.
Joice Souza (CST/PSOL)
Fev 10, 2017
Você já deve ter ouvido
a história de como surgiu o 8 de março. A partir da década de 60,
em meio à guerra fria, circulou e se consolidou a versão de que o
dia internacional das mulheres trabalhadoras foi instaurado em função
da morte de 129 operárias norte-americanas durante uma greve em
1857, em um incêndio provocados por seus patrões.
No entanto essa história
nunca ocorreu. Ela é fruto de uma confusão ou talvez de uma das
maiores fanfics do stalinismo mundial. Esse mito nos levou a
relembrar o 8 de março como o dia em que operárias foram queimadas
vivas, a greve derrotada e a burguesia saia vitoriosa esmagando, com
a força física, os métodos da classe. Mas essa história é um
mito! Há publicações fartas que demonstram que essa narrativa é
fruto de um conjunto de informações desencontradas e confusão de
datas.
As operárias tomavam as
ruas no inicio do século XX
Claro o mito da greve de
1857 possui vários elementos verdadeiros. De fato, em 1910 a
comunista Clara Zetkin propôs ao congresso da Segunda Internacional
Comunista a fixação do dia internacional de lutas das mulheres
trabalhadoras a ser comemorado no dia 29 de março. O “womans day”
era realizado nos EUA com grande marchas organizadas por mulheres
desde o inicio do século XX sempre entre fins de fevereiro e início
de março, tendo como pauta o direito ao voto , melhores salários e
condições de trabalho , jornada de trabalho, etc.
O “DIA DA Mulher”
ganhava força no inicio do século à medida que ganhava força a
participação das trabalhadoras no movimento operário. Segundo
Aleksandra Kollontai , o numero de trabalhadoras sindicalizadas
saltou de pequenos grupos dispersos em fins do século XIX para
formar “um poderoso exército de mais de um milhão de mulheres
socialistas” em 1913.
Não fomos incendiadas.
Incendiamos o mundo!
Também é verdade que o
fato que consolidou em 1922, o oito de março como Dia Internacional
das Mulheres Trabalhadoras foi uma importante marcha de operárias em
greve. Porém, essa greve não foi derrotada por um incêndio. Teve
inicio em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro no calendário
juliano) o poderoso levante de trabalhadoras (e trabalhadores) de
Petrogrado iniciado por operárias tecelãs, que atropelaram a
orientação da direção do partido bolchevique de não realizar
greve , num levante espontâneo que segundo Trotsky deu o pontapé
primeira etapa da revolução russa, a chamada revolução de
fevereiro.
Era o dia internacional
das mulheres (que na época não tinha data fixa). A socialdemocracia
russa preparava panfletos. A Rússia explodia em greves num novo
ascenso operário que desde 1915 rompia com o período de refluxo e
derrotas vividos durante cinco anos. Mesmo assim as direções do
movimento operário haviam desaconselhado a realização de greve por
acreditar que “não eram momentos propícios à hostilidade” e
agitavam a necessidade de uma “ação revolucionária”, porém
sem data determinada. Mas quando amanheceu o dia 23 de fevereiro, as
fabricas têxteis do bairro de Vyborg não funcionaram.
Contrariando a orientação
de suas direções, operárias tecelãs entraram em greve e enviaram
comissões a outras categorias. As direções, de inicio a
contragosto, acompanharam a marcha. Leon Trotsky nos fala sobre esse
episódio nos primeiros capítulos de seu livro História da
evolução Russa escrito em 1930:
“De fato,
estabeleceu-se que a Revolução de Fevereiro foi desencadeada por
elementos da base que ultrapassaram a posição das suas próprias
organizações e que a iniciativa foi espontaneamente tomada por um
contingente do proletariado explorado e oprimido mais que todos os
outros – as trabalhadoras do têxtil, cujo número, deveria-se
pensar, devia-se contar muitas mulheres soldados. (…) O número de
grevistas, mulheres e homens foi, nesse dia, cerca de 90 000. (…)
Em diversos bairros apareceram bandeiras vermelhas cujas inscrições
atestavam que os trabalhadores exigiam pão, mas não queria mais
autocracia nem guerra. O “Dia das Mulheres” tinha conseguido. Ele
estava cheio de entusiasmo e não tinha causado vítimas. (TROTSKI,
1930)
Aquele 23 de fevereiro
não terminaria ali. Nos dias seguintes mais operários/as se
juntavam as manifestações, as forças policiais se dividiam entre a
repressão e a simpatia ao movimento e as palavras de ordem por pão,
paz e terra ecoavam pelas ruas de Petrogrado:
Importante destacar que o
levante de Petrogrado não foi um levante só de mulheres desprezado
pelos homens como defendem setores do pós-modernismo sempre que
querem problematizar um suposto papel secundário das mulheres na
revolução. A greve do dia 23 foi um poderoso de levante de
trabalhadoras e trabalhadores impulsionada por um de seus setores
mais precarizados, as tecelãs, contra o absolutismo do Czar e que
atropelou e arrastou consigo uma direção que inicialmente estava
vacilante. No texto mulheres militantes nos dias da Revolução de
outubro, Aleksandra Kollontai fala sobre o papel das mulheres. Dele
destaco o seguinte trecho:
As mulheres que
participaram na Grande Revolução de Outubro – quem eram elas?
