quinta-feira, 21 de julho de 2016

A Frente Popular financiou o "reacionarismo cultural"

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O PT e o PCdoB gostam de posar de vítimas difundindo um discurso de medo e terror sobre uma suposta “onda conservadora” que estaria se alastrando pela sociedade brasileira. Com essa tese irreal omitem o seu próprio papel no fortalecimento da direita brasileira no processo de polarização social e política que vivemos. Por isso, vale a pena ler o trecho abaixo do artigo de 2014 de Marcelo Buzetto, militante do MST, onde mostra o financiamento dos governos Lula e Dilma a obras conservadoras e reacionárias dentro de órgãos do próprio Estado. Interessante o silêncio da direita do “Escola sem Partido” sobre esse fato, obviamente tal atitude não se dá pelo acaso, mas porque a sua “neutralidade” e “imparcialidade” apoia tal ideologia.


“(...) em 2004, quando se completou 40 anos do golpe, a Revista do Exército Brasileiro, publicada pela Editora Biblioteca do Exército (Bibliex), fez uma edição especial, homenageando em sua capa e com textos o General Castelo Branco, nada menos que um dos atores principais no golpe de 64. Essa editora publica também a Revista Defesa Nacional, e uma grande quantidade de livros que servem de bibliografia básica na formação de oficiais das Forças Armadas. Basta qualquer membro dos governos Lula e Dilma visitarem as bibliotecas das escolas de formação da Marinha, Exército e Força Aérea para ver o que se está ensinando nas escolas militares. Vejam o plano de ensino dos professores e sua bibliografia. Desde 2004, ou seja, durante o próprio governo Lula, até hoje, uma série de livros da Bibliex estão fazendo o que eles próprios chamam de “revisão” da história do Brasil, contando a mesma na perspectiva dos golpistas de 1954, 1955, 1961, 1964. E essas revistas e essa editora Bibliex são mantidas com dinheiro público, pois são ligadas ao Exército brasileiro. Então quem é que está fortalecendo a direita no Brasil? Quem luta contra a Copa da FIFA? Em 2009 estivemos com outros brasileiros em Honduras, para nos juntarmos ao povo na luta contra o golpe que derrubou o presidente Manuel Zelaya. Qual não foi a nossa surpresa que o governo golpista daquele país fez uma homenagem a um tenente-coronel do exército brasileiro que estava lá dando aulas na escola de formação de oficiais do exército de Honduras, fruto de um convênio entre os dois países. (...) O que aconteceu com este tenente-coronel? Nada. Então, companheiros e companheiras, quem está, nos últimos anos, fazendo o jogo da direita?????

Uma última sobre a BIBLIEX. Ela publicou uma coleção de 14 livros com o título “1964: 31 de Março – História Oral do Exército”. Este é o título que está na capa, mas quando abrimos na primeira página vem um subtítulo assim “O Movimento Revolucionário e sua história”. Na orelha do Tomo I está escrito: “Na manhã do dia 31 de março de 1964, ocorreu a deflagração de um Movimento Revolucionário que trouxe imenso alívio à Nação Brasileira, antes ameaçada por um golpe de inspiração comunista, em avançado estado de preparação”. Esses 14 livros vem sendo usados, desde 2003, quando foram publicados, nas escolas militares de todo o Brasil. Eles trazem entrevistas, textos e documentos fundamentais para entender o pensamento conservador-reacionário-golpista. Fazem exaltação e elogios aos golpistas de 31 de março. Rendem homenagens aos ditadores e a governos que praticaram a tortura, o assassinato, o sequestro e o desaparecimento de cadáveres, como se comprova através do trabalho das várias Comissões da Verdade existentes hoje no Brasil. Todas as entrevistas são com participantes ativos do golpe e simpatizantes. Tudo financiado com recurso público, seja a produção, seja a divulgação da obra. E tudo isso durante os governos Lula e Dilma. Outros livros “interessantes” dessa Editora enaltecem comandantes militares nazistas e as batalhas vencidas na Espanha pelos fascistas do General Franco. Como é possível num governo considerado democrático o dinheiro público financiar a publicação de textos que são um instrumento de propaganda conservadora e golpista. Tem livros elogiando a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e as ações dos governos dos EUA e da Colômbia na repressão contra as “narcoguerrilhas de esquerda”. Ainda assim, alguns insistem em afirmar que os Black Blocs e outros grupos e movimentos é que fazem o jogo da direita.” (A direita, o fascismo e a vaia contra a Dilma: colhendo o que plantou! ou Quem está fortalecendo a direita no Brasil? Marcelo Buzetto, militante do MST  < http://pcb.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=7537:a-direita-o-fascismo-e-a-vaia-contra-a-dilma-colhendo-o-que-plantou-ou-quem-esta-fortalecendo-a-direita-no-brasil&catid=65:lulismo > )


