quarta-feira, 29 de março de 2017

“Ondas” comparadas

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Entre o final dos anos 90 e o início dos anos 2.000 a América Latina viveu uma “onda progressista” que teve como base as lutas populares contra as medidas neoliberais implementadas por vários governos na região. Greves, protestos e até insurreições varreram o continente chacoalhando regimes e derrubando governos. Partidos e figuras políticas se fizeram presentes e, em alguns casos, lideraram os protestos. Muitos deles se elegeram e, devido a pressão das massas, recuaram em ataques e atenderam algumas demandas populares.

Seus limites se tornaram evidentes para o grande público quando estourou a crise econômica e eles passaram a aplicar medidas de ajustes para seguir administrando o capital, embora chegassem a discursar contra o capitalismo. Com isso entraram em declínio e tornaram-se tão impopulares quanto os governos que combateram no passado. E como a maior parte dos movimentos sociais que puxaram os protestos lá atrás foram cooptados e a esquerda majoritária optou por atuar na órbita destes governos obviamente que só havia sobrado a direita para canalizar a insatisfação. Este aparente “giro à direita” das massas tem sido chamado por alguns de “onda conservadora”.

Só que há um grande porém nessa tal “onda conservadora”: as massas, supostamente tragadas pelo conservadorismo, não só não dão sustentação para os governos da direita como rejeitam suas medidas de ajustes fiscais o que os têm tornado impopulares muito rapidamente. Que o diga o ex-presidente chileno, Sebastian Piñera e o atual presidente da Argentina, Maurício Macri.

É uma situação bem distinta da “onda progressista” passada onde havia uma sustentação dos tais governos pelas massas que apoiavam as suas medidas. Não foi por acaso que em 2002 os venezuelanos foram para as ruas e derrotaram o golpe de Estado.

Será que com essa comparação mais do que adequada e necessária finalmente ficou compreensível o que é uma “onda”, onde ela existiu de fato e onde não há “onda” alguma?



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domingo, 26 de março de 2017

Fissuras na direita, desafios para a esquerda

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Uma parcela da direita brasileira acreditou que a rejeição popular ao governo Dilma e ao PT era sinônimo de rejeição às pautas da esquerda como um todo e de apoio ao liberalismo econômico, embora as pesquisas realizadas com o público que foi nos atos do impeachment apontavam a defesa de mais investimentos públicos.

No dia 16 de agosto de 2015, pesquisa conjunta realizada na Avenida Paulista pela professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Esther Solano; pelo filósofo da Universidade de São Paulo (USP), Pablo Ortellado e por Lucia Nader, da Fundação Open Society, para o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação, da USP, encontrou que:

“A pesquisa também ajuda a desmistificar a tese de que, assim como os grupos Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Pra Rua, que organizam os protestos, os manifestantes tenham um pensamento liberal sobre questões que envolvam a presença do Estado na vida dos cidadãos.

Os pesquisadores questionaram as pessoas sobre seus direitos e a grande maioria se mostrou a favor de educação (86,9% dos entrevistados) e saúde (74,3%) providas de forma gratuita. Somente a gratuidade dos serviços de transporte foi rejeitada pelos participantes (48,90%) do protesto em São Paulo.” [1]

Se o “Fora Dilma” era o elemento unificador a heterogeneidade dos manifestantes pró-impeachment já era verificável na diversidade das pautas que apareciam descritas em cartazes simples feitos de forma espontânea, que iam desde a defesa de mais investimentos em saúde e educação (que eram bastante comuns), passando por defesa de uma Reforma Política e até “novas eleições”. [2]

O elevado rechaço popular ao ajuste fiscal, à PEC dos Gastos e mais recentemente à Reforma da Previdência e às Terceirizações não só não surpreendem como já eram esperadas e nos mostram a complexidade de uma realidade contraditória que não se permite ser encaixada em narrativas apressadas ou análises superficiais.

