domingo, 8 de março de 2020

Ajuste acima de tudo, lucro acima de todos

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A Fiesp, que já vinha apoiando Bolsonaro publicamente [1], resolveu tomar a frente e chamou uma reunião para a criação de um Conselhão só de empresários, especuladores e banqueiros com o governo [2]. Tal movimentação da classe dominante merece uma atenção muito séria por parte da oposição política e da população em geral.

Trata-se de um apoio de peso em um momento de aprofundamento da crise institucional, de dificuldade de articulação governamental e que os números da economia apontam para um cenário desfavorável ao plano econômico do governo.

O objetivo declarado de tal empreitada é garantir a aplicação do ajuste neoliberal. A entrevista do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, que participou do encontro, deveria ser lida por todos pois é uma verdadeira aula do que pensa a burguesia brasileira, de como ela se situa no atual capitalismo globalizado e sua tranquilidade com a condição colonial. [3]

Mas se a incapacidade da burguesia brasileira construir um projeto de país está cada vez mais visível outra faceta foi revelada: a incapacidade de defender a democracia burguesa formal.

Este assunto não foi discutido”, disse Trabuco ao ser questionado sobre o ato do dia 15 de março, movimento com fortes traços autoritários que foi incentivado pelo próprio Bolsonaro. [4]

Assim, se um grupo de empresários assumidamente bolsonaristas não se acanha de declarar que financia uma intentona antidemocrática [5] o restante se finge de morto para ver no que vai dar, afinal, o que realmente interessa é a aplicação do ajuste neoliberal que vai lhes garantir os bolsos cheios e para isso o que menos importa é se o sistema político é uma democracia ou uma ditadura - o que não constitui nenhuma novidade já que ao longo da história a burguesia apoiou regimes horrendos (apartheid, nazifascismo, ditaduras militares, etc) e no próprio Brasil foi base e fez parte da ditadura civil-militar oriunda do golpe de 1964.

O fato é que fortalecido pelo aval da Fiesp Bolsonaro “voltou atrás” de ter “voltado atrás” [6] e assumiu a convocação do ato do dia 15, ainda que com discurso dissimulado. [7]

Os setores da oposição que negligenciarem as ruas e priorizarem os acordos de gabinetes institucionais poderão ficar com as mãos vazias no quesito democrático tal qual têm ficado na questão nacional. No Brasil não há uma burguesia nacional e tampouco democrática.

O próprio ajuste neoliberal demanda ainda mais restrições na democracia restritiva que vivemos. O PL de autonomia do Banco Central entrega a gestão econômica do país aos banqueiros [8] e a PEC do Pacto Federativo cria um Conselho Fiscal para monitorar se governadores e prefeitos estão aplicando ajuste fiscal [9]. Aprovadas estas duas medidas as eleições, que já não trazem grandes mudanças positivas às classes populares, vão se transformar em simples “mudar as moscas” do “esterco neoliberal” - que se transformará em política de Estado, e não mais de governo.

Como assinalamos em outro artigo, nos escombros da Nova República a burguesia brasileira busca erigir uma ordem social na qual ela seria uma espécie de nobreza que “pode tudo” ao passo que ao povo restaria obedecer (pelo medo da repressão ou pelo desespero da sobrevivência) e pagar a conta como uma espécie de terceiro estado que sustenta o primeiro (burguesia) e o segundo estado (políticos e chegados). [10]

Na crise do capital no Brasil o ajuste fiscal segue sendo o centro da conjuntura com impacto nos direitos sociais e na própria democracia formal burguesa. Por isso, o combate aos arroubos autoritários do bolsonarismo não pode se transformar em defesa acrítica das instituições apodrecidas do regime que são odiadas, com toda a razão, pela população.

As consequências poderão ser trágicas se a oposição deixar a crítica institucional para a extrema direita. Tendo como palanque preferencial as ruas para derrotar o neoliberalismo, precisamos agitar um programa econômico alternativo radical e anticapitalista combinado com medidas democráticas que ampliem a participação dos de baixo.

Não basta resistir é preciso atacar!


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[1] Muito prazer, somos a Fiesp: conheça o artigo do presidente Paulo Skaf publicado hoje na Folha de SP. Fiesp, 27/01/2020.

[2] Otimismo foi a tônica da reunião de grandes empresários com o presidente Jair Bolsonaro na Fiesp. Fiesp, 05/03/2020.

[3] Brasil pode ser um porto seguro para o capital, diz presidente do Bradesco. Exame, 06/03/2020.

[4] Bolsonaro é fortemente criticado após divulgar vídeo com chamado para manifestação. Globo, 26/02/2020.

[5] Boicote a empresas ligadas a Bolsonaro ganha as redes. Congresso em Foco, 08/03/2020.

[6] Bolsonaro nega envio de vídeo sobre ato no próximo dia 15; jornalista diz que ele mente. Correio Braziliense, 27/02/2020.

[7] Em discurso, Bolsonaro convoca atos do dia 15: “não é contra o Congresso”. Congresso em Foco, 07/03/2020.

[8] PL 19/2019.

[9] PEC 188/2019.

[10] A nobreza do século XXI. Jorge Nogueira, 26/01/2020.






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