segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Pacote de Sartori é receita dos empresários


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Que os planos de ajustes fiscais são políticas para manter o modo de produção capitalista respirando, assim como garantir os interesses das classes dominantes com medidas que lembram um Robin Hood ao contrário, que tira dos pobres para dar aos ricos, é facilmente observável. O que nem sempre fica às claras é o papel ativo das classes dominantes na elaboração e aplicação dessa política.

No Rio Grande do Sul o recente pacote anunciado pelo governo Sartori (PMDB) que aprofunda a sua política de ajustes fiscais que só tem alimentado a crise estrutural do Estado segue, abertamente, as diretrizes indicadas diretamente pelos empresários. Conforme matéria do jornal Correio do Povo de Porto Alegre:

“No desenho do pacote que o governador José Ivo Sartori enviará ao Legislativo, com fusão de pastas, extinção de fundações, corte de funcionários, venda de estatais e mais tentativas de alteração na previdência pesam as diretrizes apontadas pelo projeto Modernização da Gestão Pública RS, que busca a “modernização da gestão e a sustentabilidade fiscal”. O convênio foi assinado entre a Secretaria Geral de Governo e o Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade (PGQP) em julho de 2015, pouco depois de a secretaria e o MBC, ao qual o PGQP é vinculado, assinarem o acordo de cooperação técnica Programa Modernizando a Gestão Pública. O convênio tem vigência de dezembro de 2015 a julho de 2017. Pela consultoria, o governo vai desembolsar R$ 2 milhões. Até julho, pagou R$ 540 mil. No mesmo mês, empenhou pouco mais de R$ 1,4 milhão, dos quais R$ 365 mil pagos, o que significa que, até o momento, 50% do valor da consultoria está quitado.” [1]

A referida matéria ainda acrescenta que:

“Entre janeiro e novembro deste ano, o Estado desembolsou com consultorias, em despesas correntes, R$ 32.572.846,44, sendo R$ 23.640.193,30 do Executivo. Outros R$ 201.269,07 foram a título de investimentos, sendo R$ 154.966,50 do Executivo. Os dados constam no Portal da Transparência.” [ibidem]

Como se já não bastasse o vice-governador, José Paulo Cairoli, ser uma liderança empresarial com passagem pela presidência da Federasul, o Estado que alardeia crise ainda paga milhões para consultorias empresariais apontar para o próprio Estado onde estão os filões que lhes interessam. A sintonia com esse descalabro é tão descarada que o próprio presidente da lucrativa Sulgás, Claudemir Bragagnolo (PSB), defende a privatização da empresa proposta pelo governo:

“A Sulgás historicamente tem resultado positivo, em torno de R$ 50 milhões (de lucro por ano). Esse ano, deveremos fechar em R$ 120 milhões. Temos que entender o momento do governo, o projeto do governo, a situação que o Estado vem ao longo do tempo. Evidentemente que, por resultado, não teria motivo para vender a empresa” [2]

O secretário-geral do governo, Carlos Búrigo (dirigente da Secretaria que firmou convênio com o PGQP), depois de zombar dos servidores públicos ao afirmar que "Esse pacote não é contra o servidor, é a favor do servidor" [3] foi bem claro com relação ao projeto do governo:

“Nossa avaliação não é apenas pelo resultado financeiro, mas também de qual empresa, se estiver na mão da iniciativa privada, com certas garantias, poderá trazer mais benefícios para a sociedade gaúcha” [ibidem]

O resultado financeiro não importa o que vale é entregar para os empresários e com “certas garantias”. Estas, ainda que não anunciadas, são mais do que conhecidas: o Estado “quebrado” assume os passivos e ainda financia, a fundo perdido, a própria privatização e os investimentos privados em operações que elevam a dívida pública que depois é paga com mais planos de ajustes nas costas do povo.

O governador Sartori poderia seguir a sinceridade dos demais integrantes do seu governo e dizer a verdade do seu projeto aos gaúchos até porque seus argumentos em defesa do ajuste não convencem a maioria do povo. Não é por acaso que uma das medidas do pacote é a retirada da obrigatoriedade constitucional local de se realizar plebiscito para extinguir ou privatizar empresas estatais.

No século XIX o banqueiro Samuel Gurney, fundador do Overend & Gurney, poderoso banco inglês da época, fez a seguinte, e sincera, afirmação para a comissão montada pela Câmara dos Lordes da Inglaterra para investigar as causas da crise financeira de 1847:

“Quando reina o pânico, o que preocupa o homem de negócios não é a taxa a que pode empregar seus bilhetes de banco, nem a perda de 1 ou 2% que terá com a venda de seus títulos do tesouro ou de seus papéis de três por cento. Se está sob a influência do pânico, não lhe importa ganhar ou perder. Procura pôr-se a salvo, e o resto do mundo que se arranje.” [4]

Vejamos quem são os empresários que no Rio Grande do Sul do século XXI desenham um pacote de ajustes para “pôrem-se a salvo” enquanto o resto dos gaúchos “se arranjam” por conta própria.

