domingo, 10 de janeiro de 2016

Giro à esquerda? Dilma acaba com as ilusões!

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Na última quinta-feira (07/01), durante café da manhã com jornalistas que cobrem o Palácio do Planalto, a Presidente Dilma Rousseff respondeu a uma série de perguntas, mas chamou a atenção a sua declaração negando uma possível guinada à esquerda nos rumos da economia do país.

A afirmação da própria Dilma é um duro golpe nos últimos vestígios de ilusões de que seu governo pudesse dar um giro à esquerda. E para não deixar dúvidas a Presidente defendeu um ajuste fiscal com mudanças na Previdência, em regras trabalhistas, mais privatizações de infraestrutura, volta da CPMF e renovação da DRU (Desvinculação de Receitas da União) – medida que permite ao governo cortar até 20% das áreas sociais, como saúde e educação, para fazer superávit primário e encher os bolsos dos banqueiros e especuladores, que continuam batendo recordes de lucros mesmo com a crise econômica. [1]

Como já havia deixado claro a própria Dilma [2] e o ex-presidente Lula [3], o ajuste fiscal não era de Joaquim Levy mas do governo petista. Logo, a sua saída e a entrada de Nelson Barbosa não poderia alterar esse panorama, como chegaram a acreditar alguns.

Desmanchadas as ilusões e antecipado que 2016 será um ano de duros ataques cresce a necessidade de que a esquerda brasileira forme um terceiro campo - independente de governistas, demotucanos e direitistas – para enfrentar o duro ajuste fiscal que Dilma e as classes dominantes querem impor aos trabalhadores e às classes populares. Um terceiro campo classista, vinculado às lutas reais do povo e não baseado em meros acordos de cúpulas e aparatos.

O levante dos jovens estudantes de São Paulo, que derrotou o fechamento de escolas do tucano Geraldo Alckmin apoiado pelo petista Aloizio Mercadante [4], mostrou que é em aliança com as classes populares e trabalhadoras que se pode levar a luta contra os planos de ajustes até as últimas consequências e não compondo frentes políticas com governistas degenerados como a CUT, a CTB e a UNE – organizações que colaboram com o ajuste fiscal e que abandonam as lutas de suas próprias bases para defender o governo do ajuste fiscal.

A seguir trechos importantes da coletiva de Dilma.


Medidas de ajuste

Jornalista: Catarina Alencastro, d’O Globo. O ministro Jaques Wagner ontem disse que não tem um coelho na cartola para salvar a economia. Eu queria saber qual é a estratégia econômica que o governo está programando para esses próximos tempos. Obrigada.

Presidenta: (…) A curto prazo nós temos, nos próximos três meses, ações que nós vamos perseguir. Primeira ação - eu vou tentar sintetizar em três -, mas a primeira ação: nós temos que aprovar as medidas provisórias, tributárias que estão no Congresso. Uma que além… que a gente pode sintetizar chamando de juros sobre capital próprio, ou seja, uma alteração nas condições de tributação dos juros sobre capital próprio; e a outra, sobre ganhos de capital. Além dessas duas medidas tributárias, é fundamental - depois a gente pode fazer uma fala só sobre essa questão - a aprovação da DRU e da CPMF. Essas são as medidas de curto prazo na esfera tributária.

Além disso, nós temos como segunda medida, também nesse período, nós vamos ter, maturando, vários projetos nossos que foram construídos ao longo do ano passado e que vão desaguar em concessões de aeroportos, de portos, de ferrovias. E já começou no setor de energia elétrica e a gente pretende continuar. No setor de energia elétrica, nós tivemos R$ 17 bilhões de recursos provenientes da licitação das concessões, dando R$ 11 bilhões agora no início do ano e R$ 6 bilhões na metade do ano.

(…)

Nessa área, também, nós vamos começar a encaminhar uma série de questões que são fundamentais, que eu chamaria de grandes reformas. Primeira grande reforma: nós vamos encarar a reforma da Previdência, sempre considerando que a reforma da Previdência ela tem a ver com uma modificação, primeiro, na idade e no comportamento etário da população brasileira. Nós estamos envelhecendo mais e morrendo menos. Então, nossa expectativa de vida, nos últimos anos, aumentou talvez de forma bastante significativa, em torno de 4,6 anos. Isso implica que é muito difícil você equacionar um problema. Não é possível que a idade média de aposentadoria no Brasil seja 55 anos, para mulher um pouco menos. Não é possível, não por nenhuma avaliação qualitativa, mas por uma questão quantitativa. Vai ter menos gente trabalhando no futuro para sustentar mais gente sem trabalhar, quais sejam, os mais velhos, que vão ter uma longevidade maior, eu aí inclusa, e os mais novos, que estão nascendo.

