolução de Fevereiro” e derrubou o Czar Nicolau II, que governava a Rússia desde 1894. Fevereiro dá início a um período conturbadíssimo na Rússia, de intensos conflitos sociais, onde Revolução e Contrarrevolução se chocam mais abertamente durante o ano todo. O ano de 1917 é de tempos concentrados, onde, no que diz respeito à experiência política das classes sociais exploradas, dias valiam anos e meses valiam décadas.



Foi também o início de grandes mudanças no maior conflito armado que a humanidade conhecera até então, a Primeira Guerra Mundial, com cerca de 20 milhões de mortos entre combatentes e civis. O Império Russo jogava um papel destacado ao lado das antigas potências, Inglaterra e França, enfrentando a ascendente burguesia da Alemanha e seus aliados da Áustria-Hungria e do Império Turco-Otomano. Além de mudanças, no conflito, a relação de forças entre as classes sociais também ganha uma nova configuração. Ao proletariado e ao campesinato russo cabe cumprirem um papel decisivo na derrubada do regime czarista e os seus irmãos de classe dos outros países em conflito se animavam por defender seus próprios interesses e não mais os de seus governos e da “sua” burguesia.



A Revolução, devido ao desenvolvimento desigual e combinado na história, começará exatamente no “elo mais débil da cadeia imperialista”, como Lenin se referia ao Império Russo. A Rússia, em 1917, já contabilizava 5,5 milhões de mortos. A crise chega com força no exército, e as deserções em massa dos soldados são cada vez mais comuns. Três anos após o início da guerra, a previsão política de Lenin, de que as condições das massas iriam cair bruscamente gerando um enorme descontentamento e mudanças bruscas na situação política, abrindo uma situação revolucionária mundial, estava confirmada pela história.



Alguns elementos da Rússia antes da Revolução de Fevereiro



O país da revolução de fevereiro tinha no início da Primeira Guerra, em 1914, cerca de 160 milhões de habitantes, sendo que 87% viviam no campo. Deste campesinato, cerca de 80% era analfabeto. O atraso do país, que aboliu a servidão somente em 1861, fica evidente com esses dados. Do ponto de vista dos conflitos de classe, esse atraso gerou uma burguesia bem mais fraca que nos principais países europeus, e ao mesmo tempo, um proletariado relativamente novo frente ao de outros países como Inglaterra, França e Alemanha, por exemplo.



As empresas capitalistas e imperialistas penetravam com força na Rússia desde o final do século XIX. Um proletariado jovem, reduzido em número, porém concentradíssimo, ganhava seus contornos e ia se tornando um dos atores políticos e sociais mais relevantes da sociedade russa. Em 1905, um levante proletário com uma poderosíssima onda de greves espalhou as lutas pelo país, contagiando o campesinato pobre que realizou diversas ocupações de terra. Esta revolta, que Lenin batizou de “O Ensaio Geral” para 1917, gerou um importante amadurecimento político nos trabalhadores russos que, pela primeira vez, durante os meses de mobilização, formaram seus conselhos (Sovietes) para tomar as decisões políticas de sua mobilização.



O proletariado ganhava força, ano após ano. Em 1912, estima-se que haviam 3 milhões de operários em toda Rússia, uma proporção bastante baixa no que diz respeito ao conjunto da população. No entanto, as concentrações operárias eram grandes e bastante restritas às duas principais cidades do país, Petrogrado e Moscou. Essa classe operária trabalhava em geral mais de 10 horas por dia (a Lei das 10 horas de trabalho raramente era cumprida), e vivia em condições extremamente repressivas nas fábricas.



O ano de 1917 também é o quarto ano do conflito internacional e a matança prolongada a mando dos governos imperialistas começa a gerar um descontentamento social a cada dia maior. Deserção e falta de disciplina nas tropas, inflação dos preços e racionamento de víveres, são também elementos que marcam a dramática situação política russa na guerra.