Jair Bolsonaro foi muito criticado por seus seguidores devido ao voto favorável que conferiu à PEC dos Gastos depois de ter declarado publicamente que votaria contra ela [3]. Seu filho, Eduardo Bolsonaro, recebeu uma enxurrada de questionamentos e críticas de sua plateia por ter votado a favor do PL das Terceirizações [4] enquanto que Bolsonaro, o pai, pré-candidato a Presidente absteve-se de votar na matéria para, segundo ele próprio, não “receber uma enxurrda de críticas” e não ser “massacrado” [5].

Após os apelos de Temer para ajudá-lo no convencimento da população a aceitar as reformas trabalhista e previdenciária [6] MBL e Vem Pra Rua, diante de uma série de críticas de seus próprios seguidores, se viram obrigados a informar o governo de que a Reforma da Previdência é demasiadamente impopular [7]. O MBL, tentando se desvincular da Reforma da Previdência de Temer, anunciou a defesa da reforma da FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), não menos impopular [8]. O grupo se viu obrigado a mudar a pauta da chamada do seu ato do dia 26 de março, onde inicialmente defendia abertamente as Reformas da Previdência e Trabalhista [9] passando a defender tais reformas com a palavra de ordem “Por reformas justas que acabem com privilégios” [10], uma manobra que evidencia a dificuldade de se defender tais reformas mesmo perante suas bases. Finalmente é preciso destacar a presença de inúmeras pessoas que foram nos atos pelo impeachment de Dilma nos atos do 15 de março chamado pelas Centrais Sindicais e organizações de esquerda [11] enquanto que os atos da direita do dia 26 tiveram baixa adesão [12].

Tais fatos, que apontam fissuras nas bases da direita, colocam algumas questões para a esquerda brasileira:

A primeira é em relação a própria caracterização da conjuntura que alguns setores possuem. Essa realidade torna completamente insustentável a tese da “onda conservadora”. Afinal, que “onda conservadora” seria esta que, em vez de ser a base de apoio e sustentar as pautas conservadoras, as rejeita; que questiona os direitistas que defendem tais medidas e até se permite cerrar fileiras com a esquerda para derrotar tais pautas?

Os índices recordes de impopularidade do governo Temer, a rejeição massiva às medidas de ajustes fiscais e aos governos que as implementam e, principalmente, a adesão significativa ao ato contra a Reforma da Previdência no dia 15 - apesar das burocracias sindicais não terem construído desde a base - são elementos que não permitem pessimismo e que apontam a possibilidade de uma ofensiva capaz de derrotar o ajuste e derrubar Michel Temer. Uma greve geral, de verdade, está na ordem do dia!

A segunda questão tem a ver com o tratamento dado aos seguimentos que participaram dos atos pelo impeachment. Se equivocaram os dirigentes sociais que disseram para as suas bases que “do lado de lá” não se encontraria nada que prestasse. É preciso separar o joio do trigo, distinguindo entre aqueles que são direitistas convictos das pessoas comuns, sem posicionamento político definido, que apoiaram a saída de Dilma mas que não queriam Temer e tampouco ajuste fiscal e perda de direitos. Os primeiros não serão convencidos, logo devem ser combatidos; já as segundas merecem atenção, paciência e diálogo – sem sectarismo!

Nesse sentido, ficar taxando indiscriminadamente de “coxinhas”, “reacionárias”, “nazifascistas”, “paneleiros” e responsabilizando essas pessoas pelas medidas de Temer só vai gerar antipatia, espantá-las e ainda prejudicar o processo de ruptura delas com os políticos oportunistas e reacionários que momentaneamente canalizaram parte do desgaste do PT.

Se a principal tarefa da conjuntura é derrotar o ajuste fiscal e a perda de direitos que advém dele não só todos aqueles que se opõem a ele são bem-vindos como não devem ser hostilizados. Se aceitamos em nossas fileiras aqueles que até ontem aplicavam o ajuste fiscal com as suas próprias mãos e que, na presente luta, visam apenas canalizar para as eleições o desgaste dos que hoje o aplicam por que então deveríamos rejeitar pessoas comuns que nunca o desejaram apenas por terem tido uma postura distinta da nossa em determinado episódio?


