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Na última quinta-feira
(07/01), durante café da manhã com jornalistas que cobrem o Palácio
do Planalto, a Presidente Dilma Rousseff respondeu a uma série de
perguntas, mas chamou a atenção a sua declaração negando uma
possível guinada à esquerda nos rumos da economia do país.
A afirmação da própria
Dilma é um duro golpe nos últimos vestígios de ilusões de que seu
governo pudesse dar um giro à esquerda. E para não deixar dúvidas
a Presidente defendeu um ajuste fiscal com mudanças na Previdência,
em regras trabalhistas, mais privatizações de infraestrutura, volta
da CPMF e renovação da DRU (Desvinculação de Receitas da União)
– medida que permite ao governo cortar até 20% das áreas sociais,
como saúde e educação, para fazer superávit primário e encher os
bolsos dos banqueiros e especuladores, que continuam batendo recordes
de lucros mesmo com a crise econômica. [1]
Como já havia deixado
claro a própria Dilma [2] e o ex-presidente Lula [3], o ajuste
fiscal não era de Joaquim Levy mas do governo petista. Logo, a sua
saída e a entrada de Nelson Barbosa não poderia alterar esse
panorama, como chegaram a acreditar alguns.
Desmanchadas as ilusões
e antecipado que 2016 será um ano de duros ataques cresce a
necessidade de que a esquerda brasileira forme um terceiro campo -
independente de governistas, demotucanos e direitistas – para
enfrentar o duro ajuste fiscal que Dilma e as classes dominantes
querem impor aos trabalhadores e às classes populares. Um terceiro
campo classista, vinculado às lutas reais do povo e não baseado em
meros acordos de cúpulas e aparatos.
O levante dos jovens
estudantes de São Paulo, que derrotou o fechamento de escolas do
tucano Geraldo Alckmin apoiado pelo petista Aloizio Mercadante [4],
mostrou que é em aliança com as classes populares e trabalhadoras
que se pode levar a luta contra os planos de ajustes até as últimas
consequências e não compondo frentes políticas com governistas
degenerados como a CUT, a CTB e a UNE – organizações que
colaboram com o ajuste fiscal e que abandonam as lutas de suas
próprias bases para defender o governo do ajuste fiscal.
A seguir trechos
importantes da coletiva de Dilma.
Medidas de ajuste
“Jornalista:
Catarina Alencastro, d’O Globo. O ministro Jaques Wagner ontem
disse que não tem um coelho na cartola para salvar a economia. Eu
queria saber qual é a estratégia econômica que o governo está
programando para esses próximos tempos. Obrigada.
Presidenta: (…)
A curto prazo nós temos, nos próximos três meses, ações que nós
vamos perseguir. Primeira ação - eu vou tentar sintetizar em três
-, mas a primeira ação: nós temos que aprovar as medidas
provisórias, tributárias que estão no Congresso. Uma que além…
que a gente pode sintetizar chamando de juros sobre capital próprio,
ou seja, uma alteração nas condições de tributação dos juros
sobre capital próprio; e a outra, sobre ganhos de capital. Além
dessas duas medidas tributárias, é fundamental - depois a gente
pode fazer uma fala só sobre essa questão - a aprovação da DRU e
da CPMF. Essas são as medidas de curto prazo na esfera tributária.
Além disso, nós temos
como segunda medida, também nesse período, nós vamos ter,
maturando, vários projetos nossos que foram construídos ao longo do
ano passado e que vão desaguar em concessões de aeroportos, de
portos, de ferrovias. E já começou no setor de energia elétrica e
a gente pretende continuar. No setor de energia elétrica, nós
tivemos R$ 17 bilhões de recursos provenientes da licitação das
concessões, dando R$ 11 bilhões agora no início do ano e R$ 6
bilhões na metade do ano.
(…)
Nessa área, também, nós
vamos começar a encaminhar uma série de questões que são
fundamentais, que eu chamaria de grandes reformas. Primeira grande
reforma: nós vamos encarar a reforma da Previdência, sempre
considerando que a reforma da Previdência ela tem a ver com uma
modificação, primeiro, na idade e no comportamento etário da
população brasileira. Nós estamos envelhecendo mais e morrendo
menos. Então, nossa expectativa de vida, nos últimos anos, aumentou
talvez de forma bastante significativa, em torno de 4,6 anos. Isso
implica que é muito difícil você equacionar um problema. Não é
possível que a idade média de aposentadoria no Brasil seja 55 anos,
para mulher um pouco menos. Não é possível, não por nenhuma
avaliação qualitativa, mas por uma questão quantitativa. Vai ter
menos gente trabalhando no futuro para sustentar mais gente sem
trabalhar, quais sejam, os mais velhos, que vão ter uma longevidade
maior, eu aí inclusa, e os mais novos, que estão nascendo.
