domingo, 12 de maio de 2013

Brasil: aumenta o entreguismo e a repressão

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A sucessão de fatos nas últimas semanas apontam claramente para um aumento das benesses ao capital em uma ponta com o correspondente aprofundamento da repressão às minorias étnicas e aos trabalhadores na outra.

Os ventos da crise capitalista começam a ficar mais fortes no país com o esgotamento das medidas "anticrise" adotadas a partir de 2008. [1] A combinação do quadro de aprofundamento da crise com a crescente perda de legitimidade dos governistas nos movimentos sociais e sindicais faz com que o governo petista se utilize cada vez mais do aparato repressivo do Estado para levar adiante seus planos de tentar manter o processo de acumulação e reprodução do capital. Assim, a cada dia que passa, o governo petista já não consegue mais dissimular o real caráter da sua gestão e para quem realmente governa.

Belo Monte já era um símbolo do que tem sido capaz a gestão petista para garantir lucros ao capital. Desde o início da obra as comunidades indígenas foram desrespeitadas, os operários são explorados e duramente reprimidos (incluíndo prisões, torturas e desaparecimentos), pequenos agricultores sofrem ameaças de expropriação e até um espião foi infiltrado pelo governo. Como se tudo isso não bastasse, tráfico de pessoas e prostituição foram encontrados ao lado do canteiro de obras.

Pois nas últimas semanas o governo enviou a Força Nacional para reprimir operários que realizavam uma greve pacífica e 450 foram demitidos [2]. A intenção de violar o direito de greve já nem é disfarçada como deixa clara a nota do Consórcio Construtor de Belo Monte (CCBM) publicada no dia 18 de abril. [3]

À recente ocupação indígena o governo respondeu com a negativa de negociação [4], repressão da Força Nacional [5], censura de jornalistas (um chegou a ser multado pelo crime de ter gravado a ação policial) [6] e até com a abertura de uma investigação da Polícia Federal para apurar quem eram os não indígenas que participavam da ocupação - uma clara tentativa de quebrar a aliança e a solidariedade de outros setores (como os próprios operários) com as minorias étnicas. [7] 
Além de tudo isso a Ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, anunciou que o governo pretende retirar da Funai a atribuição de demarcar as terras indígenas, atendendo a pedido dos ruralistas.  

A política repressiva do Estado brasileiro para garantir os lucros do capital já está devidamente elaborada e justificada. Em julho de 2012, a Presidente Dilma aprovou o "PROTEGER", sistema que visaria proteger os setores estratégicos do país - mais de 13.300 locais entre hidrelétricas, termelétricas, refinarias, estradas, telecomunicações, portos, aeroportos, etc. [8]

Embora apareçam como estratégicos grande parte desses setores estão sendo privatizados com dinheiro público. A "proteção" na verdade é contra a ação dos movimentos sociais e sindicais já que o referido sistema prevê a militarização em caso de conflitos sociais - cada vez mais inevitáveis dada a truculência e o desrespeito do governo.

Diante da descoberta da operação de espionagem do movimento sindical portuário, o Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, deixou claro o que o governo petista visa "proteger":
"Era mais que legítimo que a Abin passasse para nós informações dos riscos: 'Olha, pode paralisar o porto.' E a repercussão disso na economia, qual é?" [9]

E qual a repercussão na economia do processo de desnacionalização e desindustrialização crescentes operados pelo governo petista com dinheiro público? Os próprios portos estão em vias de serem privatizados, tendo a própria Presidente Dilma exigido pressa do Congresso para votar a matéria. [10]

O recrudescimento no tratamento dos movimentos sociais e sindicais contrasta com as concessões obscenas destinadas ao grande capital. Na última semana, por exemplo, a pedido dos empresários, o governo elevou de 5,5% para 7,2% os ganhos para as empresas que abocanharem as rodovias. [11]

No Rio de Janeiro, os aliados do governo federal, que também trataram com cacetetes as minorias étnicas e os trabalhadores, entregaram, por R$ 181,5 milhões [12], o Estádio do Maracanã para o grupo de Eike Batista, após gastar até o momento R$ 1,6 bilhões - este valor se elevará pois há ainda mais algumas obras no entorno a serem realizadas. [13] 
Momentaneamente a justiça acatou pedido de impugnação do Ministério Público pela baixa remuneração ao Estado e erros no edital de concessão. [14]

A capital fluminense foi palco, há meses atrás, de uma polêmica que ganhou as manchetes dos jornais e telejornais do país: a repartição dos royalties do petróleo. Tal polêmica ocultou que o governo petista prepara um dos maiores entreguismos da História do Brasil: o leilão de 289 blocos de petróleo para empresas estrangeiras cujo valor ultrapassa a casa dos trilhões - de acordo com alguns economistas o valor seria superior ao PIB nacional.

