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A Rede Globo não é apenas um veículo de imprensa privado. Seus proprietários, os irmãos Marinho, estão entre os maiores bilionários do Brasil, constituindo, assim, a nossa classe dominante.
A emissora não se limita a fazer propaganda das ideias benéficas a sua classe, ela atua politicamente. Apoiou a ditadura militar; manipulou em favor de Collor o debate presidencial de 1989; oculta os desmandos do bolsonarista Ministro da Economia, Paulo Guedes, cujo programa apoia; defende toda a pauta neoliberal e milita abertamente por ela.
Nos últimos meses a Globo vem expondo publicamente a linha política da classe dominante brasileira para estabilizar o regime e melhor aplicar o ajuste neoliberal. Em junho, quando começaram as prisões dos bolsonaristas, a emissora publicou um editorial, cujo título “Bolsonaro deve se preocupar com o trabalho”, era um recado claro ao ocupante do Palácio do Planalto: “O enquadramento do bolsonarismo às leis deveria levar o presidente a tratar dos problemas efetivos do país”. [1]
As prisões chegaram em Fabrício Queiroz e desde então Bolsonaro passou a se apresentar de forma distinta, moderando nas palavras, viajando o país e inaugurando obras, privatizações foram realizadas e Guedes ficou livre para negociar com Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre as medidas neoliberais no Congresso Nacional.
A classe dominante também prepara a institucionalização da insatisfação através de uma oposição política comportada, que não seja consequente contra o neoliberalismo e tampouco agite as bandeiras históricas da classe trabalhadora. Foi nesse sentido que surgiu, em julho, em O Globo, o artigo de Ascânio Seleme, “É hora de perdoar o PT”, que coloca os requisitos para a oposição ser aceita:
“Superada esta instância, que é mais fácil, terá de se ultrapassar também a índole autoritária que um dia foi semeada no coração do PT e vicejou. Exemplos são muitos, como a tentativa de censurar a imprensa através de um certo “controle externo da mídia”, de substituir a Justiça por “instrumentos de mediação” em casos de agressão aos direitos humanos, ou de trocar a gestão administrativa por “conselhos populares”. Se estas tentações foram barradas no passado, quando até o centrão apoiava o PT, certamente não prosperarão num ambiente muito mais polarizado como o de hoje.” [2]
Não é surpresa que um ideólogo da burguesia considere “autoritário” medidas democratizantes como os conselhos populares. A participação política da classe trabalhadora sempre foi um incômodo para a burguesia. O que chama a atenção é a falta de pudor em declarar isso abertamente. A burguesia anda despudorada e isso se deve ao projeto de país que estão construindo após a crise da Nova República: um lugar com uma burguesia que assalta o Estado protegida pela lei; onde a classe trabalhadora não tem direitos, nem serviços públicos que a atenda mas que arca com os impostos que enriquecem uma burguesia que se assemelha cada vez mais a uma nobreza; e uma democracia cuja participação do povo se reduz a votar de dois em dois anos em candidatos de partidos comprometidos em não alterar essa estrutura.
Voltando à institucionalização da insatisfação, para “perdoar o PT” é preciso “perdoar” a sua principal liderança. E eis que Lula começa a obter vitórias importantes no STF contra as condenações que lhe foram impostas. É verdade que tais vitórias são justas. Mas a justiça está longe de ser o motivo delas. É política! A linha de aceitação de uma oposição comportada está em pleno curso. E as lideranças ligadas a essa oposição ficarão ainda mais inertes do que já estão.
Só que a institucionalização da insatisfação através de uma oposição comportada não garante que uma oposição fora do acordo, com corte de classe, que conteste a ordem como um todo, surja e cresça. A burguesia sabe disso. E tenta agir preventivamente. Em 2 de julho, Ascânio Seleme, em O Globo, publica o artigo “Quem são os inimigos?” onde sentencia: “Extremos devem ser isolados, impedindo-se que cresçam e se espalhem”. Mas, quem são os “extremos”?