Esta é uma equação que atinge todos os países desenvolvidos e emergentes: quando aumenta a renda, isso começa a ocorrer. Então, o Brasil vai ter que encarar a questão da Previdência. Você tem várias formas para encarar a questão da Previdência. Os países desenvolvidos, e não falo os emergentes, que os grandes emergentes não têm nem assim nenhuma política clara de aposentadoria comparável com a nossa, mas todos eles buscaram aumentar a idade de acesso, a idade mínima para acessar a aposentadoria. Tem esse caminho. Tem um outro caminho também, que é o 85/95 móvel, progressivo, que resultará na mesma convergência. Em todos os dois casos, uma coisa vai ter que ser considerada, que é a seguinte: não se pode achar que se afeta direitos adquiridos. A estabilidade, a segurança jurídica consiste em você garantir que as coisas nunca afetem daqui para trás, mas daqui para frente. No caso da Previdência, além disso tem um outro problema. Que nós vamos ter de encarar com muita seriedade e tranquilidade, que é problema do tempo de transição. Ninguém vai fazer um programa desses, uma reforma dessas, porque ela implica em razões técnicas e também em consenso político. Sem que você considere que o período de transição que leva em conta tanto direitos adquiridos quanto expectativas de direitos daqueles que já estão no mercado de trabalho, e que você deve considerar esta questão de forma sustentável, ou seja, não é em qualquer caso, mas de forma sustentável, é o que definirá um período de transição.

Então, tem algumas questões que são fundamentais nesta questão da Previdência. Nós pretendemos abrir esse debate chamando o Fórum de Trabalho e Previdência, que é um fórum quadripartite - que é trabalhadores, empresários, governo e Congresso. Nós também vamos levar essa discussão dentro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social [CDES]. Nós vamos levar essa discussão com todos os setores. Por que isso? Porque a base para que uma reforma de Previdência seja sustentável no Brasil é o diálogo. É perceber que se terá de escutar os diferentes segmentos. Tendo clareza que há um problema real, que a solução para ele não pode passar por você se esconder dele. Mas para você enfrentá-lo e procurar construir os caminhos mais adequados para que todos tenham um consenso básico sobre essa questão.”


Sem guinada à esquerda

Jornalista: Presidente, Marina Dias, da Folha de São Paulo. O PT tem exigido algumas mudanças na condução da política econômica e fala até numa guinada à esquerda, para que a base social continue defendendo o mandato da senhora. Eu queria saber se a senhora pretende fazer uma guinada à esquerda ou se vai fazer algum aceno para alguma reivindicação do PT, que critica propostas defendidas pelo governo, inclusive, a reforma da Previdência que a senhora está defendendo.

Presidenta: Olha, a discussão nem começou. Então, eu não acho que há de forma clara propostas na mesa. Eu não acho que nós aqui estamos num país que que será assim integrado só por pessoas que pensam tudo igualzinho. Pelo contrário, acho que a complexidade da nossa democracia está no fato da gente ser capaz de construir os consensos que levarão a bom termo os desafios que nós temos. Nesse sentido, eu acho muito bom que o PT tenha as suas posições. Agora, o governo não responde só ao PT, só ao PMDB, só a qualquer um dos partidos da base aliada.

Responde a todos, mas também responde à sociedade e às necessidades da sociedade. Eu acho que a participação dos partidos numa democracia é essencial, ela dá estabilidade, ela permite que você dialogue com diferentes segmentos da população. Então, as propostas do PT o governo vai tratar com muita consideração como fará com as demais propostas; as do PMDB, as do… nenhum partido dentro dos partidos que integram a base pode superar outro partido, nós vamos tratar de todos, de todas as posições.

Jornalista: … dar uma guinada à esquerda a senhora…

Presidenta: Olha, para mim eles nunca falaram isso. Se falaram para você, você responda. Mas para mim…

Jornalista: (incompreensível)

Presidenta: … isso eles podem fazer não é, gente? Eu também solto nota e não consulto ninguém. Todo mundo pode soltar nota. O que eu estou falando é o seguinte: não houve esta discussão entre nós.”