Se por um lado pratica um entreguismo trilhionário, por outro o governo persegue servidores públicos por, no exercício de suas funções, não serem coniventes com os desmandos dos amigos do Planalto. Pietro Mendes, fiscal da Agência Nacional do Petróleo (ANP), foi perseguido por ter autuado a OGX, de Eike Batista. [15] Ano passado a cipeira Ana Paula do Terminal Cabiúnas, em Macaé/RJ, foi demitida da Transpetro por ter denunciado irregularidades e desrespeito às normas de segurança. [16]

A combinação da ampliação de benesses ao capital em uma ponta com a crescente repressão aos trabalhadores e minorias étnicas em outra, é um indício de que com o aprofundamento da crise econômica no país a luta de classes tenderá a se agudizar no próximo período e amplos setores do povo passarão a se enfrentar cada vez mais com o governo petista, cujos principais dirigentes, convertidos em neoburgueses, demonstrarão cada vez mais o que são e para quem realmente governam. 


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[1] Um sintoma dos limites de um mercado interno cujas famílias estão endividadas e travando o consumo foi o pedido das montadoras para o governo ampliar benefícios para que exportem até 1 milhão de carros.
Montadoras de veículos pedirão ao governo incentivo para exportação (22/04/2013):
http://oglobo.globo.com/economia/montadoras-de-veiculos-pedirao-ao-governo-incentivo-exportacao-8187200

[2] Greve: CCBM e governo exploram e oprimem os operários de Belo Monte (07/04/2013):

[3] Belo Monte: tentativa de solapar o direito de greve (20/04/2013):

[4] Governo não irá negociar com índios que ocuparam Belo Monte (07/05/2013):

[5] "O governo perdeu o juízo", afirmam indígenas (07/05/2013):

[6] Dois jornalistas são expulsos e um é multado por cobrirem ocupação de Belo Monte (05/05/2013):

Deputado é impedido pela polícia de conversar com indígenas; imprensa é barrada; militares 'negociam' em nome do governo (05/05/2013):

[7] Polícia Federal vai investigar participação de não índios em ocupação de Belo Monte (06/05/2013):

[8] Para o capital, mais benesses; para o povo, o Exército (12/08/2012):

[9] Carvalho: Abin monitorou Suape por razões econômicas (10/04/2013):

[10] Dilma Rousseff pressiona pela aprovação da MP dos Portos (10/05/2013):
http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2013/05/dilma-rousseff-pressiona-pela-aprovacao-da-mp-dos-portos.html

[11] Taxa de retorno para concessão de rodovia sobe para 7,2% (08/05/2013):
http://www.sul21.com.br/jornal/2013/05/taxa-de-retorno-para-concessao-de-rodovia-sobe-para-72/

[12] Grupo com Eike vence licitação e vai administrar o Maracanã por 35 anos (09/05/2013):
http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-das-confederacoes/noticia/2013/05/grupo-de-eike-e-habilitado-e-vence-processo-de-licitacao-do-maracana.html

[13] Maracanã: um estádio a R$ 1,6 bilhão (27/04/2013):
http://www.lancenet.com.br/minuto/Maracana-estadio-bilhao_0_908309364.html
 
[14] Justiça barra concessão de Maracanã a Eike e Odebrecht (10/05/2013):
 
[15] Fiscal que autuou a OGX foi punido e sofreu ataques da diretoria da ANP (10/05/2013):

[16] Dilma: entrega do petróleo e punições dos trabalhadores da Petrobrás (07/05/2013):

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sexta-feira, 3 de maio de 2013

O mito da revolução na Islândia desmascarado

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Quando os reformistas, e lamentavelmente até alguns revolucionários, alardearam uma revolução na Islândia, me mantive cauteloso pois era cético que um processo de tal magnitude pudesse se dar dentro dos limites do regime e sem grandes reações das classes dominantes locais e globais - que segundo tais correntes políticas se limitavam a ocultar a "revolução" islandesa do resto do mundo.

Pois vieram as eleições e com ela a verdade veio à tona. Os reformistas, obviamente, se calaram já que os seus pares naquele país deram um giro à direita após o calor da pressão popular que forçou algumas medidas e facilitaram o caminho dos partidos mais alinhados com o status quo retornar ao poder.

O caso da Islândia deixa claro que uma revolução popular que supere a crise capitalista e seus males não pode ocorrer dentro dos marcos do regime burguês, mas somente superando-o. 

Abaixo segue um bom artigo que detalha o que ocorreu na Islândia.


Um resultado desconcertante numa falsa democracia

As eleições paralisantes da Islândia

por Jose M. Tirado [*]

Com 94,8% dos votos contados, os islandeses na noite passada deram à coligação governante da Aliança Social Democrata e do Movimento Esquerda-Verde uma derrota paralisante, entregando as rédeas do poder outra vez à mesma coligação que arruinou a economia há cinco anos atrás: o Partido Independência e o Partido Progressivo. Do total do eleitorado, 25,7% apoiou o Partido Independência e 24,4% votaram pelos progressivos, ambos de centro-direita, com profundos interesses no sector bancário, os "barões do mar" e em companhias agrícolas (A coligação governante em conjunto mal ultrapassou os 20%: os sociais-democratas receberam apenas 12,9%, os esquerda-verdes 10,9%).

