Tendo em vista que, por
vezes, surge no debate político e ideológico a proposta de métodos
da iniciativa privada como panaceia para a administração pública
ao ponto de alguns defenderem que “o Estado deve funcionar como uma
empresa privada”, é pertinente verificar o que diz o aclamado
economista liberal, Ludwig von Mises (1881-1973), sobre o assunto.
Publicamos um trecho longo, e sem cortes, para evitar a acusação de
distorção. Os grifos são nossos.
“Nos negócios com
objetivo de lucro, a liberdade de ação dos gerentes e subgerentes é
limitada por considerações de lucro e prejuízo. A motivação pelo
lucro é a diretriz necessária e suficiente para submetê-los aos
desejos dos consumidores. Não há necessidade de limitar sua
liberdade de ação por instruções detalhadas e minuciosas. Se
forem eficientes, essa ingerência seria no mínimo supérflua, senão
perniciosa por lhes atar as mãos. Se forem ineficientes, ela não
contribuiria para melhorar o seu desempenho. Tal ingerência somente
lhes proporcionaria a desculpa pouco convincente de que seu fracasso
foi causado por regulamentos inadequados. A única instrução
necessária é evidente em si mesma e nem precisa ser explicitada:
lucre.
Na administração
pública, na condução dos negócios do governo, as coisas são
diferentes. Neste campo, a liberdade de ação dos governantes e
de seus auxiliares não é limitada por considerações de lucro e
prejuízo. Se seu chefe supremo – seja ele o povo soberano ou um
déspota soberano – deixar-lhes as mãos livres, estará
renunciando à sua própria soberania. Esses governantes se
converteriam em agentes que não precisariam prestar contas a ninguém
e seu poder suplantaria o do povo ou o do déspota. Fariam o que
quisessem e não o que seu chefe esperava que fizessem. Para evitar
esse resultado e para submetê-los à vontade do chefe, é necessário
dar-lhes instruções detalhadas de como devem proceder em cada caso.
Ficam assim obrigados a cuidar de suas tarefas, obedecendo
estritamente a essas regras e regulamentos. Sua liberdade para
ajustar seus atos ao que lhes parece a solução mais apropriada de
um problema concreto é limitada por essas normas. São burocratas,
isto é, pessoas que em qualquer circunstância devem observar um
conjunto de regras inflexíveis.
A gestão burocrática
é uma conduta fadada a cumprir regras e regulamentos detalhados,
fixados por uma autoridade superior. É a única alternativa à
gestão lucrativa. A gestão lucrativa é inaplicável quando
lidamos com objetivos que não têm valor de mercado expresso em
termos de moeda ou quando queremos conduzir sem objetivo de lucro uma
atividade que poderia ser conduzida com base nessa motivação. O
primeiro caso é o da administração do aparato social de coerção
e compulsão; o segundo caso é o da direção de uma instituição
sem fins lucrativos, como por exemplo, uma escola, um hospital ou uma
empresa de correios. Sempre que a gestão de um sistema não seja
orientada pela motivação do lucro, terá que ser dirigida por
regras burocráticas.
A gestão burocrática
não é, em si mesma, um mal. É o único método apropriado para
administrar o poder público, isto é, o aparato social de compulsão
e coerção. Como o governo é necessário, a burocracia – na
esfera do governo – também é necessária. Onde o cálculo
econômico não é aplicável, os métodos burocráticos são a única
alternativa. Por isso, um governo socialista deve aplicá-los a
todos os seus campos de ação.
Nenhum negócio, qualquer
que seja seu tamanho ou seu propósito, jamais se tornará
burocrático enquanto for gerido, pura e exclusivamente, com base na
motivação do lucro. Mas quando abandona a motivação do lucro,
trocando-a pela idéia de prestação de serviço – isto é, o
princípio segundo o qual os serviços devem ser prestados sem que se
considere que os preços cobrados sejam suficientes para cobrir os
custos –, deve também substituir a gestão empresarial pelos
métodos burocráticos.”
(MISES, Ludwig von. O mercado - capítulo XV de “Ação Humana”. Rio de Janeiro: José Olympio: Instituto Liberal, 1987, p. 111-113)
(MISES, Ludwig von. O mercado - capítulo XV de “Ação Humana”. Rio de Janeiro: José Olympio: Instituto Liberal, 1987, p. 111-113)
.