“(...) O Michel forma um governo de união nacional, faz um
grande acordo, protege o Lula, protege todo mundo. Esse país volta à
calma, ninguém aguenta mais. (...)”
- Sérgio Machado com Romero Jucá [1]
“(...) o Michel assumiria e garantiria ela [Dilma] e o Lula,
fazia um grande acordo.”
- Sérgio Machado com Renan Calheiros [2]
“(...) Porque a saída que tem, presidente [Sarney], é essa que
o senhor falou é isso, só tem essa, parlamentarismo. Assegurando a
ela [Dilma] e o Lula que não vão ser... Ninguém vai fazer caça a
nada. Fazer um grande acordo com o Supremo, etc, e fazer, a bala de
Caxias, para o país não explodir. E todo mundo fazer acordo porque
está todo mundo se fodendo, não sobra ninguém. (…)”
- Sérgio Machado com José Sarney [3]
No dia
9 de junho, por 4 votos a 3, os ministros do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) abolveram a chapa Dilma-Temer garantindo assim os
direitos políticos da primeira e o cargo do segundo [4]. Para isso
os ministros escolhidos a dedo pelos políticos implicados rejeitaram
uma série de provas que incriminavam a referida chapa [5]. Assim, o
órgão máximo da justiça eleitoral do país, que veicula
propagandas incentivando o “voto consciente” e a “fiscalização
dos políticos pelos eleitores”, se lançava na lama do descrédito
das demais instituições do regime arrastando para ela o próprio
Judiciário.
Mais
surpreendente do que a atuação do TSE foi a ausência de protestos
nos dias do julgamento. O país que nos últimos anos assistiu atos
contra e a favor do impeachment, greve geral, entre tantas outras
lutas sociais, simplesmente emudeceu. A segurança reforçada no TSE
foi aos poucos sendo reduzida pois mostrou-se desnecessária.
Movimento Brasil Livre (MBL), Vem Pra Rua, Central Única dos
Trabalhadores (CUT), Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do
Brasil (CTB), União Nacional dos Estudantes UNE), etc, não chamaram
um único ato sequer! Se limitaram a postagens em redes sociais.
Os
movimentos da direita (MBL e Vem Pra Rua) que chegaram a ensaiar a
marcação de atos contra Michel Temer após a divulgação dos
áudios do empresário Joesley Batista, no mês de maio, recuaram
rapidamente. Na ocasião, o Vem Pra Rua alegou motivos de segurança
para transferir o ato para um dia até hoje não marcado enquanto que
o MBL simplesmente abandonou o pedido de renúncia: “Há motivo
de sobra para investigar Temer nos áudios, mas eles são
inconclusivos”, justiticou Kim Kataguiri. “Vamos suspender
a posição pró-renúncia até que surjam novas informações”,
concluiu o coordenador do MBL [6].
Pedir
para o presidente renunciar já era uma postura recuada para quem já
havia bradado com toda a energia “Fora” para outra pessoa que
ocupou o mesmo cargo, mas rompia um pouco com a blindagem descarada
que vinha sendo praticada até então. Possivelmente a rapaziada da
direita, vendo o furo no barco, achou que ele fosse naufragar e
tentou se antecipar para aparentar coerência, no que deve ter sido
enquadrada por algum figurão de um dos partidos da Lava Jato que
lhes fornece apoio, aparato e nos quais alguns de seus membros estão
filiados. Ídolo do MBL, o Prefeito de São Paulo, João Dória, não
vacilou em defender o governo Temer e a permanência do PSDB nele
[7].
Por
outro lado, movimentos sociais como a CUT, a CTB e a UNE dirigidos
por PT e PCdoB e que têm organizado atos pelo “Fora Temer” e
pelas recuadas “Diretas Já” em vez de utilizarem o julgamento
para fortalecer essas duas pautas, simplesmente pausaram os
protestos. Assim, se a rapaziada da direita dava cobertura para
Michel Temer os movimentos sociais petistas e satélites garantiam
Dilma Rousseff. E ambos davam tranquilidade para o TSE absolver a
chapa presidencial de 2014.
Com a
colaboração de forças políticas que se apresentam como distintas
e que tentam polarizar a política brasileira o acordão para “salvar
todo mundo”, proposto por Sérgio Machado (PMDB), ganhava a sua
primeira batalha. E depois dela parece ter deslanchado.
Menos
de duas semanas após o julgamento do TSE o Ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, retirou três processos de Lula
e um de Eduardo Cunha da alçada do juiz Sérgio Moro [8]. No mesmo
dia, o deputado Carlos Zarattini (SP), líder do PT na Câmara,
criticou os que defendiam a prisão do senador do PSDB, Aécio Neves:
“Vi vários do PT torcendo pela prisão dele, Isso é um
equívoco. Não podemos torcer por um ataque sem nenhum princípio às
pessoas.” [9]
Para
Zarattini o tucano seria vítima:
“Ele
é um senador. Sendo assim, só poderia ser preso se fosse em
flagrante ou se estivesse cometendo um crime continuado. Aquela
acusação de que Aécio estaria obstruindo a justiça por estar em
uma reunião fazendo política não faz sentido. Pelo amor de Deus...