Vários partidos mais pequenos constituíram-se neste período eleitoral, principalmente do lado populista-esquerda (apesar de um partido direita-verde ter recebido 1,7%) e começaram a juntar-se e dividir-se com previsível regularidade. Exemplo: Dögun ou "Aurora" receberam 3,1% mas perderam membros para o "Sentinela da Democracia" (2,5%), o "O Partido da Família" (3,0%) e o "Partido Pirata" (5,1%) com este último a ganhar três cadeiras, entre as 63 cadeiras do legislativo de uma só câmara. Mas, embora ganhando quase 20% dos votos lançados, o total de grupos de esquerda/reformistas não será reflectivo em qualquer poder parlamentar significativo. Isto agora deixa os centro-direitistas, que já controlam a economia, diluir a recém criada constituição do povo tal como eles abertamente prometiam – e, mais uma vez, enriquecer o seu próprio pequeno bando de proprietários de navios, banqueiros e capitalistas de compadrio.

Então, como é que isto aconteceu?

Bem, embora possa parecer a observadores externos como uma rejeição maciça de ideias à esquerda do centro, a eleição de ontem demonstra que quando a esquerda se move para a direita ela acaba por perder. Inicialmente escolhida por um levantamento populista para voltar a por a catastrófica economia do país no trilho certo (a "Revolução das panelas e frigideiras"), os sociais-democratas e esquerda-verdes começaram com apoio razoavelmente generalizado a processar a elite dos banksters que haviam transformado da Islândia num casino de especulação e gastos loucos. Após um arranque espasmódico, algumas acusações foram apresentadas e alguma facilitação dos fardos sobre famílias trabalhadoras surgiu no horizonte, embora fossem aumentados impostos. Mas antigos adversários da adesão à UE na esquerda-verdes começaram desconcertantemente a apregoar a adesão à União como uma direcção que o país deveria procurar. Isto já era uma política defendida pelos sociais-democratas e portanto, de forma discutível, em meio a pior crise económica desde a Grande Depressão, a coligação reformista ocupava-se a procurar a adesão à UE – uma solução controversa nunca apoiada pela maior parte dos islandeses. Além disso, eles eram encarados como salvadores de bancos enquanto prometiam investigar e processar delinquentes, mas arrastando os pés em relação ao alívio de hipotecas e dando apoio aos mesmos grandes, destruidores da natureza como projectos de fundição de alumínio que o Partido Independência sempre defendeu. Ao retomar as já sensibilizadas aversões dos islandeses médios, que apenas queriam algum alívio nas suas dívidas e empregos, a base para o declínio da coligação estava estabelecida.

Gradualmente, quando o novo governo adoptou medidas de austeridade tipicamente recomendadas pelo FMI, a sua popularidade começou a cair e um desejo contido pelos bons velhos dias começou a retornar, com o público a irritar-se com o novo governo a cada semana. "Eles (o governo reformista da coligação de sociais-democratas e esquerda-verdes) 'salvaram' a economia dando mais salvamentos aos bancos ao invés de ajudar a família média" disse-me um amigo, activo no [partido] Sentinela da Democracia". "Perderam demasiado tempo estupidamente considerando a UE ao invés de desafiar directamente as estruturas de poder existentes", continuou ele. Assim, tão logo viram esta abertura (o espírito independente dos islandeses sendo picado por temores de dominação estrangeira), o Partido Independência capitalizou com esta situação antigos parceiros júnior a lutarem por posições a fim de derrubar o tradicional par da coligação se porventura vencesse. Os progressivos martelaram as TVs, rádios e jornais com promessas de apagar a dívida familiar. Os dados estavam lançados e os islandeses, desejosos de darem mais uma vez a última palavra, fizeram-se como uma vingança, escolhendo na direita o único outro grupo disponível de velhacos para endireitar exactamente os mesmos erros pelos quais eles foram inicialmente responsáveis. "É como uma máfia", acrescentou o meu amigo, com o olhar turvo após uma noite em claro o ver resultados eleitorais. "Nada vai mudar, excepto que a nova Constituição morrerá e mais pessoas deixarão o país. Nós perdemos médicos e outros profissionais para a Noruega e isto continuará", acrescentou.

Quando mencionei a outro amigo que a Islândia parecia mais como uma "democracia de compadrio", ele respondeu em inglês claro: "isto não é democracia de compadrio, é falsa democracia".

Os progressivos pelo menos partilham ligeiramente algumas ideias de centro-esquerda com os sociais-democratas mas o receio agora é de que, tendo prometido com firmeza dar alívio aos proprietários de casos a lutarem sob uma montanha de dívida, eles também estejam condenados a fracassar. E se assim for, isto pode provocar mais outro colapso político, possivelmente ainda mais esmagador do que o último."Somos um povo estúpido", disse-me um amigo, "queremos acreditar que o Partido Progressivo conduzirá a coligação de acordo com as suas promessas, mas ninguém quer admitir que os números não fazem sentido e que isto também vai acabar mal. Todo o sistema está tramado".
29/Abril/2013

[*] Poeta, padre e escritor. Está a acabar um PhD em psicologia na Islândia.

O original encontra-se em www.counterpunch.org/2013/04/29/icelands-crippling-elections/


Extraído de:
http://resistir.info/islandia/eleicoes_29abr13.html


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