O Movimento Brasil Competitivo (MBC) é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) que foi fundada em novembro de 2001 por sugestão do empresário Jorge Gerdau Johanpetter. Se sustenta através de “doações” do setor público e é financiada por grandes empresários como o próprio Jorge Gerdau, Jorge Paulo Lemann, entre outros. [5]

Fazem parte do MBC empresários, políticos, executivos, entre outros. Integram, ou já fizeram parte dele: Jorge Gerdau, Luis Nassif, Dilma Rousseff, Miguel Jorge, José Sergio Gabrielli; Elcio Anibal de Lucca (Serasa), José de Freitas Mascarenhas (Odebrecht), Wilson Ferreira (CPFL). [ibidem]

Camargo Correa, Odebrecht, Gerdau, 3M, CNI, CPFL Energia, Embraer, Ericsson, FIAT, Fiergs, Firjan, IBM, Globo, Infraero, Microsoft, Motorola, Natura, Sebrae e Souza Cruz são alguns dos principais apoiadores do MBC. [6]

Os governos procuram o MBC que indica uma consultoria para firmar convênio [idem 5]. É aí que entra o PGQP. Criado em 1992 ele é liderado pelos empresários gaúchos Jorge Gerdau Johannpeter e Ricardo Felizzola [7] e já atuaram em governos estaduais anteriores, incluindo o do petista Tarso Genro.

Braskem, Ipiranga, Gerdau, Santander, Randon, Lojas Renner, Sebrae, Fecomércio-RS, RGE, Fiergs, Hospital Moinhos de Vento são alguns dos apoiadores do PGQP. [ibidem]

Tanto no caso do MBC quanto no do PGQP nos deparamos com grupos empresariais poderosos com forte inserção política e que já possuem uma série de benesses do Estado como isenções fiscais e financiamentos a fundo perdido. Além do que alguns desses grupos figuram em escândalos de corrupção como atestam operações como a Lava Jato e a Zelotes desnudando o segredo da “eficiência” propalada por esses senhores.

Eles próprios parecem cientes da vergonha social de seus privilégios. Mas como não podem abandoná-los fingem abrir mão deles. Por isso o pacote de Sartori elaborado pelos empresários menciona a “revisão de benefícios fiscais” com “a redução de 30% nos créditos fiscais presumidos referentes a 2016, 2017 e 2018” cujo impacto previsto será de R$ 300 milhões por ano [8]. Uma ninharia diante dos R$ 8,986 bilhões de desonerações fiscais concedidas em 2015 dos quais apenas R$ 1,2 bilhão referem-se às micros e pequenas empresas, como anunciou publicamente o Secretário da Fazenda, Giovani Feltes, que defendeu as isenções alegando que a ausência delas “comprometeria economia do Estado” [9] quando é exatamente o contrário. Mas de não pagamento de imposto Feltes entende. Ele está sendo cobrado na justiça por uma dívida de R$ 102 mil referente ao IPTU à Prefeitura de Campo Bom, cidade que ele foi Prefeito. [10]

Ainda sobre as isenções fiscais cabe ressaltar que os dados do governo Sartori não são confiáveis pois “não há transparência” conforme admitiu o deputado Marlon Santos (PDT), relator do Orçamento de 2017. [11] Assim, as benesses aos grandes grupos empresariais devem ser ainda maiores.

A única coisa que está transparente é a defesa dos interesses das classes dominantes. Até mesmo na redução de danos. O recente acordo que o governo Sartori fechou com a Ford foi altamente lesivo ao Estado. A montadora muito provavelmente teria que pagar mais de R$ 1 bilhão por rompimento de contrato de instalação de uma fábrica em Guaíba nos anos 90, quando a empresa já havia recebido recursos públicos e o governo realizado investimentos (as tais “certas garantias”), caso o processo movido em 2.000 pelo Estado do Rio Grande do Sul tivesse seguido. No entanto, o governo Sartori, que já tratava com a multinacional desde o ano passado, foi até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmar um acordo onde a empresa pagou apenas R$ 216 milhões, quase cinco vezes menos. Era óbvio que a Ford iria aceitar! [12]

O que não deve ser aceito é o “Novo Estado” [13] proposto por Sartori, que de novo não tem nada, trata-se do velho Estado burguês atuando de forma aberta e descarada para salvar a grande burguesia em crise, com os mais variados e infames métodos. A grande impopularidade do governador aponta que sua gestão já não é aceita. Resta ampliar a ação movendo essa rejeição.


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[1] Consultorias privadas geram polêmica na gestão pública. 19/11/2016.

[2] Alvo de privatização, Sulgás deverá ter lucro de até R$ 120 milhões em 2016. 22/11/2016.

[3] "Esse pacote é a favor do servidor", diz secretário-geral de governo. 22/11/2016.

[4] Citado por Karl Marx em O Capital - Livro 3, Cap. XXV (Crédito e Capital Fictício), p.478, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro: 1974.

[5] Os dez anos do Movimento Brasil Competitivo. Luis Nassif, 10/11/2011.

O ataque da Folha a Gerdau e ao INDG. Luis Nassif, 25/01/2013.

Claudio Gastal assume presidência executiva do Movimento Brasil Competitivo. 24/07/2008.

[6] Quem apoia o MBC (acessado em 27 de novembro de 2016)

[7] o que é o PGQP? (acessado em 27 de novembro de 2016)

[8] Ampliação do Ajuste Fiscal Gaúcho (acessado em 28 de novembro de 2016)

[9] Retirada de isenções fiscais comprometeria economia do Estado. 26/11/2016.

[10] Prefeitura de Campo Bom cobra R$ 102 mil em IPTU de Feltes. 03/11/2016.

[11] Após deputado afirmar que “não há déficit” para 2017, governo do RS defende manutenção de incentivos fiscais. 25/11/2016.

[12] Ford aceita pagar R$ 216 milhões ao RS e encerra briga judicial de 16 anos. 24/11/2016.

[13] Como será o Novo Estado? (acessado em 28 de novembro de 2016)



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