A derrubada do Czar



No final do mês de Fevereiro (no calendário Juliano, que era utilizado pela Rússia à época), teremos dias decisivos para a queda do império Czarista. O dia 23 de Fevereiro, para o calendário Juliano, ocorre no mesmo dia que o 8 de março, para o Gregoriano. Isso é importante, pois é justamente em um “Dia Internacional das Mulheres” que começam os momentos decisivos e o império czarista, que vinha agonizando há meses, cai. Nas palavras de Trotsky em seu célebre livro A História da Revolução Russa: “De fato, estabeleceu-se que a Revolução de Fevereiro foi desencadeada por elementos da base que ultrapassaram a oposição das suas próprias organizações e que a iniciativa foi espontaneamente tomada por um contingente do proletariado explorado e oprimido mais que todos os outros – as trabalhadoras do têxtil, cujo número, deveria se pensar, devia-se contar muitas mulheres soldados.”



O centro político da Revolução foi Petrogrado. Capital russa à época, a cidade era marcada por enormes concentrações operárias em fábricas com dezenas de milhares de trabalhadores. Foi no dia 27 de fevereiro que trabalhadores e soldados adentraram no Palácio Tauríde, em Petrogrado, onde funcionava a Duma (Parlamento Russo). Nesse mesmo dia se formou o governo provisório do qual falaremos mais adiante. Dias depois, no dia 2 de março, o Czar, já sem poder nenhum, abdica oficialmente.



A revolução de fevereiro de 1917, a chamada “insurreição anônima”, foi um levantamento espontâneo das massas, surpreendendo todos os socialistas, inclusive os bolcheviques, cujo papel, como organização, foi nulo durante os acontecimentos, apesar de que seus militantes desempenharam um importante trabalho individualmente nas fábricas e nas ruas, como agitadores e organizadores.



O ressurgimento dos sovietes e o duplo poder



Após a queda do Czar, os conselhos de operários e camponeses começam novamente a tomar forma pelo país, retomando a experiência do fugaz duplo poder da Revolução de 1905. Estava instaurada uma polarização que perduraria durante o ano de 17. De um lado estavam os sovietes, representante direto de operários, camponeses e soldados, do outro, o governo provisório, formado pela burguesia liberal com a colaboração de partidos como o Menchevique e o Socialista-Revolucionário, que ainda estavam à frente dos sovietes também. Esta contradição inexorável irá durar poucos meses.



A situação de duplo poder cria inevitavelmente uma instabilidade muito grande no país, já que é impossível que classes antagônicas governem ao mesmo tempo. Vai se gestando, desde os dias subsequentes a fevereiro, um conflito aberto, que mostra que uma nova revolução estava latente. O que retardou em alguns meses essa Revolução foi, sem dúvidas, a política de conciliação de classes promovida pelos partidos dos principais dirigentes dos sovietes: o Menchevique e o Socialista-Revolucionário. A influência de ambos partidos na condução dos primeiros meses dos sovietes explica também a “demora” de uma nova revolução.



Os bolcheviques, a guerra e fevereiro



A Revolução de Fevereiro também é um marco para o movimento operário internacional. Os principais partidos socialistas do mundo, porém, estavam de costas para esse processo. Em 1914, os principais partidos sociais-democratas, que agrupavam os socialistas de cada país, votaram, junto com as “suas” burguesias, os créditos de guerra. Ou seja, concretamente, mais de 90% da esquerda europeia mandava os operários e camponeses de seu país matarem os de outros países para defender os interesses econômicos da “sua” burguesia. Um crime político de repercussão histórica. Em 1916 Lenin escrevia: “É evidente a traição ao socialismo por parte daqueles que votaram pelos créditos de guerra, entraram para os ministérios e advogaram a ideia da defesa da pátria em 1914-1915. Só os hipócritas podem negar este fato (…)Em que consiste a essência econômica do defensismo durante a guerra de 1914-1915? A burguesia de todas as grandes potências trava a guerra com o fim de partilhar e explorar o mundo, com o fim de oprimir os povos. Um pequeno círculo da burocracia operária, da aristocracia operária e de companheiros de jornada pequeno-burgueses podem receber algumas migalhas dos grandes lucros da burguesia. A causa de classe profunda do social-chauvinismo e do oportunismo é a mesma: a aliança de uma pequena camada de operários privilegiados com a “sua” burguesia nacional contra as massas da classe operária, a aliança dos lacaios da burguesia com esta última contra a classe por ela explorada.” (LENIN, Vladimir. O oportunismo e a falência da II Internacional)



A localização política dos bolcheviques de não apoiar a burguesia de seu país, como o fizera a quase totalidade da esquerda europeia, os colocavam em uma armação política correta, contra a matança imperialista e a favor dos interesses da classe operária, que em nada ganhava com a guerra. Isso foi, sem dúvidas, importantíssimo no desenrolar dos acontecimentos de fevereiro. Lenin já havia alertado em 1914 que as condições de vida das massas iriam em breve se tornar insuportáveis e, portanto, uma situação revolucionária estava aberta com o início da guerra, apesar da traição histórica da maioria dos partidos sociais-democratas, mesmo que os marxistas revolucionários de todo mundo “coubessem em um vagão de trem” em 1914.