Indivíduos isolados? Não, havia multidões delas; dezenas, centenas
e milhares de heroínas anônimas que, marchando lado a lado com os
operários e camponeses sob a Bandeira Vermelha e a palavra-de-ordem
dos Sovietes, passou por cima das ruínas do czarismo rumo a um novo
futuro… (.) No ano de 1917, o grande oceano de humanidade se
levanta e se agita, e a maior parte desde oceano feita de mulheres…
Algum dia a historia escreverá sobre as proezas dessas heroínas
anônimas da revolução, que morreram na Guerra, foram mortas pelos
Brancos e amargaram incontáveis privações nos primeiros anos
seguintes a revolução, mas que continuou a carregar nas costas o
Estandarte Vermelho dos Poder Soviético e do comunismo. (Kollontai,
1927).
Essas trabalhadoras
conquistaram o que nenhuma democracia burguesa havia dado até então.
O Estado Revolucionário garantiu igualdade política e jurídica a
mulheres e homens, o direito ao divorcio e ao aborto, a construção
de creches, restaurantes e lavandeira públicas e consolidou em 1922
o dia 8 de março como dia internacional da mulheres em alusão a
greve das tecelãs de Petrogrado.
A revolução russa foi
um divisor de águas nas lutas feministas do início do século XX,
pois de um lado as trabalhadoras em todo o mundo abraçavam o
socialismo reivindicavam para si conquistas das trabalhadoras
soviéticas; por outro lado, as mulheres burguesas se lançavam em
defesa de sua classe, pois lutavam por questões pontuais: igualdade
de gênero desde que isso não significasse perder seus privilégios.
Muitas foram às associações, clubes e grupos de mulheres (em geral
da alta-sociedade) contra o comunismo fundadas naquele período.
Infelizmente, o triunfo
do stalinismo e a burocratização do estado soviético a partir de
1923 interrompeu esse processo de (auto) libertação das mulheres
antes que ele se completasse revertendo diversas conquistas das
mulheres e jogando o 8 de março no esquecimento por décadas.
Somente na década de 60 é que o dia internacional da mulher veio
ser retomado tanto pelo stalinismo mundial que o resgatou já com o
mito da greve de 1857 como pela burguesia em 1975, quando a ONU
reconheceu oficialmente a data buscando dar respostas ao novo ascenso
da lutas das mulheres que se gestava naquele período.
Seguir o exemplo das
tecelãs de Petrogrado! Viva a luta das mulheres ! Viva a revolução
russa!
100 anos após a
revolução, o capitalismo mostra sua face patriarcal na Rússia: em
Janeiro deste ano foi aprovada a lei que descriminaliza a violência
domestica e em todo o mundo a crise capitalista atinge com mais força
as mulheres superexploradas e oprimidas. Poderosos levantes de
mulheres explodem em todo o mundo contra o patriarcado e relembrar a
história do 8 de março , dia em que iremos mais uma vez às ruas ,
é muito importante para lembrar que essa data não é sobre a
burguesia e seus métodos assassinos e cruéis, nem sobre repressão.
É sobre o poder das mulheres trabalhadoras e seus métodos . O 8 de
março é um dia pra ir à luta e incendiar o mundo como o fizeram as
tecelãs em 1917.
Extraído de:
.