Adolfo Santos
(Coordenação Nacional da CST/PSOL) – ABR 06, 2018
É lamentável como
setores da esquerda agitam o fantasma do fascismo para justificar
políticas frente-populistas, de conciliação de classes e muitas
vezes recuadas frente às lutas em curso. Repetem sem parar que agora
é momento da “frente única” para combater o FASCISMO! É o
fascismo a principal preocupação que deve ter a população
trabalhadora? Responder esta pergunta é muito importante, porque
dessa resposta surgirão as tarefas dos socialistas revolucionários.
Nestas semanas, é comum
ouvir e ler postagens nas redes sobre o perigo do fascismo. Várias
correntes da esquerda e o próprio PT e o PCdoB, adotam este discurso
frente ao brutal assassinato da companheira Marielle Franco e de
Anderson Gomes, aos tiros contra a caravana de Lula e à bárbara
chacina de Maricá, onde cinco jovens foram executados com tiros na
cabeça pelas milícias que atuam na região.
São fatos chocantes.
Alguns deles tem inclusive elementos dos métodos fascistas. Mas daí
podemos deduzir que há uma ameaça fascista ou que o fascismo é
iminente? É necessário o chamado à “unidade antifascista”, à
“frente única antifascista”, como agitam algumas correntes
internas do PSOL, fazendo coro ao PT e ao PCdoB? Não que seja
equivocado advertir sobre os perigos de alguns fatos, atitudes ou
medidas políticas reacionárias de setores da ultradireita. Mas é
importante precisar o contexto em que se produzem esses fatos para
poder adotarmos uma política correta. De nossa parte, não vemos na
atual conjuntura, que a tarefa mais importante seja a “frente única
antifascista”, mas sim a mais ampla “unidade de ação” tanto
para elucidar o crime político que vitimou Marielle e condenar os
responsáveis como para a defesa dos direitos da população
trabalhadora. Algo que fizemos várias vezes nos últimos tempos.
O que é o fascismo?
De forma muito didática,
para os trotskistas, o fascismo é um regime totalitário que surge
em momentos de forte crise econômica e social aguda do capitalismo e
de importante ascenso do movimento de massas. Para se impor se apoia
fundamentalmente em setores da classe média e setores lúmpens para,
com métodos de guerra civil, esmagar o movimento operário, intervir
em suas organizações e liquidar suas conquistas históricas,
governando para o capital financeiro e setores do capitalismo
monopolista. Nesse processo também acaba com as liberdades
democráticas, o estado de direito, os partidos políticos e o
próprio parlamento. Estabelece, de fato, um regime totalitário, de
terror.
Portanto, o fascismo é a
última instância a que apela o sistema capitalista. Quando não
consegue deter o ascenso da classe trabalhadora em momentos de muita
crise, muda sua forma de dominação de “épocas de paz”, através
da democracia burguesa, e passa a utilizar o terror permanente para
submeter à classe trabalhadora a regimes de semiescravidão para
salvar seus interesses econômicos. Isso não significa, que sob o
regime democrático burguês normal não existe uma luta permanente
por parte dos capitalistas e seus representantes no governo para
retirar direitos, diminuir custos e aumentar os ritmos de produção
como uma forma de aumentar ou manter sua mais valia. Nesse propósito,
a burguesia avança até onde pode, se valendo de novos sistemas de
produção, de leis que retiram benefícios, da cumplicidade das
burocracias sindicais e de leis repressivas que cerceiam o direito de
greve, produzem interditos proibitórios e reprimem manifestações.
Com pequenas desigualdades, isto aconteceu em todo governo
democrático burguês, seja do PSDB, do PT ou do (P)MDB. Por
definição, todo governo e o estado burguês representam a ditadura
de uma classe sobre outra apesar da “democracia formal”.
Independente de que alguns governos sejam mais ou menos repressivos,
sejam populistas, progressistas ou até bonapartistas, os governos
democrático burgueses representam a ditadura da burguesia sobre as
classes oprimidas. O maior ou menor avanço dessa ditadura está dado
pela resistência dos movimentos no processo que denominamos como
luta de classes.
