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Que os
planos de ajustes fiscais são políticas para manter o modo de
produção capitalista respirando, assim como garantir os interesses
das classes dominantes com medidas que lembram um Robin Hood ao
contrário, que tira dos pobres para dar aos ricos, é facilmente
observável. O que nem sempre fica às claras é o papel ativo das
classes dominantes na elaboração e aplicação dessa política.
No Rio
Grande do Sul o recente pacote anunciado pelo governo Sartori (PMDB)
que aprofunda a sua política de ajustes fiscais que só tem
alimentado a crise estrutural do Estado segue, abertamente, as
diretrizes indicadas diretamente pelos empresários. Conforme matéria
do jornal Correio do Povo de Porto Alegre:
“No desenho do pacote que o governador José Ivo Sartori enviará
ao Legislativo, com fusão de pastas, extinção de fundações,
corte de funcionários, venda de estatais e mais tentativas de
alteração na previdência pesam as diretrizes apontadas pelo
projeto Modernização da Gestão Pública RS, que busca a
“modernização da gestão e a sustentabilidade fiscal”. O
convênio foi assinado entre a Secretaria Geral de Governo e o
Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade (PGQP) em julho de
2015, pouco depois de a secretaria e o MBC, ao qual o PGQP é
vinculado, assinarem o acordo de cooperação técnica Programa
Modernizando a Gestão Pública. O convênio tem vigência de
dezembro de 2015 a julho de 2017. Pela consultoria, o governo vai
desembolsar R$ 2 milhões. Até julho, pagou R$ 540 mil. No mesmo
mês, empenhou pouco mais de R$ 1,4 milhão, dos quais R$ 365 mil
pagos, o que significa que, até o momento, 50% do valor da
consultoria está quitado.” [1]
A
referida matéria ainda acrescenta que:
“Entre janeiro e novembro deste ano, o Estado desembolsou com
consultorias, em despesas correntes, R$ 32.572.846,44, sendo R$
23.640.193,30 do Executivo. Outros R$ 201.269,07 foram a título de
investimentos, sendo R$ 154.966,50 do Executivo. Os dados constam no
Portal da Transparência.” [ibidem]
Como se
já não bastasse o vice-governador, José Paulo Cairoli, ser uma
liderança empresarial com passagem pela presidência da Federasul, o
Estado que alardeia crise ainda paga milhões para consultorias
empresariais apontar para o próprio Estado onde estão os filões
que lhes interessam. A sintonia com esse descalabro é tão descarada
que o próprio presidente da lucrativa Sulgás, Claudemir Bragagnolo
(PSB), defende a privatização da empresa proposta pelo governo:
“A Sulgás historicamente tem resultado positivo, em torno de R$ 50
milhões (de lucro por ano). Esse ano, deveremos fechar em R$ 120
milhões. Temos que entender o momento do governo, o projeto do
governo, a situação que o Estado vem ao longo do tempo.
Evidentemente que, por resultado, não teria motivo para vender a
empresa” [2]
O
secretário-geral do governo, Carlos Búrigo (dirigente da Secretaria
que firmou convênio com o PGQP), depois de zombar dos servidores
públicos ao afirmar que "Esse pacote não é contra o
servidor, é a favor do servidor" [3] foi bem claro com
relação ao projeto do governo:
“Nossa avaliação não é apenas pelo resultado financeiro, mas
também de qual empresa, se estiver na mão da iniciativa privada,
com certas garantias, poderá trazer mais benefícios para a
sociedade gaúcha” [ibidem]
O
resultado financeiro não importa o que vale é entregar para os
empresários e com “certas garantias”. Estas, ainda que não
anunciadas, são mais do que conhecidas: o Estado “quebrado”
assume os passivos e ainda financia, a fundo perdido, a própria
privatização e os investimentos privados em operações que elevam
a dívida pública que depois é paga com mais planos de ajustes nas
costas do povo.
O
governador Sartori poderia seguir a sinceridade dos demais
integrantes do seu governo e dizer a verdade do seu projeto aos
gaúchos até porque seus argumentos em defesa do ajuste não
convencem a maioria do povo. Não é por acaso que uma das medidas do
pacote é a retirada da obrigatoriedade constitucional local de se
realizar plebiscito para extinguir ou privatizar empresas estatais.
No
século XIX o banqueiro Samuel Gurney, fundador do Overend &
Gurney, poderoso banco inglês da época, fez a seguinte, e sincera,
afirmação para a comissão montada pela Câmara dos Lordes da
Inglaterra para investigar as causas da crise financeira de 1847:
“Quando reina o pânico, o que preocupa o homem de negócios não é
a taxa a que pode empregar seus bilhetes de banco, nem a perda de 1
ou 2% que terá com a venda de seus títulos do tesouro ou de seus
papéis de três por cento. Se está sob a influência do pânico,
não lhe importa ganhar ou perder. Procura pôr-se a salvo, e o resto
do mundo que se arranje.” [4]
Vejamos
quem são os empresários que no Rio Grande do Sul do século XXI
desenham um pacote de ajustes para “pôrem-se a salvo” enquanto o
resto dos gaúchos “se arranjam” por conta própria.
O
Movimento Brasil Competitivo (MBC) é uma Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIP) que foi fundada em novembro de
2001 por sugestão do empresário Jorge Gerdau Johanpetter. Se
sustenta através de “doações” do setor público e é
financiada por grandes empresários como o próprio Jorge Gerdau,
Jorge Paulo Lemann, entre outros. [5]
Fazem
parte do MBC empresários, políticos, executivos, entre outros.