Esta é uma equação que
atinge todos os países desenvolvidos e emergentes: quando aumenta a
renda, isso começa a ocorrer. Então, o Brasil vai ter que encarar a
questão da Previdência. Você tem várias formas para encarar a
questão da Previdência. Os países desenvolvidos, e não falo os
emergentes, que os grandes emergentes não têm nem assim nenhuma
política clara de aposentadoria comparável com a nossa, mas todos
eles buscaram aumentar a idade de acesso, a idade mínima para
acessar a aposentadoria. Tem esse caminho. Tem um outro caminho
também, que é o 85/95 móvel, progressivo, que resultará na mesma
convergência. Em todos os dois casos, uma coisa vai ter que ser
considerada, que é a seguinte: não se pode achar que se afeta
direitos adquiridos. A estabilidade, a segurança jurídica consiste
em você garantir que as coisas nunca afetem daqui para trás, mas
daqui para frente. No caso da Previdência, além disso tem um outro
problema. Que nós vamos ter de encarar com muita seriedade e
tranquilidade, que é problema do tempo de transição. Ninguém vai
fazer um programa desses, uma reforma dessas, porque ela implica em
razões técnicas e também em consenso político. Sem que você
considere que o período de transição que leva em conta tanto
direitos adquiridos quanto expectativas de direitos daqueles que já
estão no mercado de trabalho, e que você deve considerar esta
questão de forma sustentável, ou seja, não é em qualquer caso,
mas de forma sustentável, é o que definirá um período de
transição.
Então, tem algumas
questões que são fundamentais nesta questão da Previdência. Nós
pretendemos abrir esse debate chamando o Fórum de Trabalho e
Previdência, que é um fórum quadripartite - que é trabalhadores,
empresários, governo e Congresso. Nós também vamos levar essa
discussão dentro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
[CDES]. Nós vamos levar essa discussão com todos os setores. Por
que isso? Porque a base para que uma reforma de Previdência seja
sustentável no Brasil é o diálogo. É perceber que se terá de
escutar os diferentes segmentos. Tendo clareza que há um problema
real, que a solução para ele não pode passar por você se esconder
dele. Mas para você enfrentá-lo e procurar construir os caminhos
mais adequados para que todos tenham um consenso básico sobre essa
questão.”
Sem guinada à
esquerda
“Jornalista:
Presidente, Marina Dias, da Folha de São Paulo. O PT tem exigido
algumas mudanças na condução da política econômica e fala até
numa guinada à esquerda, para que a base social continue defendendo
o mandato da senhora. Eu queria saber se a senhora pretende fazer uma
guinada à esquerda ou se vai fazer algum aceno para alguma
reivindicação do PT, que critica propostas defendidas pelo governo,
inclusive, a reforma da Previdência que a senhora está defendendo.
Presidenta:
Olha, a discussão nem começou. Então, eu não acho que há de
forma clara propostas na mesa. Eu não acho que nós aqui estamos num
país que que será assim integrado só por pessoas que pensam tudo
igualzinho. Pelo contrário, acho que a complexidade da nossa
democracia está no fato da gente ser capaz de construir os consensos
que levarão a bom termo os desafios que nós temos. Nesse sentido,
eu acho muito bom que o PT tenha as suas posições. Agora, o governo
não responde só ao PT, só ao PMDB, só a qualquer um dos partidos
da base aliada.
Responde
a todos, mas também responde à sociedade e às necessidades da
sociedade. Eu acho que a participação dos partidos numa democracia
é essencial, ela dá estabilidade, ela permite que você dialogue
com diferentes segmentos da população. Então, as propostas do PT o
governo vai tratar com muita consideração como fará com as demais
propostas; as do PMDB, as do… nenhum partido dentro dos partidos
que integram a base pode superar outro partido, nós vamos tratar de
todos, de todas as posições.
Jornalista:
… dar uma guinada à esquerda a senhora…
Presidenta:
Olha, para mim eles nunca falaram isso. Se falaram para você, você
responda. Mas para mim…
Jornalista:
(incompreensível)
Presidenta:
… isso eles podem fazer não é, gente? Eu também solto nota e não
consulto ninguém. Todo mundo pode soltar nota. O que eu estou
falando é o seguinte: não houve esta discussão entre nós.”