O que temos que nos
perguntar é se há fatos realmente novos e categóricos, diferentes
dos que vivemos no governo do PSDB ou do PT, que indiquem que estamos
ante a iminência do fascismo. Para nós, a crise da economia mundial
capitalista e a brutal crise política que corrói o regime e os
partidos, alimentando a luta e a resistência da população
trabalhadora, são fatos que não estiveram presentes até o ano
2013. Mas nada disso indica que estejamos na antessala do fascismo. A
gravidade dos fatos assinalados anteriormente é essencialmente
diferente de muitos que já vivenciamos com tucanos e petistas?
Vivemos num país violento onde diariamente assistimos a todo tipo de
atrocidades. Execuções sumárias como a de Maricá se repetem com
frequência, uma barbárie, como já foram os massacres da Candelária
e de Vigário Geral no Rio, nas periferias de São Paulo, de
Pernambuco, de Belém ou de outras capitais. Isso sem falar dos
massacres nos cárceres, a começar pelo Carandiru e os recentes
acontecimentos como no Complexo Penitenciário de Pedrinhas/MA e em
outras prisões do norte e do nordeste. São fatos registrados em
todos os governos, que escancaram um estado promíscuo, corrupto e
conivente com o crime.
Tampouco a existência de
milícias (independentes ou ligadas a organizações políticas) são
um indicador novo. Existem há anos, durante os governos de Garotinho
ou Cabral, parceiros do PT e de Lula. No Rio, as milícias elegeram
vereadores e deputados ligados à cúpula do (P)MDB e de outros
partidos, com quem dividiram palanques. Mas a razão de ser das
milícias, até hoje, não é a de atuar como braço armado do
fascismo, mas como defensores de um território onde lucram com a
venda de gás, TV a cabo, transporte e outras necessidades das
comunidades das periferias. Por maior afinidade que tenham, as
milícias não são bandas armadas a serviço da família Bolsonaro,
elas estão ligadas aos governos de caráter democrático burguês de
Garotinho, Cabral, Paes e outros muito elogiados por Lula. O próprio
PT teve parlamentares ligados a estas máfias. A relação entre as
milícias e o poder político, assim como as do narcotráfico, mais
que com o fascismo, está relacionada com a garantia de impunidade em
troca de votos das comunidades que controlam, um mecanismo criminoso
instituído em torno à democracia burguesa. Lucram com os currais
eleitorais que controlam.
O brutal crime político
de Marielle, infelizmente, também não é uma exceção. O que há
de novo é que a companheira foi assassinada em uma área central de
um capital importantíssima, demonstrando uma ousadia poucas vezes
vista em assassinatos desta natureza. Mas muitos outros crimes
políticos foram executados em estados mais longínquos do centro do
poder. Levantamentos realizados por organismos defensores dos
direitos humanos registram que os assassinatos políticos vêm
aumentando nos últimos anos. O ESP aponta que ao menos 96 pessoas
entre prefeitos, secretários, candidatos e militantes, foram
executadas por motivações políticas entre janeiro e setembro de
2016. Apenas no Rio de Janeiro, foram assassinados 13 pré-candidatos
a vereador e cabos eleitorais nesse período. O deputado Marcelo
Freixo presidiu a CPI das Milícias em 2008 e por conta desse fato
tem sua vida em risco e vive sob forte proteção policial por
praticamente uma década, portanto desde 2008, quando o debate do
risco do fascismo não estava em voga.
Os governos de Lula e
Dilma colaboraram bastante para o aumento de crimes relacionados com
os direitos humanos. Nesse período, o assassinato de indígenas
aumentou 168%. Segundo o Mapa da Violência, o índice de vítimas
negras no país em 2003 era de 71,7% (isto é, morriam,
proporcionalmente, 71,7% mais negros que brancos). Em 2014, o índice
saltou para 158,9%. Significa que durante os governos do PT
intensificou-se brutalmente a “guerra” contra a população
negra. O mesmo aconteceu com os índices de feminicídio. Em 2015, o
Mapa da Violência revelou que, de 2003 a 2013, o número de
assassinatos de mulheres negras cresceu 54%, passando de 1.864 para
2.875. E somente em 2015, segundo os dados do Grupo Gay da Bahia, 318
LGBTs foram assassinados no Brasil. Nos governos do PT, a utilização
da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) foi fartamente utilizada durante
a Copa das Confederações e do Mundo, os Jogos Olímpicos e a
Jornada Mundial da Juventude, entre outros eventos. Vejamos o que diz
o assessor jurídico da pastoral carcerária Paulo Malvezzi em
entrevista à Carta Capital: “A Dilma deu seguimento às políticas
que o Lula já havia implantando em seus oito anos de governo […] o
governo federal do PT […] se caracterizou como o governo do
encarceramento em massa. Neste período tivemos o maior aumento da
população prisional do país […] Tanto o governo Lula quanto o
governo Dilma são responsáveis pelo atual quadro de encarceramento
massivo…” São dados importantes para entender que o “retrocesso”
que alguns atribuem exclusivamente ao governo Temer para afirmar que
há fascismo, vem de bem antes.