Fazer política não é crime continuado”. [ibidem]
A
postura do PT diante do escândalo envolvendo Aécio Neves é um fato
que evidencia a existência do acordão. O partido se negou a assinar
o pedido de cassação [10] do senador protocolado pelo PSOL e pela
Rede [11]. Não demorou muito para que o Presidente do Conselho de
Ética do Senado, João Alberto (PMDB), arquivasse o pedido de
cassação com direito a vitimização: “O pedido não me
convenceu. Não foi suficiente para abrir inquérito contra o senador
Aécio. O que fizeram com ele (Aécio) foi uma grande injustiça.”
[12]
Uma
semana depois, no dia que deveria ter sido de greve geral (o que
comentaremos mais adiante), o Ministro do STF, Marco Aurélio Mello,
devolveu o mandato de Aécio Neves, com direito a rasgados elogios:
“É brasileiro nato, chefe de família, com carreira política
elogiável (...)” [13]
“Sempre
acreditei na Justiça do meu país”, agradeceu o tucano [14]. E
como não acreditar? Se tudo desse “errado” ainda teria o
Ministro do STF, Gilmar Mendes (o mesmo que desempatou em favor de
Dilma e Temer no TSE), para salvar Aécio [15].
Ainda
tivemos a reversão do caso do ex-tesoureiro do PT, João Vaccari
Neto, que havia sido condenado pelo juiz Sérgio Moro a mais de 15
anos de prisão e que terminou sendo absolvido por dois
desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF-4) [16]; a soltura
do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, homem de confiança de Temer
flagrado com uma mala com R$ 500 mil que seria propina paga pela JBS,
pelo Ministro do STF, Edson Fachin [17] e os pedidos de “provas”
contra Temer feitos pelo ex-presidente Lula, em uma defesa velada do
presidente pelo petista: “Se o procurador-geral da República
tem uma denúncia contra o presidente da República, ele primeiro
precisa provar. Tem que ter provas materiais.” [18]
Todo
este acordão institucional precisa de calmaria social para tentar
lograr êxito. Vimos o quanto o silêncio da rapaziada da direita e
dos movimentos sociais petistas e satélites contribuíram para o
desfecho do julgamento do TSE. Mas nem só de julgamentos vive a
conjuntura. As classes dominantes em crise exigem ajustes fiscais e
cortes nos direitos do povo. E diante disso é impossível um
silêncio absoluto. É aqui que as centrais sindicais, com políticos
corruptos e investigados, buscam cumprir com a sua parte no referido
acordão.
CUT,
CTB, Força Sindical, entre outras, não podem simplesmente dizer
para as suas bases de trabalhadores que diante das contra-reformas do
governo Temer não vão fazer nada. A greve geral - tida como
praticamente impossível - que parou o país no dia 28 de abril
ocorreu em função da pressão desde baixo. A radicalidade do dia 24
de maio em Brasília mostrou que a capacidade e a disposição de
luta ultrapassava o controle dessas direções sindicais.
Para
cumprir com a sua parte no acordão as centrais tinham então que
tentar apaziguar os ânimos da classe trabalhadora. Mas isso tinha
que se dar de forma oculta, dissimulada, fingindo luta e
combatividade. Foi isso o que fizeram com a greve geral do dia 30 de
junho.
A
mudança do caráter do dia 30 começou com os atos pelas “Diretas
Já”, cujas direções do PT e do PCdoB foram aos poucos inflando
essa pauta e abafando a pauta das contra-reformas até quase torná-la
invisível. No dia 5 de junho foi criada a “Frente Ampla Nacional
pelas Diretas Já” que reúne partidos como PT, PCdoB, PDT, PSB,
assim como correntes do PSOL e dezenas de movimentos sociais. Na sua
nota de criação a referida Frente joga as soluções dos problemas
do país para a via das instituições que estão costurando o
acordão:
“O
Brasil atravessa uma grave crise política, econômica, social e
institucional. Michel Temer não reúne as condições nem a
legitimidade para seguir na presidência da República. A saída
desta crise depende fundamentalmente da participação do povo nas
ruas e nas urnas. Só a eleição direta, portanto a soberania
popular, é capaz de restabelecer legitimidade ao sistema político.
A
manutenção de Temer ou sua substituição sem o voto popular
significa a continuidade da crise e dos ataques aos direitos, hoje
materializados na tentativa de acabar com a aposentadoria, os
direitos trabalhistas e as políticas públicas, além de outras
medidas que atentam contra a soberania nacional.” [19]
A Força
Sindical, dirigida pelo deputado do Partido Solidariedade, Paulo
Pereira da Silva (o Paulinho da Força), figura implicada em
escândalos de corrupção que inclui o recebimento de propina para
enterrar greves da sua própria categoria [20], estava mais
preocupada com o imposto sindical [21] e, como o referido deputado é
base de Michel Temer, o melindre com o “Fora Temer” serviu de
desculpa para acusar a greve de “política” e assim declinar dela
[22].