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quarta-feira, 20 de julho de 2016

Sobre doutrinação no ensino brasileiro

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Me formei em 2012, em Licenciatura em Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em quase cinco anos de graduação, não li um único texto de Paulo Freire na Faculdade de Educação, talvez porque a maioria dos docentes o considere ultrapassado. No Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) Karl Marx era saco de pancada da maioria dos professores de Ciência Política, Antropologia e Sociologia. Em boa parte do tempo eu reagia às calúnias proferidas por tais professores contra o pai do socialismo científico, o que me deixou marcado e possivelmente queimado para tentar um mestrado. Em uma cadeira de pesquisa recebi uma nota muito próxima de zero com o argumento de que o meu trabalho era “ideológico”. O tema gerador dessa censura mascarada de avaliação buscava versar sobre as impressões das populações que viveram nos países do chamado socialismo real sobre a restauração do capitalismo, como elas se sentiam e como comparavam os dois sistemas. A professora talvez não tenha gostado da opinião dos “nativos”. Inconformado, abri processo de revisão de conceito mas acabei tendo que mudar o tema do trabalho. 

Dá para contar nos dedos de uma mão, e sobrarão dedos, quantos professores marxistas tive ao longo do meu curso. O que mais me marcou foi um professor da cadeira de Economia, disciplina a qual tivemos apenas dois semestres, que cheguei a ter uma boa relação tendo inclusive a honra de ter emprestado um livro a ele.

Em 2013 ingressei na escola pública estadual. A maioria dos professores, incluindo os de humanas, têm uma noção antiquada e conservadora de educação, na qual acreditam que simplesmente despejando conhecimentos de cima para baixo nos alunos vão transformar o pensamento deles que por sua vez transformariam o mundo existente, em suma, uma prática docente totalmente oposta ao que defendeu Paulo Freire. Muitos desses professores sequer se dignam a lutar por seus próprios direitos e alguns até fazem movimentos contrários às greves e paralisações da categoria, incluindo novamente muitos de humanas, o que vai na contramão do que defendeu Freire. Os poucos que se dispõe a utilizar as ideias do filósofo brasileiro encontram nas condições materiais e estruturais precárias de trabalho um obstáculo que praticamente inviabiliza tal empreitada, além de se deparar com o estranhamento dos próprios alunos que encontram-se aprisionados eles próprios nesse modelo de educação antiquado, o qual assimilaram e internalizaram.

Apesar dessa realidade a direita brasileira elegeu como vilão da educação não os cortes anuais de recursos que são destinados aos banqueiros e especuladores, nem a sobrecarga de trabalho dos professores, nem seus baixos salários, nem a falta de professores, nem as demissões de professores para fazer “economia”, nem as turmas abarrotadas, nem a estrutura precária, nem o fechamento de escolas, tampouco esbraveja contra os governos que fazem tudo isso (pelo contrário, seus políticos são base parlamentar deles, como atesta Marcel van Hattem), mas encontrou em uma suposta doutrinação ideológica marxista e de esquerda a causa de todos os males do ensino no país. 

A atual pressa em impor o projeto “Escola sem Partido” é uma reação da direita aos levantes secundaristas e às greves dos profissionais da educação que se alastram pelo país e que lutam contra as medidas de ajustes que ameaçam a educação pública e que são aplicadas por todos os governos que administram a crise capitalista, incluindo os do PT e do PCdoB - deixando claro que práticas freirianas e marxistas passam longe desses partidos.



Jorge Nogueira, professor de Sociologia da rede estadual no Rio Grande do Sul e militante da CST/PSOL

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