De fato, os bolcheviques participaram da Revolução de Fevereiro, ainda que não tinham a sua direção política, como em outubro. Um dos elementos, sem dúvidas, importante é que a ampla maioria da direção do partido, sobretudo os seus quadros de direção mais experimentados, se encontravam no exílio quando a Revolução se desencadeou. O próprio Lenin não estava na Rússia. Isso, por óbvio, gerou uma importante limitação na ação do partido, como mínimo. A “insurreição anônima” de fevereiro, como foi chamada por alguns historiadores, teve também a participação de diversas forças políticas, com um papel importante dos operários temperados nas lutas dos anos anteriores e na “escola de Lenin”. Nas palavras de Trotsky, mais uma vez: “A questão posta acima: quem conduziu a Revolução de Fevereiro? Podemos, por consequência responder com clareza desejada: operários conscientes e endurecidos que, sobretudo, tinham sido formados na escola do partido de Lenin. Mas, devemos acrescentar que, esta direção, se ela foi suficiente para segurar a vitória da insurreição, não esteve em posição de colocar, desde do início, a liderança da revolução entre as mãos da vanguarda proletária.” (TROTSKY, Leon. A História da Revolução Russa).



Surge o primeiro governo de conciliação de classes de história



A Revolução, fruto fundamentalmente da mobilização operária e popular, conquista um regime com uma série de liberdades democráticas inéditas para a Rússia. Porém, isso é somente nos seus inícios, logo o regime voltará a impor duras restrições às liberdades democráticas.



Logo após a queda do antigo regime, a débil burguesia russa rapidamente busca montar um governo que assuma o controle do país após a queda do Czar. Um governo que possa, sobretudo, parar e desviar o processo revolucionário em curso, do qual a revolução de fevereiro era apenas o começo. Nas palavras de Trotsky: “A burguesia russa, nascendo demasiado tarde, odiava mortalmente a revolução. Mas, ao seu ódio faltava-lhe força. Ela devia ficar na expectativa e manobrar. Não tendo possibilidade de derrubar e de sufocar a revolução, a burguesia contava tomá-la por via de extinção.” (TROTSKY, Leon. A História da Revolução Russa).



Devido à enorme mobilização popular que tinha desencadeado a Revolução, a burguesia chega a acordos com partidos pretensamente “de esquerda” para formar um governo. O governo surgido após a Revolução de Fevereiro é o primeiro governo de Frente-Popular da história, ou seja, pela primeira vez partidos operários governam um país em comum com a burguesia. Obviamente, o resultado dessa política é uma traição aos interesses da classe operária como os meses subsequentes irão demonstrar. Mas isso, é tema para os próximos textos que faremos abordando os principais acontecimentos na Rússia de 1917.



Extraído de:


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domingo, 19 de fevereiro de 2017

Brasil: cai a máscara da falsa polarização

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Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Pra Rua, organizações que lideraram os atos pelo impeachment de Dilma, chamaram ato em defesa da Lava Jato mas não querem saber de “Fora Temer”.

Rogério Chequer, coordenador do Vem Pra Rua, não tergiversou sobre o caráter do ato: “queremos deixar bem claro que este não é um ato ‘fora, Temer’” [1]. Isso poucos dias após Eduardo Cunha ter delatado Michel Temer, de forma comprometedora, ao juíz Sérgio Moro [2] – fato que, aliás, passou batido por MBL e Vem Pra Rua, que guardaram um silêncio conveniente e cúmplice.