“De um lado desses extremos estão agremiações como o Partido da Causa Operária (PCO) e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). Do outro lado, estão partidos por onde trafega Bolsonaro, como o Patriotas e o Partido Social Liberal (PSL). Ao lado destes, os satélites de sempre, que são de direita mas podem ser de extrema direita se levarem alguma vantagem pecuniária com isso. Alguns, bem pagos, já foram até de esquerda. Nem partidos são. Formam uma aglomeração fisiológica e navegam sempre a favor do vento.” [3]
A simetria é forçada, uma adaptação da velha falácia de que “fascismo e comunismo são a mesma coisa”. Porém, esse discurso tem sido reproduzido por alguns jornalistas e políticos, incluindo gente que se diz “progressista”.
O artigo de Seleme não analisa uma vírgula sobre as causas da polarização política, que na verdade é polarização de classes. Ele não chega a propor medidas concretas de como efetivar o isolamento, evitar o crescimento e a expansão dos “extremos”. Pede ajuda aos partidos:
“Diante desta incontestável realidade, os partidos que não estão nos extremos deveriam começar a trabalhar contra o inimigo comum, sem concessões, e já. É hora de ouvir o Brasil. O entendimento deve incluir as votações de matérias no Congresso Nacional e as eleições municipais deste ano. Respeitadas as diferenças de programa intransponíveis, todos os demais pontos da pauta política podem e devem ser alinhados, debatidos, negociados e viabilizados por PT, PDT, PSB, PSOL, PV, PSDB, Rede, MDB, DEM, Novo, e todos os demais partidos dentro do arco que vai do primeiro ao último desta lista. E juntos devem isolar os extremos, impedindo que cresçam e se espalhem.”
Alguns, porém, são mais inimigos do que outros. O próprio Seleme escorrega na falsa simetria e entrega no final do artigo que “(...) é possível conviver mais dois anos e meio com ele [Bolsonaro], desde que se contenha ou seja contido. O problema maior não é o seu governo, são os seus métodos”. Em suma, o problema não é o reacionarismo, é a falta de etiqueta.
“Quem são os inimigos” de verdade então? Ora, os de sempre: nós, os comunistas, os anarquistas, todos aqueles que pensam para além do capital e atuam com caráter de classe definido, aqueles que não aceitam pactuar perda de direitos nem se corromper por cargos parlamentares. Nós que não tememos dizer que extremista é o capitalismo que, no meio de uma pandemia, joga milhões para a infecção e a morte para elevar os lucros de meia dúzia de bilionários. Nós que sabemos que para mudar esse estado de coisas é preciso a conscientização, a organização e a mobilização coletiva da classe trabalhadora. Seleme teme tudo isso. E tem razão de temer, pois não hesitaremos em seguir educando politicamente a nossa classe, dizendo-lhes o que a classe dominante quer esconder e ajudando-a a superar a barbárie social que o capital aprofunda.
Muito nos orgulhamos de estar na lista de inimigos da classe dominante brasileira. Uma classe de entreguistas, bandidos, criminosos, reacionários, corruptos que vendem a própria mãe para seguir lucrando, assassinos que matam nossos irmãos e irmãs de classe todos os dias das formas mais variadas jamais poderia contar com a nossa amizade.
Aos camaradas, às camaradas, aos companheiros, às companheiras e ativistas anticapitalistas em geral só pedimos que redobrem a atenção e a solidariedade. A linha da Globo, que é a linha da classe dominante brasileira, vem se realizando. Haveremos de derrotá-la.
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[1] Bolsonaro deve se preocupar com o trabalho. Editorial de O Globo, 20/06/2020.
https://oglobo.globo.com/opiniao/bolsonaro-deve-se-preocupar-com-trabalho-24489222
[2] É hora de perdoar o PT. Ascânio Seleme. O Globo, 11/07/2020.
https://oglobo.globo.com/opiniao/e-hora-de-perdoar-pt-24527685
[3] Quem são os inimigos? Ascânio Seleme. O Globo, 02/07/2020.
https://oglobo.globo.com/opiniao/quem-sao-os-inimigos-24510468
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