.
Uma
parcela da direita brasileira acreditou que a rejeição popular ao
governo Dilma e ao PT era sinônimo de rejeição às pautas da
esquerda como um todo e de apoio ao liberalismo econômico, embora
as pesquisas realizadas com o público que foi nos atos do
impeachment apontavam a defesa de mais investimentos públicos.
No dia 16 de agosto de
2015, pesquisa conjunta realizada na Avenida Paulista pela professora
de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), Esther Solano; pelo filósofo da Universidade de São
Paulo (USP), Pablo Ortellado e por Lucia Nader, da Fundação Open
Society, para o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o
Acesso à Informação, da USP, encontrou que:
“A pesquisa também ajuda a desmistificar a tese de que, assim como
os grupos Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Pra Rua, que organizam
os protestos, os manifestantes tenham um pensamento liberal sobre
questões que envolvam a presença do Estado na vida dos cidadãos.
Os pesquisadores questionaram as pessoas sobre
seus direitos e a grande maioria se mostrou a favor de educação
(86,9% dos entrevistados) e saúde (74,3%) providas de forma
gratuita. Somente a gratuidade dos serviços de transporte foi
rejeitada pelos participantes (48,90%) do protesto em São Paulo.”
[1]
Se
o “Fora Dilma” era o elemento unificador a heterogeneidade dos
manifestantes pró-impeachment já era verificável na diversidade
das pautas que apareciam descritas em cartazes simples feitos de
forma espontânea, que iam desde a defesa de mais investimentos em
saúde e educação (que eram bastante comuns), passando por defesa
de uma Reforma Política e até “novas eleições”. [2]
O
elevado rechaço popular ao ajuste fiscal, à PEC dos Gastos e mais
recentemente à Reforma da Previdência e às Terceirizações não
só não surpreendem como já eram esperadas e nos mostram a
complexidade de uma realidade contraditória que não se permite ser
encaixada em narrativas apressadas ou análises superficiais.
Jair Bolsonaro foi muito
criticado por seus seguidores devido ao voto favorável que conferiu
à PEC dos Gastos depois de ter declarado publicamente que votaria
contra ela [3]. Seu filho, Eduardo Bolsonaro, recebeu uma enxurrada
de questionamentos e críticas de sua plateia por ter votado a favor
do PL das Terceirizações [4] enquanto que Bolsonaro, o pai,
pré-candidato a Presidente absteve-se de votar na matéria para,
segundo ele próprio, não “receber uma enxurrda de críticas”
e não ser “massacrado” [5].
Após os apelos de Temer
para ajudá-lo no convencimento da população a aceitar as reformas
trabalhista e previdenciária [6] MBL e Vem Pra Rua, diante de uma
série de críticas de seus próprios seguidores, se viram obrigados
a informar o governo de que a Reforma da Previdência é
demasiadamente impopular [7]. O MBL, tentando se desvincular da
Reforma da Previdência de Temer, anunciou a defesa da reforma da
FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), não menos
impopular [8]. O grupo se viu obrigado a mudar a pauta da chamada do
seu ato do dia 26 de março, onde inicialmente defendia abertamente
as Reformas da Previdência e Trabalhista [9] passando a defender
tais reformas com a palavra de ordem “Por reformas justas que
acabem com privilégios” [10], uma manobra que evidencia a
dificuldade de se defender tais reformas mesmo perante suas bases.
Finalmente é preciso destacar a presença de
inúmeras pessoas que foram nos atos pelo impeachment de Dilma nos
atos do 15 de março chamado pelas Centrais Sindicais e organizações
de esquerda [11] enquanto que os atos da direita do dia 26 tiveram
baixa adesão [12].
Tais
fatos, que apontam fissuras nas bases da direita, colocam algumas
questões para a esquerda brasileira:
A
primeira é em relação a própria caracterização da conjuntura
que alguns setores possuem. Essa realidade torna completamente
insustentável a tese da “onda conservadora”. Afinal, que “onda
conservadora” seria esta que, em vez de ser a base de apoio e
sustentar as pautas conservadoras, as rejeita; que questiona os
direitistas que defendem tais medidas e até se permite cerrar
fileiras com a esquerda para derrotar tais pautas?