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[1] Quem são os manifestantes de 16 de agosto? Renan Truffi, Carta Capital, 18/08/2015.

[2] Acompanhe as manifestações contra o governo no Distrito Federal. 15/03/2015.

Manifestação contra o governo – Cartazes. 13/03/2016.

[3] Seguidores de Bolsonaro se revoltam com voto do deputado na PEC 241. 13/10/2016.

[4] Terceirização. Eduardo Bolsonaro. Facebook pessoal do deputado, 23/03/2017.

[5] Bolsonaro se absteve de votar pró-terceirização com medo de ser “massacrado” pela esquerda. Marcelo Faria. Instituto Liberal de São Paulo, 25/03/2017.

[6] Michel Temer pede ajuda a Kim Kataguiri para reformas da Previdência e do Trabalho. 27/09/2016.

[7] Grupos que apoiaram impeachment alertam Temer para rejeição à reforma na Previdência. 23/02/2017.

[8] MBL não apoia a reforma de Temer, e sim a reforma proposta pela FIPE. Nota pública, 15/03/2017.

[9] “Voltamos às ruas. Desta vez, pelo fim do estatuto do desarmamento, fim do foro privilegiado, pelo bom andamento da LAVA JATO, e pelas reformas trabalhista e previdenciária - cortando privilégios e mamatas de políticos e do judiciário.” Facebook do Movimento Brasil Livre, 13/02/2017.

Os 7 maiores absurdos publicados pelo MBL. Luan Toja. Voyager, 22/03/2017.
http://voyager1.net/politica/os-7-maiores-absurdos-publicados-pelo-mbl/

[10] “Este domingo, todos nas ruas”. Facebook do Movimento Brasil Livre, 25/03/2017.

[11] Protesto organizado pela CUT tem manifestantes de verde e amarelo. 15/03/2017.

[12] AO VIVO | Protesto menor era esperado, diz Kim Kataguiri do MBL. 26/03/2017.


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domingo, 12 de março de 2017

No dia 8 de março de 1917 as trabalhadoras russas incendiaram o mundo!

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Joice Souza (CST/PSOL)


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Fev 10, 2017

Você já deve ter ouvido a história de como surgiu o 8 de março. A partir da década de 60, em meio à guerra fria, circulou e se consolidou a versão de que o dia internacional das mulheres trabalhadoras foi instaurado em função da morte de 129 operárias norte-americanas durante uma greve em 1857, em um incêndio provocados por seus patrões.

No entanto essa história nunca ocorreu. Ela é fruto de uma confusão ou talvez de uma das maiores fanfics do stalinismo mundial. Esse mito nos levou a relembrar o 8 de março como o dia em que operárias foram queimadas vivas, a greve derrotada e a burguesia saia vitoriosa esmagando, com a força física, os métodos da classe. Mas essa história é um mito! Há publicações fartas que demonstram que essa narrativa é fruto de um conjunto de informações desencontradas e confusão de datas.

As operárias tomavam as ruas no inicio do século XX

Claro o mito da greve de 1857 possui vários elementos verdadeiros. De fato, em 1910 a comunista Clara Zetkin propôs ao congresso da Segunda Internacional Comunista a fixação do dia internacional de lutas das mulheres trabalhadoras a ser comemorado no dia 29 de março. O “womans day” era realizado nos EUA com grande marchas organizadas por mulheres desde o inicio do século XX sempre entre fins de fevereiro e início de março, tendo como pauta o direito ao voto , melhores salários e condições de trabalho , jornada de trabalho, etc.

O “DIA DA Mulher” ganhava força no inicio do século à medida que ganhava força a participação das trabalhadoras no movimento operário. Segundo Aleksandra Kollontai , o numero de trabalhadoras sindicalizadas saltou de pequenos grupos dispersos em fins do século XIX para formar “um poderoso exército de mais de um milhão de mulheres socialistas” em 1913.

Não fomos incendiadas. Incendiamos o mundo!