Nunca frente a estes
fatos caracterizamos que estávamos na iminência do fascismo. Como
explica o antropólogo paraense, professor da UFPA, Romero Ximenes,
crimes políticos não atingem apenas parlamentares e detentores de
mandatos, mas também sindicalistas, líderes religiosos,
comunitários, ambientalistas. Só para confirmar estes dados, vale a
pena lembrar dois fatos trágicos: o massacre de Eldorado de Carajás
em 1996, durante o governo FHC e o assassinato da missionária
Dorothy Stang, em Anapu/PA, fuzilada barbaramente por fazendeiros em
2005, durante o governo Lula. “São pessoas que são eliminadas
porque pensam e agem de maneira contrária ao estabelecido. […] A
guerra é pela posse do Estado e do poder que dele decorre. Por outro
lado, há um quadro de insegurança geral provocado pela pobreza e
pelo desaparelhamento do aparato policial judiciário”. Segundo
Ximenes, isso decorre da fragilidade institucional do Estado, incapaz
de prover a segurança pública. “Vivemos uma crise econômica que
fragiliza ainda mais esse Estado, aumentando a disputa pelo poder”.
Achamos mais reais estas interpretações que as que agitam que
estamos diante da iminência do fascismo.
O atentado à caravana de
Lula seria então a confirmação da teoria sobre fascismo? “Um
ataque fascista” escrevem os companheiros do MAIS, uma das
correntes que se converteu numa das principais agentes desta teoria.
Nossa corrente, a CST, foi uma das primeiras a se pronunciar
publicamente repudiando veementemente esse fato antidemocrático.
Contudo, não vemos, apesar da gravidade de pretender cercear o
direito do PT a se manifestar, indicadores apontando que “bandas
fascistas” protagonizaram esse ataque. Vimos setores pró-Bolsonaro
e produtores rurais ultraconservadores do interior dos estados do sul
que protestavam de forma violenta contra um ex-presidente acusado de
corrupção em plena campanha eleitoral. Não vemos que daí possa se
concluir que são “bandas fascistas” organizadas pelo líder
Bolsonaro.
Por que se agita o
fantasma do fascismo?
Historicamente o fascismo
é a antípoda do socialismo. Em um sentido é a expressão mais
violenta contra a esquerda, os socialistas, as minorias dentro do
regime capitalista imperialista já que seu objetivo é destruir as
organizações da classe, retirar direitos e suprimir as liberdades.
Frente a situações desse tipo, a unidade de ação contra o
fascismo e a frente única operária se tornam uma necessidade.
Porém, o estalinismo utilizou-se muito desse perigo para avançar em
políticas de conciliação de classes que se concretizaram nas
frentes populares. Em todo mundo, e durantes muitos anos desde a
década de 30, os PCs defendiam alianças com setores progressistas
da burguesia “para impedir o avanço do fascismo”. Em nome desse
enunciado, cometeram atrocidades políticas, permitiram a
recomposição da burguesia em detrimento do avanço da revolução e
liquidaram muitos desses partidos ou os reduziram a grupos com pouca
significação política.
