A crise
econômica mundial, que estava estimada para ocorrer entre o segundo
semestre de 2019 até o ano de 2021 [1], foi acelerada pelo
coronavírus. Porém, a burguesia e alguns ideólogos do capitalismo
estão se fingindo de desentendidos e culpando um vírus por uma
crise esperada por todas as correntes econômicas e cujos sintomas já
vinham se manifestando. [2]
Por outro
lado, uma parcela da esquerda está anunciando o “fim do
neoliberalismo” baseando-se nas intervenções estatais dos
governos que buscam evitar o colapso do sistema. Um equívoco
tremendo que tem muito de desejo e nada de análise séria da
realidade. E o momento exige a mais profunda seriedade.
Não é a
primeira vez que esse veredito foi sentenciado. Durante o estouro da
crise de 2008 foi alardeado o “fim do neoliberalismo” também
devido às intervenções estatais na economia. Mas logo vieram os
planos de austeridade como uma balde de água fria. [3]
A
burguesia não se acanha de contrariar o próprio discurso e utilizar
mecanismos que até ontem criticava para manter seus lucros e seguir
como classe dominante. As medidas estatais em momentos de crises são
mais comuns do se imagina. Na crise de 1857, por exemplo, Marx enviou
uma carta ao seu amigo Engels ironizando que os capitalistas estavam
exigindo “subvenções públicas do Governo, por todos os lados”
para fazer valer “o
“droit au profit (direito ao lucro)”, à custa de todos”
[4]. No século XX, o Estado de Bem-Estar Social keynesiano foi
incorporado após a Segunda Guerra para combater a expansão das
ideias socialistas.
A crise
de 1857 não fez a burguesia abandonar os cânticos ao livre mercado
e o keynesianismo serviu para propaganda positiva do capitalismo até
que o desenvolvimento das forças produtivas aguçou as contradições
levando a proposta de Keynes ao esgotamento e a própria burguesia
mudou rapidamente o discurso passando a defender os pressupostos
neoliberais.
O
neoliberalismo não é uma maldade fabricada em um caldeirão por
algum bruxo burguês. Ela é a economia política do capitalismo
globalizado e financeirizado. Sua derrocada final só se dará ou se
o capitalismo encontrar outra forma de acumulação, o que se daria
pelo seu próprio desenvolvimento, ou com a superação do próprio
capitalismo como modo de produção, o que só seria possível com
atuação política.
A crise
vigente deve aprofundar a rejeição popular ao ajuste fiscal
neoliberal e deverá abrir uma avenida enorme para os seus críticos.
Isso não significa que a burguesia vai abandoná-lo. Pelo contrário,
a manobra de culpar um vírus pela crise é uma tentativa de manter a
economia política neoliberal como alternativa.
Mas a
avenida aberta só será ocupada eficazmente se a crítica ao
neoliberalismo adquirir um caráter de combate anticapitalista. Até
porque a crise vivida pelo capitalismo não é apenas cíclica mas
estrutural, sistêmica, fruto do seu próprio desenvolvimento, o que
reduz o espaço para reformas, remendos e mediações.
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[1]
Especialistas preveem apocalipse econômico no final de 2019 que pode
atingir qualquer país. Sputnik News, 25/07/2019.
Roubini prevê próxima crise financeira e recessão global em 2020.
Jornal de Negócios, 11/09/2018.
Mais de 30% dos economistas nos EUA temem recessão até 2021. UOL,
19/08/2019.
[2] Não,
o coronavírus não é responsável pela queda nos preços das ações.
Eric Toussaint, CADTM, 06/03/2020.
[3] A
expansão do neoliberalismo em meio a sua crise. Jorge Nogueira,
MonBlog, 20/12/2010.
[4] Carta
de Marx à Engels sobre a crise de 1857.