Não se manifesta sobre juros

Jornalista: Presidenta, por gentileza, Bruno Peres, do Valor Econômico. Eu queria saber se a senhora tem alguma restrição à elevação de juros pelo Copom na próxima reunião? Porque, até então, a sinalização era de uma alta e agora, em função da atividade econômica fraca, pode ser que seja mantida a expectativa pela manutenção.

Presidenta: Eu, há muito tempo não me manifesto sobre juros…

Jornalista: A avaliação da senhora…

Presidenta: Eu não me manifestar inclui não analisar, não falar e não tecer qualquer consideração. Por um motivo muito simples: esta é uma área muito delicada para alguém ficar dando palpite. Eu sei que todo mundo dá palpite nessa área. Agora, os palpites são diferentes, não é adequado para que alguém do governo que não seja o presidente do Banco Central, trate disso. Não acho adequado. E nem terá autorização do governo para fazer.”


Apelo à oposição

Jornalista: Pois não, está na lista também, presidenta. Está anotado. Eu pergunto à senhora: nós estamos iniciando um ano eleitoral, em que a questão da popularidade da senhora vai influir muito na competitividade dos candidatos petistas, assim como dificilmente o Congresso votará medidas que considere impopulares. Eu lhe pergunto: a oposição, ainda ontem, eu entrevistei um líder importante da oposição que, de certa forma, festejou o fato da senhora querer mudar regras da Previdência numa altura dessas do campeonato. Disse que isso é “um suicídio político”, que a senhora estaria brigando com parte importante das bases de apoio, tanto do PT quanto do governo. A senhora acha que, realmente, há viabilidade política de aprovar no Congresso regras, mudanças profundas, estruturais, tanto na Previdência quanto na área trabalhista, segundo a gente tem informação, tem notícia de que é intenção da área econômica?

Presidenta: Olha, nessa questão das alterações da Previdência, eu acho que a oposição no Brasil, ela tem que ter, um certo, pelo menos um mínimo, de compromisso com o País. Se não tiver, se os partidos políticos de oposição não tiverem um mínimo de compromisso com o País, eu acho que a sociedade brasileira tem maturidade suficiente também para lhes fazer a crítica. Por quê? Porque estariam tendo um comportamento que coloca os seus interesses eleitorais na frente dos interesses do País.

Acho que a discussão sobre a questão da Previdência tem que ser respeitosa em relação aos trabalhadores, aos empresários, aos parlamentares e aos diferentes partidos. Agora, esse respeito é no sentido de se procurar criar um melhor consenso possível. Acho que as responsabilidades são do governo, em propor. Mas também a responsabilidade é da oposição em encaminhar ou de um jeito do “quanto pior, melhor”, que tem sido a característica no último ano, ou ter uma atitude construtiva com o País. Você pode fazer oposição, sim, você deve fazer oposição.

Aliás, se não tiver oposição a democracia não tem sentido. Mas há que ter também consideração pelos interesses gerais que regem a vida econômica e social do País. Então, eu te digo uma coisa: acho que a crise de representatividade que muita gente fala que há em relação à democracia, uma das razões dela é essa: é que os interesses são filtrados por interesses menores. Os maiores são filtrados pelos menores. Ou seja, se é importante para o País e não é uma coisa que você vai resolver amanhã ou depois de amanhã, é algo que você vai resolver num horizonte de 20, de 15 de 10 anos. Se isso não pode ser feito e sinalizar uma situação de instabilidade para o País, então o que é possível fazer? Eu devolvo a pergunta.”


Migalhas para a agricultura familiar (aproximadamente 15,5% dos recursos)

Presidenta: (…) Nós demos R$ 186 bilhões do setor da agricultura comercial, quase R$ 28,9, para o setor de agricultura familiar.”


Na íntegra:
Entrevista coletiva concedida pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante café da manhã com jornalistas - Palácio do Planalto. Portal Planalto — publicado 07/01/2016 19h35, última modificação 07/01/2016 19h35.

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[1] Lucro dos bancos 2015. Tabelas mostram até o 3° trimestre. Acessado em 10/01/2016.

[2] Dilma defende Levy e ajuste fiscal. 24/05/2015.

[3] Para quem o governismo apontará o dedo agora? 01/11/2015.

[4] Mercadante do PT defende fechamentos de escolas pelo PSDB em SP. 28/10/2015.


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