É possível reconhecer
elementos desta política conciliadora por parte das correntes que
agitam o fantasma do fascismo e se somam aos atos do PT. O PT, que é
um dos maiores responsáveis pela atual situação política, social
e econômica deste país, agita o fantasma do fascismo para vitimizar
sua principal liderança. Por trás dessa agitação, o objetivo
central é envolver o PSOL numa campanha para evitar a prisão de
quem é parte da corrupção sistêmica deste país e colocá-lo na
vitrine eleitoral. Tanto é assim, que não se importaram em abafar a
luta por justiça para Marielle e Anderson, colocando-a no mesmo
patamar dos tiros da caravana, que não atingiram ninguém. Nesse
contexto, é grave que um importante setor do PSOL tente apagar as
diferenças com um partido que no governo aprovou leis repressivas,
multiplicou a população carcerária com negros e pobres, que por
mais de uma década se colocou a serviço do sistema financeiro, das
multinacionais, das empreiteiras e do agronegócio. Não há
justificativas para se somar ao palanque de Lula como ocorreu no ato
do Circo Voador.
Foi grave assistir
Valério Arcary, “em nome do PSOL”, defender uma frente única
programática com PT e PCdoB para combater o fascismo. Foi grave
ainda Valério afirmar que “as diferenças do passado não nos
impedirão de estar presente em todos os atos por Lula com as
bandeiras do PSOL, com muito orgulho”, tentando apagar as
diferenças atuais com o partido que cometeu a pior traição contra
a classe trabalhadora e defendendo de forma incondicional um dos
principais protagonistas da corrupção sistêmica que assola nosso
país. Também foi equivocado Valério passar a ideia que o PT é de
esquerda, somando-se ao coro da plateia (majoritariamente petista)
que cantava “a esquerda unida jamais será vencida”. Fica claro
que o MAIS saiu do PSTU para se converter num dos principais agentes
das políticas oportunistas, eleitoreiras e de conciliação de
classes que já sustentava grande parte da direção do PSOL.
Mas há outro motivo
porque essas correntes agitam o fantasma do fascismo. O motivo está
relacionado à disputa da direção. Não é casual que o próprio
Valério Arcary, dirigente do MAIS, em fevereiro de 2017,
participando de uma mesa de debates da CSP-CONLUTAS, tenha
apresentado um cenário completamente desfavorável que não se
confirmou. Sobre a reforma da previdência afirmava categoricamente
que o governo tinha uma maioria consolidada para aprovar a reforma e
que eventuais recuos seriam apenas para ampliar a folga no placar.
“Eles podem depois fazer negociações nas regras transitórias,
para redução de danos, para garantir uma votação que vá muito
além dos 308 votos que eles precisam. Mas o núcleo duro da reforma
da previdência não tenham dúvida, a mão de Temer não vai tremer.
E agora tem Maia e Eunício de Oliveira para conduzir no Congresso
Nacional a reforma”, afirmava. Sobre a possibilidade de greve
geral, Arcary demonstrava um derrotismo ímpar. “Exige compreender
o momento no qual está hoje a classe. Hoje a classe não está
preparada para a greve geral, vamos dizer as coisas com toda a
verdade”. E completava sua fala apresentando um cenário de
completa apatia e conformismo dos trabalhadores. “A maioria da
classe, o humor que ela tem é: ‘parece que uma reforma da
previdência é inevitável. Mas esta está muito exagerada’. Essa
é a informação que vem”.
A realidade desmentiu
toda a avaliação de Arcary. Temer nunca sequer esteve sequer
próximo de ter os votos necessários para a aprovação da Reforma
da Previdência, mesmo com todos os recuos. A mão de Temer tremeu e
a reforma não foi à votação. Dois meses depois da explanação de
Arcary, a classe trabalhadora brasileira protagonizou a maior greve
geral de sua história.
Não é somente um erro
de cálculos, é parte da covardia política destes setores que se
negam a disputar a direção do movimento com políticas ofensivas
que respondam às reais necessidades da classe. Atuam permanentemente
alastrando o temor, apresentando cenários desfavoráveis, incutindo
que sem os burocratas não podemos decidir nada sozinhos. É assim
que esta corrente atua em maior parte no movimento sindical, onde
coloca toda a ênfase na unidade de ação com as direções
burocráticas e não na unidade-enfrentamento para disputar e ser uma
alternativa às direções traidoras. É um correlato da política
que expressam frente ao PT. É a estratagema do medo, como uma forma
de domesticar os movimentos para atrela-os às correntes que defendem
a conciliação de classes, burocráticas ou burguesas.
