A Fiesp,
que já vinha apoiando Bolsonaro publicamente [1], resolveu tomar a
frente e chamou uma reunião para a criação de um Conselhão só de
empresários, especuladores e banqueiros com o governo [2]. Tal
movimentação da classe dominante merece uma atenção muito séria
por parte da oposição política e da população em geral.
Trata-se
de um apoio de peso em um momento de aprofundamento da crise
institucional, de dificuldade de articulação governamental e que os
números da economia apontam para um cenário desfavorável ao plano
econômico do governo.
O
objetivo declarado de tal empreitada é garantir a aplicação do
ajuste neoliberal. A entrevista do presidente do Bradesco, Luiz
Carlos Trabuco, que participou do encontro, deveria ser lida por
todos pois é uma verdadeira aula do que pensa a burguesia
brasileira, de como ela se situa no atual capitalismo globalizado e
sua tranquilidade com a condição colonial. [3]
Mas se a
incapacidade da burguesia brasileira construir um projeto de país
está cada vez mais visível outra faceta foi revelada: a
incapacidade de defender a democracia burguesa formal.
“Este
assunto não foi discutido”, disse Trabuco ao ser questionado
sobre o ato do dia 15 de março, movimento com fortes traços
autoritários que foi incentivado pelo próprio Bolsonaro. [4]
Assim, se
um grupo de empresários assumidamente bolsonaristas não se acanha
de declarar que financia uma intentona antidemocrática [5] o
restante se finge de morto para ver no que vai dar, afinal, o que
realmente interessa é a aplicação do ajuste neoliberal que vai
lhes garantir os bolsos cheios e para isso o que menos importa é se
o sistema político é uma democracia ou uma ditadura - o que não
constitui nenhuma novidade já que ao longo da história a burguesia
apoiou regimes horrendos (apartheid, nazifascismo, ditaduras
militares, etc) e no próprio Brasil foi base e fez parte da ditadura
civil-militar oriunda do golpe de 1964.
O fato é
que fortalecido pelo aval da Fiesp Bolsonaro “voltou atrás” de
ter “voltado atrás” [6] e assumiu a convocação do ato do dia
15, ainda que com discurso dissimulado. [7]
Os
setores da oposição que negligenciarem as ruas e priorizarem os
acordos de gabinetes institucionais poderão ficar com as mãos
vazias no quesito democrático tal qual têm ficado na questão
nacional. No Brasil não há uma burguesia nacional e tampouco
democrática.
O próprio
ajuste neoliberal demanda ainda mais restrições na democracia
restritiva que vivemos. O PL de autonomia do Banco Central entrega a
gestão econômica do país aos banqueiros [8] e a PEC do Pacto
Federativo cria um Conselho Fiscal para monitorar se governadores e
prefeitos estão aplicando ajuste fiscal [9]. Aprovadas estas duas
medidas as eleições, que já não trazem grandes mudanças
positivas às classes populares, vão se transformar em simples
“mudar as moscas” do “esterco neoliberal” - que se
transformará em política de Estado, e não mais de governo.
Como
assinalamos em outro artigo, nos escombros da Nova República a
burguesia brasileira busca erigir uma ordem social na qual ela seria
uma espécie de nobreza que “pode tudo” ao passo que ao povo
restaria obedecer (pelo medo da repressão ou pelo desespero da
sobrevivência) e pagar a conta como uma espécie de terceiro estado
que sustenta o primeiro (burguesia) e o segundo estado (políticos e
chegados). [10]
Na crise
do capital no Brasil o ajuste fiscal segue sendo o centro da
conjuntura com impacto nos direitos sociais e na própria democracia
formal burguesa. Por isso, o combate aos arroubos autoritários do
bolsonarismo não pode se transformar em defesa acrítica das
instituições apodrecidas do regime que são odiadas, com toda a
razão, pela população.
As
consequências poderão ser trágicas se a oposição deixar a
crítica institucional para a extrema direita. Tendo como palanque
preferencial as ruas para derrotar o neoliberalismo, precisamos
agitar um programa econômico alternativo radical e anticapitalista
combinado com medidas democráticas que ampliem a participação dos
de baixo.
Não
basta resistir é preciso atacar!
_________________________________________________________
[1] Muito
prazer, somos a Fiesp: conheça o artigo do presidente Paulo Skaf
publicado hoje na Folha de SP. Fiesp, 27/01/2020.
[2]
Otimismo foi a tônica da reunião de grandes empresários com o
presidente Jair Bolsonaro na Fiesp. Fiesp, 05/03/2020.
[3]
Brasil pode ser um porto seguro para o capital, diz presidente do
Bradesco. Exame, 06/03/2020.
[4]
Bolsonaro é fortemente criticado após divulgar vídeo com chamado
para manifestação. Globo, 26/02/2020.
[5]
Boicote a empresas ligadas a Bolsonaro ganha as redes. Congresso em
Foco, 08/03/2020.
[6]
Bolsonaro nega envio de vídeo sobre ato no próximo dia 15;
jornalista diz que ele mente. Correio Braziliense, 27/02/2020.
[7] Em
discurso, Bolsonaro convoca atos do dia 15: “não é contra o
Congresso”. Congresso em Foco, 07/03/2020.
[8] PL
19/2019.
[9] PEC
188/2019.
[10] A
nobreza do século XXI. Jorge Nogueira, 26/01/2020.