De forma descarada e vergonhosa blindam um dos principais articuladores do fim da Lava Jato, uma prática que tem sido corriqueira. No episódio em que Temer criou um ministério para conferir foro privilegiado a Moreira Franco, investigado pela Lava Jato, o MBL lamentou a criação do ministério, não a blindagem de Franco. Posteriormente foram além, repetindo o discurso dos integrantes do governo de que o caso de Moreira Franco era diferente do de Lula [3]. No final de 2016, MBL e Vem Pra Rua já haviam convocado outro ato “contra a corrupção” mas pelo “Fica Temer” [4].

Assim, mostram que nunca foram contra a corrupção mas apenas contra os desvios dos concorrentes. Não foi por acaso que vários dos seus integrantes se filiaram nos partidos que estão atolados até os fios de cabelo na corrupção e que são investigados pela Lava Jato – isso depois de proclamarem-se orgulhosamente “apartidários” [5].

Um apartidarismo que era apenas da boca para fora. As relações dessas organizações com partidos como PSDB, DEM, PMDB, Solidariedade, entre outros, já havia sido divulgada na grande imprensa como em matéria publicada no UOL em 27 de maio do ano passado [6]. Na ocasião, o MBL negava qualquer financiamento, embora reconhecesse a utilização do aparato fornecido pelos partidos, e ainda declarava que “Nos assombra perceber que ainda temos gente que recusa a ação política coordenada entre partidos e movimentos, numa clara demonstração de fascismo e autoritarismo.” [7]

Não haveria o mínimo “assombro” se os dirigentes do MBL não tivessem se declarado “apartidários”. Também não ocorreria “assombro” caso os partidos que coordenaram a luta política com seu movimento não tivessem implicados em escândalos de corrupção, incluindo o mesmo esquema o qual eles tanto denunciavam seus concorrentes.

Como nem todos são cegos e incoerentes e como a base que ia nos atos chamados pelo MBL e Vem Pra Rua era heterogênea, no dia 13 de março de 2016, os tucanos Aécio Neves e Geraldo Alckmin foram vaiados e expulsos da Avenida Paulista, tendo frustrado o seu desejo de subir no palanque com seus aliados de movimento para consagrar “a ação política coordenada” [8].

Se o fim formal do apartidarismo foi selado com a filiação partidária ela aprofundou-se com o apoio explícito a governos, dentro e fora do país. O presidente Maurício Macri da Argentina foi muito “mitado” pelo MBL até a sua política aprofundar o caos social e assim o movimento jogou-o na invisibilidade tendo caído no “esquecimento”, sem nenhuma mea culpa ou autocrítica. Atualmente apoiam os tucanos João Dória Jr e Nelson Marchezan Jr. Com Temer o apoio se dá de forma um pouco mascarada, principalmente através de blindagens, exigências e defesa de suas medidas de ajuste fiscal.

Mas não foi apenas o seu apartidarismo que mostrou-se farsante, aquela conversa de que “primeiro se tira uns e depois o resto” também não passou de discurso engana bobo. Para completar apoiam o ajuste fiscal que tem massacrado o nível de vida do povo brasileiro, assim como os governos que o aplicam.

Enquanto isso, Lula e o PT trocam afagos [9], fazem acordos, alianças eleitorais [10] e até votam nos ditos “golpistas” para presidir os parlamentos, incluindo os candidatos de Temer no Congresso Nacional [11].

Em São Paulo, cidade que acusam de ser o ninho da reação nacional, votaram no candidato do DEM, partido do Fernando Holiday do MBL, para a presidência da Câmara Municipal [12]. O rapaz, que está se adaptando rapidinho à política institucional mesquinha, não tardou a devolver a gentileza votando no petista Senival Moura para a Comissão de Transportes da Câmara em um acordo avalizado pelo prefeito tucano João Doria Jr [13].

No que tange ao ajuste fiscal nos movimentos sociais e na oposição parlamentar o PT não tem sido consequente na luta pela sua derrota e onde governa aplica medidas que não deixam a desejar ao ajuste de Temer, que na realidade nada mais é do que a continuidade do ajuste de Dilma e do PT [14].

A história está comprovando que os dois grupos políticos que há pouco tempo atrás tentaram polarizar a política brasileira só desejam chegar e manter-se no poder. Para este objetivo exploraram (e exploram quando possível) a boa intenção e a justa indignação de milhares de pessoas. Como atesta o caso de São Paulo citado, nos bastidores eles se entendem e se arranjam na distribuição de cargos. Ambos desejam o fim da Lava Jato e o ajuste fiscal para manter seus podres privilégios.