Também é verdade que o fato que consolidou em 1922, o oito de março como Dia Internacional das Mulheres Trabalhadoras foi uma importante marcha de operárias em greve. Porém, essa greve não foi derrotada por um incêndio. Teve inicio em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro no calendário juliano) o poderoso levante de trabalhadoras (e trabalhadores) de Petrogrado iniciado por operárias tecelãs, que atropelaram a orientação da direção do partido bolchevique de não realizar greve , num levante espontâneo que segundo Trotsky deu o pontapé primeira etapa da revolução russa, a chamada revolução de fevereiro.

Era o dia internacional das mulheres (que na época não tinha data fixa). A socialdemocracia russa preparava panfletos. A Rússia explodia em greves num novo ascenso operário que desde 1915 rompia com o período de refluxo e derrotas vividos durante cinco anos. Mesmo assim as direções do movimento operário haviam desaconselhado a realização de greve por acreditar que “não eram momentos propícios à hostilidade” e agitavam a necessidade de uma “ação revolucionária”, porém sem data determinada. Mas quando amanheceu o dia 23 de fevereiro, as fabricas têxteis do bairro de Vyborg não funcionaram.

Contrariando a orientação de suas direções, operárias tecelãs entraram em greve e enviaram comissões a outras categorias. As direções, de inicio a contragosto, acompanharam a marcha. Leon Trotsky nos fala sobre esse episódio nos primeiros capítulos de seu livro História da evolução Russa escrito em 1930:

“De fato, estabeleceu-se que a Revolução de Fevereiro foi desencadeada por elementos da base que ultrapassaram a posição das suas próprias organizações e que a iniciativa foi espontaneamente tomada por um contingente do proletariado explorado e oprimido mais que todos os outros – as trabalhadoras do têxtil, cujo número, deveria-se pensar, devia-se contar muitas mulheres soldados. (…) O número de grevistas, mulheres e homens foi, nesse dia, cerca de 90 000. (…) Em diversos bairros apareceram bandeiras vermelhas cujas inscrições atestavam que os trabalhadores exigiam pão, mas não queria mais autocracia nem guerra. O “Dia das Mulheres” tinha conseguido. Ele estava cheio de entusiasmo e não tinha causado vítimas. (TROTSKI, 1930)

Aquele 23 de fevereiro não terminaria ali. Nos dias seguintes mais operários/as se juntavam as manifestações, as forças policiais se dividiam entre a repressão e a simpatia ao movimento e as palavras de ordem por pão, paz e terra ecoavam pelas ruas de Petrogrado:

Importante destacar que o levante de Petrogrado não foi um levante só de mulheres desprezado pelos homens como defendem setores do pós-modernismo sempre que querem problematizar um suposto papel secundário das mulheres na revolução. A greve do dia 23 foi um poderoso de levante de trabalhadoras e trabalhadores impulsionada por um de seus setores mais precarizados, as tecelãs, contra o absolutismo do Czar e que atropelou e arrastou consigo uma direção que inicialmente estava vacilante. No texto mulheres militantes nos dias da Revolução de outubro, Aleksandra Kollontai fala sobre o papel das mulheres. Dele destaco o seguinte trecho:

As mulheres que participaram na Grande Revolução de Outubro – quem eram elas? Indivíduos isolados? Não, havia multidões delas; dezenas, centenas e milhares de heroínas anônimas que, marchando lado a lado com os operários e camponeses sob a Bandeira Vermelha e a palavra-de-ordem dos Sovietes, passou por cima das ruínas do czarismo rumo a um novo futuro… (.) No ano de 1917, o grande oceano de humanidade se levanta e se agita, e a maior parte desde oceano feita de mulheres… Algum dia a historia escreverá sobre as proezas dessas heroínas anônimas da revolução, que morreram na Guerra, foram mortas pelos Brancos e amargaram incontáveis privações nos primeiros anos seguintes a revolução, mas que continuou a carregar nas costas o Estandarte Vermelho dos Poder Soviético e do comunismo. (Kollontai, 1927).

