segunda-feira, 1 de março de 2010

Um liberal salvo pelo Estado

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Benjamin Constant foi um liberal franco-suíço que viveu durante os séculos XVIII e XIX. Ainda hoje é celebrado nos círculos liberais chegando a ser aclamado por alguns como "o mais eloqüente entre todos os defensores da liberdade (...)"[1], incluindo-se a política, apesar dele ter defendido a exclusão das classes subalternas do processo político:
"Observem que o escopo necessário dos não-proprietários é chegar à propriedade: eles empregarão para este escopo todos os meios que lhes forem dados. Se à liberdade de ofício e de trabalho (...), que lhes é devida, acrescentarem-se os direitos políticos, que não lhes são devidos, estes direitos nas mãos da maioria servirão infalivelmente para invadir a propriedade (...)."

Embora claramente contraditória com a agitação da liberdade, a exclusão das classes subalternas do processo político é perfeitamente coerente com a História do Liberalismo, tendo-se alterado tal situação devido à luta das próprias classes excluídas contra os próprios ícones do liberalismo de sua época.[2]
A democracia censitária adentrou o século XX e encontrou apoiadores na Escola Austríaca, como Hayek, e ainda hoje há nos círculos liberais quem aprove a idéia.[3]

Na atual crise financeira alguns liberais têm condenado a intervenção do Estado para salvar o capitalismo. No entanto, esses mesmos liberais, festejam sem ressalvas um pensador que foi acudido pelo Estado.

Benjamin Constant era viciado em jogos de azar e devido a isso enfrentou constantes dificuldades financeiras devido as dívidas acumuladas com a jogatina. Em 1810, por exemplo, não podendo contar com a ajuda financeira de Madame de Staël, teve de vender a sua propriedade de Les Herbages para pagar dívidas.[4]

Vinte anos mais tarde Benjamin Constant receberia 200 mil francos do Rei Luís Filipe I para pagar suas dívidas oriundas dos jogos.
O comportamento do político e pensador era "um alvo fácil para as críticas" diz Jim Powell[5]. Porém não se encontra nos escritos dos liberais laissez-faire críticas a postura de Constant. Muito pelo contrário.

O próprio Jim Powell vai se regozijar com a seguinte citação de Constant:
"O comércio satisfaz suas necessidades, satisfaz seus desejos, sem a intervenção das autoridades. Essa intervenção é quase sempre – e eu não sei porque eu digo quase – essa intervenção é, na verdade, sempre um problema e um embaraço. Toda vez que um poder coletivo deseja interferir em especulações privadas, ele causa dano aos especuladores. Toda vez que o governo finge fazer o que nós deveríamos fazer sozinhos, ele o faz com menos competência e com mais gastos do que faríamos."

Rodrigo Constantino, o laissez-faire que afirma que "as impressões digitais do governo" estão "em todos os locais da cena do crime", ou seja, que é o "intervencionismo" do Estado o culpado pela atual crise financeira[6], também celebra o pensador liberal:
Constant entendia também que é a livre iniciativa que cria a riqueza. Ele lembrou que "quanto mais se deixam meios à disposição da indústria dos particulares, mais próspero o Estado". O imposto, por reduzir essa quantia disponível aos indivíduos livres, é "infalivelmente nocivo". Além disso, parece que Constant já compreendia bem os riscos que ficaram posteriormente conhecidos como "falhas de governo". Faltam os incentivos corretos para um uso adequado dos impostos, pela própria natureza do Estado. Constant afirma categoricamente que "o povo não é miserável apenas por pagar além dos seus meios, mas é miserável também pelo uso que fazem do que paga". Seus sacrifícios se voltam contra ele. Conclui Benjamin Constant: "O povo não paga para que a boa ordem seja mantida no interior, mas, ao contrário, para que os favoritos enriquecidos com seus despojos perturbem a ordem pública com vexações impunes." [7]

O contraste entre as citações acima e as ações de Benjamin Constant são gritantes. Mesmo assim ele é celebrado como um grande e coerente defensor do "laissez-faire" e autor "anti-intervencionismo", ignorando-se sem "embaraço" as "impressões digitais" do Estado que evitaram a sua falência.

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[1,5] Biografia: Benjamin Constant, por Jim Powell (22/08/2008):
http://www.ordemlivre.org/node/320

[2] A "Contra-História do Liberalismo"
http://blogdomonjn.blogspot.com/2009/09/contra-historia-do-liberalismo.html

[3] O Culto à Democracia, por Rodrigo Constantino (19/05/2009):
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2009/05/o-culto-democracia.html

A democracia não é a solução; é o problema, por Hans-Hermann Hoppe (25/9/2009):
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=398

[4] Benjamin Constant, por Rubem Queiroz Cobra (Doutor em Geologia e bacharel em Filosofia - 17/12/2005):
http://www.cobra.pages.nom.br/fcp-constant.html

[6] De Quem é a Culpa? por Rodrigo Constantino (22/09/2008):
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2008/09/de-quem-culpa.html

[7] Um Mal Necessário, por Rodrigo Constantino (19/06/2006):
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2006/06/um-mal-necessrio.html

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