Como atuamos frente ao
fascismo sob a direção de Nahuel Moreno?
Frente a este debate,
muito se argumenta através dos excelentes escritos de Leon Trotsky,
o dirigente que mais elaborou sobre este tema e que merece ser lido
por toda a militância. Mas gostaríamos de analisar fatos concretos
mais recentes que podem ter maior valor comparativo e que foram
construídos em base aos ensinamentos de Leon Trotsky. Referimo-nos à
atuação do PST, partido argentino dirigido por Nahuel Moreno, que
durante a década de 70 teve que enfrentar ataques fascistas. Nestes
dias, históricos e respeitáveis militantes vinculados ao MAIS
utilizaram-se de Moreno nas redes sociais para justificar a política
de sua corrente. Uma comparação equivocada. A situação política
na Argentina na época era diferente do Brasil destes dias e a
política proposta pelo PST dirigido por Nahuel Moreno foi
completamente diferente da que defende o MAIS e Valério Arcary.
Um pequeno panorama dessa
situação. Os inícios dos anos 70 foram convulsionados na
Argentina. Derrotada a ditadura de Ongania/Levingston/Lanusse
(1966/72), abriu-se um período de fortíssimo ascenso na classe
trabalhadora. Eram os reflexos do “Cordobazo”, uma
semi-insurreição operária estudantil que colocou em xeque os
governos militares. Em 1973, Perón volta ao país depois de um
exílio de 18 anos. Para que se tenha uma ideia da situação, o 25
de maio de 1973, dia em que Hector J. Cámpora, designado por Perón,
assume a presidência do país de forma transitória, uma grande
mobilização se dirige a Devoto, o principal presídio de Buenos
Aires, passa por cima dos guardas, abre as portas da prisão e libera
todos os presos, os políticos e todos os que ali estavam. Os
operários realizavam greves vitoriosas contra a patronal e a
burocracia sindical. Ocupavam as fábricas, muitas vezes tomando como
reféns os altos funcionários das empresas, obtendo inúmeras
conquistas.
Este grande ascenso
promoveu o surgimento de milhares de ativistas. Infelizmente, pela
grande influência do peronismo nas fileiras do movimento operário e
da política guerrilheirista defendida por algumas correntes (entre
elas o SU da IV Internacional, dirigida por Ernest Mandel) não se
conseguiu consolidar uma organização de massas unificada com um
programa revolucionário, política pela que batalhava o PST. Em
setembro de 1973, Perón ganha as eleições presidenciais e assume
junto à sua esposa Estela Martinez, tendo o marido como vice. Com a
chegada ao governo, Perón, em acordo com a burguesia, tenta colocar
um freio ao ascenso deslocando os setores de esquerda remanescentes
do governo Cámpora e empossando setores de direita, muitos deles
pertencentes à burocracia sindical. Entre esses elementos estava seu
secretário pessoal durante o exílio, José Lopez Rega, um obscuro
sargento de polícia, conhecido como “O Bruxo”, que além de ter
bastante influência nas decisões de Perón e sua esposa, ocupou o
cargo de ministro de Bem Estar Social. Desde essa estrutura, começou
a recrutar ex-agentes das forças de segurança e junto com
importantes setores da burocracia sindical e suas bandas de jagunços
organizaram grupos paramilitares conhecida como a Triple A (Aliança
Anticomunista Argentina) para atacar dirigentes de esquerda,
ativistas sindicais e defensores de direitos humanos com um objetivo:
derrotar o ascenso da classe trabalhadora.