Não
se manifesta sobre juros
“Jornalista:
Presidenta, por gentileza, Bruno Peres, do Valor Econômico. Eu
queria saber se a senhora tem alguma restrição à elevação de
juros pelo Copom na próxima reunião? Porque, até então, a
sinalização era de uma alta e agora, em função da atividade
econômica fraca, pode ser que seja mantida a expectativa pela
manutenção.
Presidenta:
Eu, há muito tempo não me manifesto sobre juros…
Jornalista:
A avaliação da senhora…
Presidenta:
Eu não me manifestar inclui não analisar, não falar e não tecer
qualquer consideração. Por um motivo muito simples: esta é uma
área muito delicada para alguém ficar dando palpite. Eu sei que
todo mundo dá palpite nessa área. Agora, os palpites são
diferentes, não é adequado para que alguém do governo que não
seja o presidente do Banco Central, trate disso. Não acho adequado.
E nem terá autorização do governo para fazer.”
Apelo
à oposição
“Jornalista:
Pois não, está na lista também, presidenta. Está anotado. Eu
pergunto à senhora: nós estamos iniciando um ano eleitoral, em que
a questão da popularidade da senhora vai influir muito na
competitividade dos candidatos petistas, assim como dificilmente o
Congresso votará medidas que considere impopulares. Eu lhe pergunto:
a oposição, ainda ontem, eu entrevistei um líder importante da
oposição que, de certa forma, festejou o fato da senhora querer
mudar regras da Previdência numa altura dessas do campeonato. Disse
que isso é “um suicídio político”, que a senhora estaria
brigando com parte importante das bases de apoio, tanto do PT quanto
do governo. A senhora acha que, realmente, há viabilidade política
de aprovar no Congresso regras, mudanças profundas, estruturais,
tanto na Previdência quanto na área trabalhista, segundo a gente
tem informação, tem notícia de que é intenção da área
econômica?
Presidenta:
Olha, nessa questão das alterações da Previdência, eu acho que a
oposição no Brasil, ela tem que ter, um certo, pelo menos um
mínimo, de compromisso com o País. Se não tiver, se os partidos
políticos de oposição não tiverem um mínimo de compromisso com o
País, eu acho que a sociedade brasileira tem maturidade suficiente
também para lhes fazer a crítica. Por quê? Porque estariam tendo
um comportamento que coloca os seus interesses eleitorais na frente
dos interesses do País.
Acho
que a discussão sobre a questão da Previdência tem que ser
respeitosa em relação aos trabalhadores, aos empresários, aos
parlamentares e aos diferentes partidos. Agora, esse respeito é no
sentido de se procurar criar um melhor consenso possível. Acho que
as responsabilidades são do governo, em propor. Mas também a
responsabilidade é da oposição em encaminhar ou de um jeito do
“quanto pior, melhor”, que tem sido a característica no último
ano, ou ter uma atitude construtiva com o País. Você pode fazer
oposição, sim, você deve fazer oposição.
Aliás,
se não tiver oposição a democracia não tem sentido. Mas há que
ter também consideração pelos interesses gerais que regem a vida
econômica e social do País. Então, eu te digo uma coisa: acho que
a crise de representatividade que muita gente fala que há em relação
à democracia, uma das razões dela é essa: é que os interesses são
filtrados por interesses menores. Os maiores são filtrados pelos
menores. Ou seja, se é importante para o País e não é uma coisa
que você vai resolver amanhã ou depois de amanhã, é algo que você
vai resolver num horizonte de 20, de 15 de 10 anos. Se isso não pode
ser feito e sinalizar uma situação de instabilidade para o País,
então o que é possível fazer? Eu devolvo a pergunta.”
Migalhas
para a agricultura familiar (aproximadamente 15,5% dos recursos)
“Presidenta:
(…) Nós demos R$ 186 bilhões do
setor da agricultura comercial, quase R$ 28,9, para o setor de
agricultura familiar.”
Na
íntegra:
Entrevista
coletiva concedida pela Presidenta da República, Dilma Rousseff,
durante café da manhã com jornalistas - Palácio do Planalto.
Portal Planalto — publicado 07/01/2016 19h35, última modificação
07/01/2016 19h35.
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[1]
Lucro dos bancos 2015. Tabelas mostram até o 3° trimestre. Acessado
em 10/01/2016.
[2]
Dilma defende Levy e ajuste fiscal. 24/05/2015.
[3]
Para quem o governismo apontará o dedo agora? 01/11/2015.
[4]
Mercadante do PT defende fechamentos de escolas pelo PSDB em SP.
28/10/2015.
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