Os
índices recordes de impopularidade do governo Temer, a rejeição
massiva às medidas de ajustes fiscais e aos governos que as
implementam e, principalmente, a adesão significativa ao ato contra
a Reforma da Previdência no dia 15 - apesar das burocracias
sindicais não terem construído desde a base - são elementos que
não permitem pessimismo e que apontam a possibilidade de uma
ofensiva capaz de derrotar o ajuste e derrubar Michel Temer. Uma
greve geral, de verdade, está na ordem do dia!
A
segunda questão tem a ver com o tratamento dado aos seguimentos que
participaram dos atos pelo impeachment. Se equivocaram os dirigentes
sociais que disseram para as suas bases que “do lado de lá” não
se encontraria nada que prestasse. É preciso separar o joio do
trigo, distinguindo entre aqueles que são direitistas convictos das
pessoas comuns, sem posicionamento político definido, que apoiaram a
saída de Dilma mas que não queriam Temer e tampouco ajuste fiscal e
perda de direitos. Os primeiros não serão convencidos, logo devem
ser combatidos; já as segundas merecem atenção, paciência e
diálogo – sem sectarismo!
Nesse
sentido, ficar taxando indiscriminadamente de “coxinhas”,
“reacionárias”, “nazifascistas”, “paneleiros” e
responsabilizando essas pessoas pelas medidas de Temer só vai gerar
antipatia, espantá-las e ainda prejudicar o processo de ruptura
delas com os políticos oportunistas e reacionários que
momentaneamente canalizaram parte do desgaste do PT.
Se
a principal tarefa da conjuntura é derrotar o ajuste fiscal e a
perda de direitos que advém dele não só todos aqueles que se opõem
a ele são bem-vindos como não devem ser hostilizados. Se aceitamos
em nossas fileiras aqueles que até ontem aplicavam o ajuste fiscal
com as suas próprias mãos e que, na presente luta, visam apenas
canalizar para as eleições o desgaste dos que hoje o aplicam por
que então deveríamos rejeitar pessoas comuns que nunca o desejaram
apenas por terem tido uma postura distinta da nossa em determinado
episódio?
______________________________________________________
[1] Quem são os
manifestantes de 16 de agosto? Renan Truffi, Carta Capital,
18/08/2015.
[2] Acompanhe as
manifestações contra o governo no Distrito Federal. 15/03/2015.
Manifestação contra o governo – Cartazes. 13/03/2016.
http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/42588-manifestacao-contra-o-governo-cartazes#foto-594973
[3] Seguidores de
Bolsonaro se revoltam com voto do deputado na PEC 241. 13/10/2016.
[4] Terceirização.
Eduardo Bolsonaro. Facebook pessoal do deputado, 23/03/2017.
[5] Bolsonaro se absteve
de votar pró-terceirização com medo de ser “massacrado” pela
esquerda. Marcelo Faria. Instituto Liberal de São Paulo, 25/03/2017.
[6] Michel Temer pede
ajuda a Kim Kataguiri para reformas da Previdência e do Trabalho.
27/09/2016.
[7] Grupos que apoiaram
impeachment alertam Temer para rejeição à reforma na Previdência.
23/02/2017.
[8] MBL não apoia a
reforma de Temer, e sim a reforma proposta pela FIPE. Nota pública,
15/03/2017.
[9] “Voltamos às ruas.
Desta vez, pelo fim do estatuto do desarmamento, fim do foro
privilegiado, pelo bom andamento da LAVA JATO, e pelas reformas
trabalhista e previdenciária - cortando privilégios e mamatas de
políticos e do judiciário.” Facebook do Movimento Brasil Livre,
13/02/2017.
Os 7 maiores absurdos publicados pelo MBL. Luan Toja. Voyager,
22/03/2017.
http://voyager1.net/politica/os-7-maiores-absurdos-publicados-pelo-mbl/
[10] “Este domingo,
todos nas ruas”. Facebook do Movimento Brasil Livre, 25/03/2017.
[11] Protesto organizado
pela CUT tem manifestantes de verde e amarelo. 15/03/2017.
[12] AO VIVO | Protesto
menor era esperado, diz Kim Kataguiri do MBL. 26/03/2017.
.