Essas trabalhadoras conquistaram o que nenhuma democracia burguesa havia dado até então. O Estado Revolucionário garantiu igualdade política e jurídica a mulheres e homens, o direito ao divorcio e ao aborto, a construção de creches, restaurantes e lavandeira públicas e consolidou em 1922 o dia 8 de março como dia internacional da mulheres em alusão a greve das tecelãs de Petrogrado.

A revolução russa foi um divisor de águas nas lutas feministas do início do século XX, pois de um lado as trabalhadoras em todo o mundo abraçavam o socialismo reivindicavam para si conquistas das trabalhadoras soviéticas; por outro lado, as mulheres burguesas se lançavam em defesa de sua classe, pois lutavam por questões pontuais: igualdade de gênero desde que isso não significasse perder seus privilégios. Muitas foram às associações, clubes e grupos de mulheres (em geral da alta-sociedade) contra o comunismo fundadas naquele período.

Infelizmente, o triunfo do stalinismo e a burocratização do estado soviético a partir de 1923 interrompeu esse processo de (auto) libertação das mulheres antes que ele se completasse revertendo diversas conquistas das mulheres e jogando o 8 de março no esquecimento por décadas. Somente na década de 60 é que o dia internacional da mulher veio ser retomado tanto pelo stalinismo mundial que o resgatou já com o mito da greve de 1857 como pela burguesia em 1975, quando a ONU reconheceu oficialmente a data buscando dar respostas ao novo ascenso da lutas das mulheres que se gestava naquele período.

Seguir o exemplo das tecelãs de Petrogrado! Viva a luta das mulheres ! Viva a revolução russa!

100 anos após a revolução, o capitalismo mostra sua face patriarcal na Rússia: em Janeiro deste ano foi aprovada a lei que descriminaliza a violência domestica e em todo o mundo a crise capitalista atinge com mais força as mulheres superexploradas e oprimidas. Poderosos levantes de mulheres explodem em todo o mundo contra o patriarcado e relembrar a história do 8 de março , dia em que iremos mais uma vez às ruas , é muito importante para lembrar que essa data não é sobre a burguesia e seus métodos assassinos e cruéis, nem sobre repressão. É sobre o poder das mulheres trabalhadoras e seus métodos . O 8 de março é um dia pra ir à luta e incendiar o mundo como o fizeram as tecelãs em 1917.


Extraído de:


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domingo, 5 de março de 2017

Do “Fora Lula” ao “Fica Dilma”: o que aconteceu com a esquerda brasileira?

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Em janeiro de 2003, poucos dias após receber a faixa presidencial cercado por um clima de euforia e esperança, Lula anunciava uma Reforma da Previdência que aumentava a idade mínima, introduzia a taxação dos aposentados, acabava com a aposentadoria integral, criava um fundo complementar que privatizava parte da previdência, acabava com a paridade nos reajustes dos servidores da ativa com os aposentados e reduzia as pensões aos dependentes.

Tal reforma, cujas mudanças elencadas acabaram sendo aprovadas no mesmo ano, constituiu-se na primeira grande desilusão dos governos petistas no Palácio do Planalto para setores da sociedade brasileira que por anos lhe haviam depositado confiança e esperança.

A direita tentou canalizar esse primeiro grande desgaste mas acabou neutralizada pela esquerda com o bloco formado pela resistência de alguns parlamentares do próprio PT que não apenas se recusaram a votar a favor da referida reforma como ainda lideraram atos contra ela.

Por tal atitude Luciana Genro, Babá, Heloísa Helena e João Fontes terminaram expulsos por figuras como José Dirceu, Delúbio Soares e Sílvio Pereira acusados, pela Comissão de Ética do partido, de infidelidade partidária! Conhecidos na época como os “parlamentares radicais” se aliaram a outros militantes e lutadores sociais e fundaram em 2005 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

No ano da sua fundação, ainda antes da obtenção do seu registro definitivo na Justiça Eleitoral, o PSOL se defrontou com o seu primeiro grande desafio: o estouro do escândalo do mensalão no governo Lula.