O desafio segue sendo a formação de um terceiro campo político independente, classista, anti ajuste fiscal, sem o rabo preso, que tenha como atuação política prioritária a mobilização social para de fato mudar o país e não apenas promover alguma dança nas cadeiras institucionais.

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[1] MBL e Vem Pra Rua convocam manifestações a favor da Lava Jato. 14/02/2017.

[2] Depoimento Eduardo Cunha a Sérgio Moro (completo). 07/02/2017.

[3] Em maio de 2016 a então presidente Dilma Rousseff nomeou Lula Ministro da Casa Civil o que ia lhe conferir foro privilegiado.

[4] Vem Pra Rua e MBL mantêm convocação de ato sobre pacote anticorrupção. 30/11/2016.

[5] Movimentos pró-impeachment mudam discurso e vão às urnas. 17/01/2016.

[6] Áudios mostram que partidos financiaram MBL em atos pró-impeachment. 27/05/2016.

[7] NOTA OFICIAL DO MBL SOBRE MATÉRIA CALUNIOSA DO UOL. 30/05/2016.

[8] Alckmin e Aécio são hostilizados na chegada à manifestação na Paulista. 13/03/2016.

[9] Lula dá conselhos a Temer e diz estar à disposição para diálogo: ‘Me chama’. Josias de Souza, 03/02/2017.

[10] PT e PCdoB se coligam com golpistas em metade das cidades brasileiras. Cleber Lourenço, 22/08/2016.

[11] PT decide apoiar candidatos da base de Temer para o comando do Congresso. 20/01/2017.

[12] No item 11 da nota da bancada municipal do PT paulistano de 26/12/2016 consta a explicação do apoio a Milton Leite do DEM para a presidência da Câmara:

[13] Coordenador do MBL vota em petista em comissão da Câmara de SP. 10/02/2017.

[14] Esta afirmação por vezes gera polêmica. Por isso algumas lembranças são necessárias:
- A PEC dos gastos de Temer tem a sua origem no “Novo Regime Fiscal” do governo Dilma, tanto que o governo do PT no Piauí aprovou uma versão estadual da PEC de Temer com o nome “dilmista”.
- O teor do plano de acordo da dívida com os Estados de Temer, que é uma verdadeira chantagem, é o mesmo do PLP 257/16 de Dilma.
- A contra-reforma do Ensino Médio de Temer tem a sua base na proposta do governo Dilma.
- Dilma já havia se comprometido com uma nova contra-reforma na previdência e atacado direitos trabalhistas.
- Tanto Dilma quanto Temer vetaram proposta de auditar a dívida pública brasileira.
- A entrega do restante do pré-sal já havia sido apoiada por Dilma em votação no Senado Federal em 25/02/2016.


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terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

4 lições da greve da PM no Espírito Santo

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1) O ajuste fiscal não “coloca a casa em ordem”

Desde o estouro da crise financeira de 2008 o ajuste fiscal tem sido a política das classes dominantes para tentar manter o processo de acumulação e reprodução do capital. A lógica consiste em cortar direitos do andar de baixo e recursos dos serviços públicos para sustentar dívidas públicas suspeitas, cuja quase totalidade delas nunca foram auditadas. Assim, o ajuste fiscal atua como um Robin Hood ao contrário.

É preciso compreender que a questão ultrapassa a moralidade, ainda que o funcionamento do sistema esteja eivado de imoralidades. Não se trata simplesmente de uma maldade praticada por sadismo. As classes dominantes estão a cuidar dos seus interesses de classe e da sua formação social, e tentam mascarar isso com discursos ideológicos como o de que o ajuste fiscal é um “remédio amargo” necessário para “colocar a casa em ordem”.

Como é facilmente constatável o “remédio amargo” só é servido para o andar de baixo, e ainda assim de forma forçosa, enquanto que para o andar de cima aumentam as doses de “melzinho na chupeta”. A população tem perdido empregos, salários, aposentadorias e serviços públicos essenciais ao passo que percebe que grandes bancos e grandes empresas recebem cada vez mais dinheiro público e outras benesses (isenções fiscais, financiamentos a fundo perdido, subsídios, etc) e que os políticos que alardeiam crise e pedem paciência ao povo também ampliam seus privilégios.