Com a
pauta das contra-reformas abafadas pelas “Diretas Já” e sem
empenho das principais centrais os atos nacionais do dia 20 de junho
foram esvaziados e o dia que seria um “esquenta” para a greve
geral se tornou um “esfria”. Três dias depois as centrais
finalmente se reuniram para suprimir da chamada e da nota do evento
as palavras “greve geral” e transformá-la em um amplo “dia
de paralisações e mobilizações” [23].
Assim,
há uma semana da greve geral anteriormente marcada pelas próprias
centrais, a maioria dos brasileiros não sabia da greve geral e
tampouco sobre paralisações e protestos, que só eram do
conhecimento de algumas categorias mais engajadas. Na assembleia dos
metroviários de São Paulo, que aconteceu no dia 29, CUT e CTB já
não mais disfarçavam e votaram contra a participação dessa
importante categoria na outrora greve geral.
E assim
a greve geral do dia 30 foi sabotada pelas centrais, ainda que em
algumas cidades importantes categorias tenham mantido a bravura e
realizado grandes paralisações. O acordão para “salvar todo
mundo” ganhava uma de suas mais fundamentais batalhas mas como no
“todo mundo” não estão contemplados os direitos do povo o
Senado Federal se sentiu confiante para levar adiante a
contra-reforma trabalhista de Temer aprovando urgência para a sua
apreciação [24].
O
acordão em curso dificilmente encerrará a conjuntura e obterá a
calmaria desejada por Sérgio Machado. A ação dos corruptos para se
proteger está aos olhos de todos e aprofunda a crise de
credibilidade do regime desmoralizando ainda mais as suas
instituições. Além do mais, a crise política está longe de se
encerrar com novos escândalos surgindo como o do “Rei do ônibus”
no Rio de Janeiro, assim como as denúncias do Procurador-Geral da
República, Rodrigo Janot, contra Temer. Isso sem falar naquilo que é
o central da conjuntura: a crise econômica segue e as medidas de
ajustes fiscais com suas contra-reformas impossibilita a supressão
das lutas sociais, que podem irromper com força a qualquer momento
mesmo com as tentativas de sabotagens das direções traidoras – e
é aqui de devemos seguir apostando.
*Obs:
quando este texto estava sendo concluído foi divulgado na grande
mídia que Lula seria testemunha de defesa de Eduardo Cunha
(ex-deputado federal que se encontra preso e que autorizou a abertura
do processo de impeachment contra Dilma).
Lula
e Odebrecht depõem como testemunhas de defesa de Cunha. 05/07/2017.
____________________________________________________________________
[1]
Jucá: entenda a primeira crise do governo Temer. 23/05/2016.
[2] Em
conversa gravada, Renan defende mudar lei da delação premiada;
ouça. 25/05/2016.
[3]
Leia a transcrição dos áudios de Sarney e do ex-presidente da
Transpetro. 25/05/2016.
[4]
Gilmar Mendes decide e TSE absolve chapa Dilma-Temer. 09/06/2017.
[5] Por
que o TSE excluiu as provas da Odebrecht e depoimentos de delatores?
10/06/2017.
[6] MBL
recua em pedido de renúncia e Vem Pra Rua adia ato contra Temer.
19/05/2017.
[7]
Doria defende permanência do PSDB no governo Temer. 27/06/2017.
[8]
Fachin tira de Moro investigações contra Lula ligadas à Odebrecht.
20/06/2017.
[9]
'Torcer pela prisão de Aécio é equívoco', diz líder do PT na
Câmara. 20/06/2017.
[10]
Lobo não come lobo: bancada do PT no Senado vira aliada central de
Aécio Neves. 02/06/2017.
[11]
Rede e PSOL apresentam pedido de cassação de Aécio Neves.
18/05/2017.
[12]
Presidente do Conselho de Ética do Senado arquiva processo contra
Aécio. 23/06/2017.
[13]
Aécio tem ‘fortes elos com o Brasil’ e ‘carreira política
elogiável’, diz Marco Aurélio. 30/06/2017.
[14]
Senador Aécio Neves retoma o mandato por decisão do STF.
30/06/2017.
[15]
STF: Gilmar Mendes é sorteado relator de inquérito contra Aécio
Neves. 24/06/2017.
[16]
Tribunal reverte decisão de Moro e absolve Vaccari na Lava Jato.
27/06/2017.
[17]
Ministro Edson Fachin manda soltar ex-deputado Rodrigo Rocha Loures.
30/06/2017.
[18]
Lula exige pedido de desculpas e diz que acusação contra Temer
precisa de “provas”. 30/06/2017.
[19]
MOVIMENTOS CRIAM FRENTE AMPLA PELAS DIRETAS JÁ. 05/06/2017.
[20]
Paulinho da Força negociou fim de greve por propina, dizem
delatores. 14/04/2017.
[21]
NOTA da Força Sindical sobre Contribuição Sindical. 27/04/2017.
[22]
Após apelos do governo, Força Sindical e UGT desistem de greve
geral. 22/06/2017.
[23]
Dia 30/6, vamos parar o Brasil contra as reformas. 23/06/2017.
[24]
Urgência para votação da reforma trabalhista é aprovada no
Senado. 04/07/2017.
.