Ainda que após a Reforma da Previdência o governo Lula houvesse seguido aplicando medidas que contrariavam o discurso petista, como privatizações e o prosseguimento da política econômica do tucano Fernando Henrique, o envolvimento do PT em um escândalo de corrupção constituiu-se na segunda grande desilusão para setores que historicamente confiaram no partido e muitos acabaram rompendo com ele.

O episódio poderia ter gerado um Kim Kataguiri, um Fernando Holiday ou turbinado Jair Bolsonaro. Mas, novamente a direita não conseguiu canalizar o desgaste petista devido à ação da esquerda: PSOL e PSTU organizaram atos unitários contra a corrupção e pelo “Fora Lula” (no caso do PSOL) e “Fora Todos” (no caso do PSTU). PT, PCdoB e movimentos sociais aliados também organizaram atos em defesa do governo mas em menor número.

O enfrentamento que essa parcela da esquerda realizava com o petismo era corajoso e admirável uma vez que se dava em um momento em que Lula e o PT gozavam de amplo apoio e prestígio o que tornava a pressão dos petistas e seus aliados terrivelmente forte.

Curiosamente, quando as contradições sociais se agudizaram, a sociedade brasileira se polarizou e o PT iniciou o seu enfraquecimento é que a esquerda brasileira começou a retroagir no seu correto enfrentamento ao petismo, permitindo que figuras da direita até então marginais crescessem e aparecessem. Por que isso ocorreu?

Ainda que ao longo dos anos mesmo alguns setores da esquerda que enfrentavam o petismo por vezes votassem nele nas eleições como um “mal menor” ou “menos pior” foi em junho de 2013 que a capitulação ganhou um salto de qualidade e a adesão de novas organizações políticas.

Perdida em meio a um fenômeno de massas que deixou de dirigir parte da esquerda assustou-se quando a direita entrou para disputar o movimento. Desacostumada ao enfrentamento de rua com a direita houve setores que simplesmente abandonaram as ruas. Teve ainda o episódio da hostilidade às bandeiras dos partidos na Avenida Paulista, que foi interpretado de forma simplista como “um ataque fascista”, rendendo uma ampla unidade de partidos que ia de organizações que se reivindicam revolucionárias até o próprio PT. Nos parece que neste fato encontra-se o embrião do discurso de “onda conservadora”.

Esses acontecimentos de junho de 2013 fortaleceram a visão daqueles que já analisavam a conjuntura como extremamente difícil, de que a classe trabalhadora estava derrotada e de que era apenas a direita que se fortalecia. O impressionismo que prevaleceu jogou a maior parte da esquerda na defensiva deixando-a cega para as contradições da realidade que mostrava a eclosão de greves pela base, o crescimento do autonomismo, do anarquismo e da própria esquerda socialista (e não apenas da direita) - fenômenos mais do que previsíveis em conjunturas de crise capitalista.

Ora, se enxerga-se apenas derrotas da classe, crescimento da direita, onda conservadora e que o nazismo e fascismo estão na nossa porta não resta dúvidas de que a ação política prioritária é a derrota desses “monstros” e a defesa das conquistas democráticas o que envolveria a formação de uma “frente ampla” com todos os setores que defendem as bandeiras democráticas. O PT, que tem explorado com êxito essa elaboração, deixava de ser combatido para se tornar aliado.

Assim, se em eleições passadas o PT, encarado como “mal menor” ou “menos pior”, recebia o voto envergonhado de parcelas da esquerda e lutadores sociais que se enfrentavam com seus governos nos anos anteriores, o segundo turno das eleições de 2014 assistiu a um engajamento militante de alguns desses mesmos ativistas que só encontrava paralelo na primeira vitória de Lula. A esquerda majoritária capitulava a falsa polarização e, em vez de neutralizar o campo para o crescimento da direita, jogava adubo nele.

A Dilma “Coração Valente” reeleita em um pleito apertado só mostrou coragem para atacar a classe trabalhadora e as classes populares. Como quase todos os governos que aplicam ajustes fiscais viu seu apoio popular se esvair rapidamente. A crise econômica e a crise política, alimentando-se mutuamente, fez evaporar a sua base política. Sem condições de governar foi retirada do poder pela classe dominante em uma manobra que previa um grande acordo nacional posterior para “salvar todo mundo”, inclusive ela e Lula, como fica claro nos áudios de Sérgio Machado com Renan Calheiros e Romero Jucá. Dilma sofreu impeachment mas não teve os direitos políticos suspensos provavelmente devido a este acordo.