Nesse cenário fica difícil do povo manter a calma e a instabilidade social, política e econômica se apresenta estremecendo os alicerces da “casa em ordem”. Assim, o ajuste fiscal escancara que seu objetivo é manter em ordem os lucros e privilégios do andar de cima e não organizar as contas públicas - tanto que a dívida pública não só não é auditada como as próprias medidas de ajustes dos governos, como a PEC dos gastos de Temer, permite a elevação da dívida pública em um mecanismo similar ao que foi utilizado na Grécia.

O atual capitalismo globalizado e financeirizado necessita do ajuste fiscal para manter-se respirando. Sua crise não é apenas cíclica, de acumulação, mas estrutural, onde o desenvolvimento do sistema criou obstáculos a si próprio para poder reproduzir-se. As reformas estão sendo desmontadas e abolidas e o espaço para remendos estão praticamente fechados. Não é casual que aqueles cujo o horizonte é reformar o capitalismo critiquem o ajuste fiscal na oposição para logo em seguida transformarem-se nos seus mais fiéis guardiões no governo, como atesta a experiência grega do partido Syriza.

No Brasil a propaganda ideológica das classes dominantes apresentava o Espírito Santo como um caso bem sucedido de ajuste fiscal, exemplo a ser seguido pelos demais Estados do país [1]. A greve da Polícia Militar (PM) desmoralizou completamente essa propaganda e demonstrou que tal ajuste foi realizado às custas dos seus salários e da precarização das suas condições de trabalho, afetando assim a qualidade do serviço que prestam, comprometendo-o.


2) A culpa do caos não é da greve da polícia

O governo do Espírito Santo e a grande mídia tentaram imputar à greve da PM o caos social que se verificou. Na verdade o movimento grevista apenas escancarou a violência que vem sendo camuflada por ser administrada na “normalidade” do cotidiano via intervenção policial.

A violência urbana tem causas estruturais e sociais não sendo a polícia nem a culpada e tampouco a solução para o problema, como bem reconheceu o homem das fracassadas Unidades de Polícias Pacificadoras (UPPs), José Mariano Beltrame:

“A polícia não é solução do problema. Ela é parte da solução do problema. E esta é a visão sistêmica que tem de se ter do que é segurança. Segurança não é polícia. Dizer que segurança é polícia é uma miopia, porque se isso for assim vamos precisar de verdadeiros exércitos chineses nas ruas do Brasil.” [2]

Insuspeito de ser partidário da esquerda ou de ser militante dos Direitos Humanos, Beltrame crava:

“Quanto mais cidadania você der para uma população, menos polícia você precisa.”

“A luta contra a droga é irracional.” [ibidem]

O parlamento brasileiro nunca aprovou uma única reforma social que promovesse a cidadania. No máximo algumas políticas públicas esporádicas são implementadas. E com as medidas de ajustes fiscais as parcas medidas de promoção da cidadania sofrem cortes que as inviabilizam ou são abolidas.

Empregos, escolas e hospitais são fechados. Bolsas de estudos e financiamentos estudantis são cortados. Vagas em universidades são encerradas. A aposentadoria está em risco. As oportunidades, em um país já escandalosamente desigual, escasseiam ainda mais para as classes populares.

A chamada “guerra às drogas” que já estava perdida antes se transforma em um verdadeiro WO com o ajuste fiscal. O sistema prisional caótico, que não recupera os detentos, está empilhando pessoas por terem sido encontradas com drogas – às vezes quantidades pequenas [3][4]. A legalização, que poderia aumentar a arrecadação e reduzir a violência [ibidem], sequer é cogitada. Pelo contrário, o ex-Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, acredita ser possível erradicar a maconha no país [ibidem].

Eis os elementos promotores do caos! Nenhum deles têm relação com a polícia, esteja ela nas ruas ou aquartelada.


3) Desmilitarizar a polícia não é aboli-la

A greve da PM colocou boa parte da direita brasileira em uma tremenda sinuca de bico. Contrários às greves, defensores do ajuste fiscal e ao mesmo tempo dizendo-se amigos dos policiais, boa parte dos quadros da direita tiveram que sair pela tangente disparando contra a esquerda e nesse sentido atacando a pauta da desmilitarização da polícia apresentando-a como a abolição de toda a polícia.