Integram, ou já fizeram parte dele: Jorge Gerdau, Luis Nassif, Dilma
Rousseff, Miguel Jorge, José Sergio Gabrielli; Elcio Anibal de Lucca
(Serasa), José de Freitas Mascarenhas (Odebrecht), Wilson Ferreira
(CPFL). [ibidem]
Camargo
Correa, Odebrecht, Gerdau, 3M, CNI, CPFL Energia, Embraer, Ericsson,
FIAT, Fiergs, Firjan, IBM, Globo, Infraero, Microsoft, Motorola,
Natura, Sebrae e Souza Cruz são alguns dos principais apoiadores do
MBC. [6]
Os
governos procuram o MBC que indica uma consultoria para firmar
convênio [idem 5]. É aí que entra o PGQP. Criado em 1992 ele é
liderado pelos empresários gaúchos Jorge Gerdau Johannpeter e
Ricardo Felizzola [7] e já atuaram em governos estaduais anteriores,
incluindo o do petista Tarso Genro.
Braskem,
Ipiranga, Gerdau, Santander, Randon, Lojas Renner, Sebrae,
Fecomércio-RS, RGE, Fiergs, Hospital Moinhos de Vento são alguns
dos apoiadores do PGQP. [ibidem]
Tanto
no caso do MBC quanto no do PGQP nos deparamos com grupos
empresariais poderosos com forte inserção política e que já
possuem uma série de benesses do Estado como isenções fiscais e
financiamentos a fundo perdido. Além do que alguns desses grupos
figuram em escândalos de corrupção como atestam operações como a
Lava Jato e a Zelotes desnudando o segredo da “eficiência”
propalada por esses senhores.
Eles
próprios parecem cientes da vergonha social de seus privilégios.
Mas como não podem abandoná-los fingem abrir mão deles. Por isso o
pacote de Sartori elaborado pelos empresários menciona a “revisão
de benefícios fiscais” com “a redução de 30% nos créditos
fiscais presumidos referentes a 2016, 2017 e 2018” cujo impacto
previsto será de R$ 300 milhões por ano [8]. Uma ninharia diante
dos R$ 8,986 bilhões de desonerações fiscais concedidas em 2015
dos quais apenas R$ 1,2 bilhão referem-se às micros e pequenas
empresas, como anunciou publicamente o Secretário da Fazenda,
Giovani Feltes, que defendeu as isenções alegando que a ausência
delas “comprometeria economia do Estado” [9] quando é
exatamente o contrário. Mas de não pagamento de imposto Feltes
entende. Ele está sendo cobrado na justiça por uma dívida de R$
102 mil referente ao IPTU à Prefeitura de Campo Bom, cidade que ele
foi Prefeito. [10]
Ainda
sobre as isenções fiscais cabe ressaltar que os dados do governo
Sartori não são confiáveis pois “não há transparência”
conforme admitiu o deputado Marlon Santos (PDT), relator do Orçamento
de 2017. [11] Assim, as benesses aos grandes grupos empresariais
devem ser ainda maiores.
A única
coisa que está transparente é a defesa dos interesses das classes
dominantes. Até mesmo na redução de danos. O recente acordo que o
governo Sartori fechou com a Ford foi altamente lesivo ao Estado. A
montadora muito provavelmente teria que pagar mais de R$ 1 bilhão
por rompimento de contrato de instalação de uma fábrica em Guaíba
nos anos 90, quando a empresa já havia recebido recursos públicos e
o governo realizado investimentos (as tais “certas garantias”),
caso o processo movido em 2.000 pelo Estado do Rio Grande do Sul
tivesse seguido. No entanto, o governo Sartori, que já tratava com a
multinacional desde o ano passado, foi até o Superior Tribunal de
Justiça (STJ) firmar um acordo onde a empresa pagou apenas R$ 216
milhões, quase cinco vezes menos. Era óbvio que a Ford iria
aceitar! [12]
O que
não deve ser aceito é o “Novo Estado” [13] proposto por
Sartori, que de novo não tem nada, trata-se do velho Estado burguês
atuando de forma aberta e descarada para salvar a grande burguesia em
crise, com os mais variados e infames métodos. A grande
impopularidade do governador aponta que sua gestão já não é
aceita. Resta ampliar a ação movendo essa rejeição.
_________________________________________________________________
[1]
Consultorias privadas geram polêmica na gestão pública.
19/11/2016.
[2]
Alvo de privatização, Sulgás deverá ter lucro de até R$ 120
milhões em 2016. 22/11/2016.
[3]
"Esse pacote é a favor do servidor", diz secretário-geral
de governo. 22/11/2016.
[4]
Citado por Karl Marx em O Capital - Livro 3, Cap. XXV (Crédito e
Capital Fictício), p.478, Editora Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro: 1974.
[5] Os
dez anos do Movimento Brasil Competitivo. Luis Nassif, 10/11/2011.
O ataque da Folha a Gerdau e ao INDG. Luis Nassif, 25/01/2013.
Claudio Gastal assume presidência executiva do Movimento Brasil
Competitivo. 24/07/2008.
[6]
Quem apoia o MBC (acessado em 27 de novembro de 2016)
[7] o
que é o PGQP? (acessado em 27 de novembro de 2016)
[8]
Ampliação do Ajuste Fiscal Gaúcho (acessado em 28 de novembro de
2016)
[9]
Retirada de isenções fiscais comprometeria economia do Estado.
26/11/2016.
[10]
Prefeitura de Campo Bom cobra R$ 102 mil em IPTU de Feltes.
03/11/2016.
[11]
Após deputado afirmar que “não há déficit” para 2017, governo
do RS defende manutenção de incentivos fiscais. 25/11/2016.
[12]
Ford aceita pagar R$ 216 milhões ao RS e encerra briga judicial de
16 anos. 24/11/2016.
[13]
Como será o Novo Estado? (acessado em 28 de novembro de 2016)