Para uma esquerda amedrontada e na defensiva era inútil tentar demonstrar que a saída de Dilma não se tratava de um golpe de Estado; que não era um ataque a um governo popular e de esquerda; que não se tratava de mudanças nos rumos da economia e de que as classes dominantes fritam os políticos da sua própria classe quando não mais lhes interessam, como aconteceu com Silvio Berlusconi na Itália que, desgastado e sem base política para aplicar o ajuste fical, acabou substituído por um representante direto dos banqueiros - fato cuja essência da queda se assemelha muito ao de Dilma.

Assim, a esquerda majoritária no Brasil mergulhou de cabeça no “Fica Dilma”, ainda que tentassem alegar estar apenas defendendo a legalidade, argumento facilmente quebrado quando se perguntava se tratando-se de um governante do PSDB, DEM, PMDB, ou outro da mesma estirpe em situação similar, se a oposição ao “golpe” teria o mesmo vigor e se ocuparia as ruas.

E enquanto atuava como bote salva-vidas do PT em seu momento de naufrágio cabia a Kim Kataguiri, Fernando Holiday, Jair Bolsonaro, entre outros, a crítica dos governos petistas. Sem contraponto à esquerda cresceram e apareceram como figuras destacadas da direita.

A sequência da história mostrou que o ajuste fiscal de Temer nada mais era do que a continuidade do ajuste de Dilma e do PT; de que enquanto gritava “não ao golpe” nos palanques, nos bastidores a direção petista fazia alianças eleitorais com os “golpistas” e votava neles para presidir as casas legislativas do país, incluíndo apoio aos candidatos de Temer no Congresso Nacional; que Lula já dá conselhos e se oferece para ajudar Temer e até busca apoio eleitoral para 2018 entre aqueles que votaram a favor do impeachment e a própria Dilma andou se opondo à cassação de Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Por falar em 2018 há os que, dada a última sondagem eleitoral, já manifestaram o desejo de votar em Lula para derrotar a direita, no caso Jair Bolsonaro, que aparece em terceiro lugar. Pródiga em espalhar o medo a militância petista já aponta o dedo para Bolsonaro na tentativa de angariar os amedrontados da esquerda.

Se o êxito eleitoral de uma possível candidatura de Bolsonaro ainda não possa ser medido com precisão o certo é que tentar enfraquecê-lo jogando-se no colo de Lula provavelmente produzirá o efeito contrário.

As experiências de 2003 e 2005 demonstraram que o melhor caminho para neutralizar ou reduzir as chances da direita é a oposição política firme e decidida da esquerda em relação ao petismo aliada a apresentação de uma alternativa. Colar-se nele serve apenas para inflar a falsa polarização e enfraquecer a esquerda como alternativa política já que ela acaba aparecendo aos olhos de milhões como aliada do PT e, portanto, semelhante a ele.

Felizmente como vivemos uma conjuntura de polarização social, e não uma onda conservadora, os rumos ainda podem ser corrigidos. As medidas de ajustes fiscais são rechaçadas pela maioria da população brasileira e tem gerado crise mesmo na base do Movimento Brasil Livre (MBL), do Vem Pra Rua e até de Jair Bolsonaro.

A luta contra o ajuste fiscal precisa estar colada no “Fora Temer” e pela continuidade das investigações contra a operação abafa do governo e necessita da unidade da esquerda que deve ter uma atuação política que não se deixe capitular ou desviar pelo oportunismo petista, que em última instância deseja a aplicação do ajuste e visa apenas tentar canalizar para as próximas eleições o desgaste do governo que o aplica. Neste sentido, a vitoriosa greve dos servidores de Florianópolis, que passando por cima da direção burocrática do sindicato derrotou os ataques da prefeitura, é uma inspiradora lição.


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