Como o próprio nome indica desmilitarizar é deixar de ser militar, ou seja, desvincular do Exército as polícias que estão a ele ligadas, como é o caso da PM do Espírito Santo, tornando-a uma instituição civil, o que ampliaria os direitos dos policiais, como o de livre expressão, organização e de exercício de greves [5]. E tornar uma instituição civil não tem nada que ver com desarmar a polícia. É por ter essa compreensão que 77,2% dos policiais declararam-se favoráveis à desmilitarização em pesquisa realizada em 2014 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pelo Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas da Fundação Getúlio Vargas e pela Secretaria Nacional de Segurança Pública [ibidem].

O chefe último das polícias estaduais são os governadores de Estado. São eles que indicam os comandantes das polícias. A estrutura militar submete os policiais às decisões políticas sem o direito de expressão ou contestação sendo obrigados a cumprir as mais absurdas ordens. Pior ainda: são severamente punidos em casos de desobediência ou revolta, como está ocorrendo no Espírito Santo [6].

A situação é tão absurda que mesmo políticos de direita, como Jair Bolsonaro e Flávio Bolsonaro, reconhecem que essa estrutura acaba favorecendo o abuso político contra os policiais. Mesmo assim eles se recusam a defender o fim dela, alegando que há ocasiões em que a paralisação dos policiais seria inadequada: “como em um reveillón”, conforme declarou Flávio em debate com Marcelo Freixo no Facebook do jornal Extra no dia 10/02/2017.

Ocorre que as ocasiões em que uma categoria entra em greve tem relação com os ataques dos governos ou patrões, seja um arrocho salarial, perda de um direito ou piora nas condições de trabalho. Em 2014, os garis fizeram uma exitosa greve em pleno carnaval com grande apoio e simpatia popular. Ao alegar que há ocasiões inadequadas para uma paralisação eximi-se de responsabilidade os verdadeiros culpados e transfere a culpa para aqueles que resistem. Dessa forma, os Bolsonaros condenam os políticos no atacado para absolvê-los no varejo.

A responsabilidade última por uma greve no setor público é do governo. No caso do Espírito Santo de um governo que vem aplicando há anos um brutal ajuste fiscal. Bolsonaros, Kim Katiguiri, Fernado Holiday, entre outros, defendem as políticas de ajustes fiscais e não têm muito o que oferecer aos policiais que se rebelaram contra as condições produzidas pelo ajuste a não ser discursos histéricos contra os direitos humanos, mentir sobre a desmilitarização e apelar para que trabalhem independente das circunstâncias.

Ao tentar responsabilizar a esquerda pela ausência de policiais nas ruas do Espírito Santo a direita apela para uma ridícula e desesperada tática de tentar fugir das consequências das próprias políticas defendidas. Se alguém “aboliu” a PM capixaba foi o ajuste fiscal e não a esquerda ou a desmilitarização.


4) O Exército não é capaz de combater a violência

Muitos acreditam de forma honesta que o Exército pode cumprir de forma exitosa o papel da polícia e assim extirpar a violência urbana.

Ora, se nem a polícia, que tem preparo, pode ser encarada como a solução definitiva de um problema cujas raízes são sociais e estruturais tampouco pode o Exército – cuja atribuição e treinamento têm outros objetivos.

A continuidade dos saques, roubos e mortes no Espírito Santo [7], mesmo com as presenças do Exército e da Força Nacional, constituem refutações práticas da crença de que os milicos podem resolver esse complexo problema social.


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[1] "Ajuste do Espírito Santo é exemplo de lição de casa para Estados endividados", por Samuel Pessôa. 25/12/2016.

[2] "A polícia é só parte da solução do problema", diz José Mariano Beltrame. Entrevista ao Jornal Zero Hora de Porto Alegre. 05/11/2016.

[3] Insignificância: homem é condenado pelo STJ por tráfico de 0,02g de maconha. 22/06/2015.

[4] Observações sobre a violência no Brasil. 08/01/2017.

[5] 5 fatos que você precisa conhecer antes de falar sobre a desmilitarização da polícia.

[6] PM do ES deve demitir 161 policiais envolvidos em motim. 13/12/2017.

[7] Grande Vitória tem tiroteio e saques a comércios mesmo com Exército. 07/02/2017.


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