Antes da brutal ditadura,
que chegaria em março de 1976, Argentina viveu anos onde as lutas se
combinavam com o terror destas bandas que utilizavam o aparato do
ministério dirigido pelo “Bruxo” para organizar caçarias
humanas montados nos famosos carros Falcon. Nesse processo caíram
dezenas de dirigentes políticos, ativistas da esquerda peronista, do
PC, do PST e de correntes sindicais engajadas na luta. Todo mundo
sabia da existência dessas bandas organizadas na Triple A. Depois de
ameaças a vários companheiros, o dia 7 de maio de 1974 matam e
queimam Inocêncio “Índio” Fernandez, militante do PST e
delegado sindical de uma importante fábrica metalúrgica, categoria
onde o partido tinha bastante peso. Até então, já tinham matado
vários companheiros do PC e da esquerda peronista. Por isso o PST
vinha adotando fortes medidas de segurança. Os locais foram
fortificados e se estabeleceram vigilâncias armadas durante 24
horas. Também alguns dos dirigentes mais conhecidos passaram a
portar arma para sua autodefesa. Em 29 de maio, uma banda fascista da
Triple A, com mais de 20 integrantes, invade a sede do PST de
Pacheco, na grande Buenos Aires, e rendeu dois companheiros que se
mantinham de guarda na laje, entrando no local onde foram recebidos a
tiros por um dos companheiros que estava no térreo. Porém, a
superioridade numérica e de armas resultou que nossos companheiros
fossem rendidos. Três companheiros e três companheiras foram
carregados nos Falcon. As companheiras foram liberadas depois de
simulação de fuzilamento num descampado. Os três companheiros
foram fuzilados com dezenas de tiros cada um. Essa era a realidade na
qual se desenvolvia a luta na Argentina nos inícios dos 70.
Nesse cenário, o PST,
dirigido por Nahuel Moreno, que ainda iria velar outros importantes
companheiros antes do golpe militar, teve uma política permanente
para enfrentar as bandas fascistas. Adotou medidas de autodefesa das
sedes partidárias e de proteção de alguns dirigentes, durante o
ato em que foram velados nossos três companheiros de Pacheco, em
frente à sede central do partido. O PST convocou as correntes
presentes a se unirem contra o fascismo, não para acompanhar os
mortos ao cemitério, mas para organizar brigadas de autodefesa.
Vejamos trechos do
discurso de Nahuel Moreno naquele ato do que participaram correntes
de esquerda, socialistas, democráticas, humanistas e liberais e
sindicalistas: “(Queria) … fazer um chamado em nome do Comitê
Executivo de nosso partido. Há uma escalada fascista no país.
Escalada que… se predica desde o próprio governo […] Há um
silencio cúmplice do governo em tudo isto […] Frente a este perigo
[…] hoje estamos gritando aqui pela unidade de ação. Ao nosso
partido lhe preocupa profundamente se esta unidade de ação é para
acompanhar os cortejos até o cemitério ou se será unidade de ação
nas ruas para derrotar e esmagar à besta fascista. Não queremos a
unidade de ação para acompanhar os cortejos, a queremos é para
esmagar o fascismo… As bandas fascistas não fizeram distinção
entre a Juventude Peronista, o PC ou o PST. Seu objetivo é tratar de
quebrar a todas as organizações. É momento de tirar uma conclusão
muito importante que vem do Chile. O fascismo não se derrota pela
via das eleições! O fascismo não se derrota pela via das frentes!
Ai está a experiência de Allende em Chile, essa grande frente de
tipo eleitoral que se desmanchou como água entre as mãos ao
primeiro impacto do fascismo. O fascismo tampouco se discute. Não é
uma tendência política intelectual. O fascismo, companheiros, se
derrota nas ruas com os mesmos métodos que eles utilizam. […] Se
queremos honrar os mortos do PC, da JP e os nossos mortos também
temos que fazer uma reflexão. Apreendamos com o fascismo no Chile.
Apreendamos que antes que eles nos matem temos que os deter! Por
isso, a direção de nosso partido, como resolução de seu Comitê
Executivo, convida a todas as tendências aqui presentes para a
próxima quarta-feira, às 19 horas, em nossa sede, começar a
construir as brigadas ou piquetes antifascistas, operários e
populares que serão a ferramenta com a que vamos abater
definitivamente as bandas fascistas de nosso país”.
Infelizmente, o chamado
do PST não foi atendido a não ser por alguns poucos dirigentes de
forma individual, pelo que não se conseguiu concretizar a formação
das brigadas de auto defesa unificadas, porém os militantes do PST
continuaram com as práticas de autodefesa tanto nas sedes do partido
como em âmbito pessoal.
Fica demonstrado que a
situação argentina era muito diferente quando o morenismo
denunciava a existência de bandas fascistas. Também é bem
diferente a política enunciada por Nahuel Moreno, criticando os
erros de Allende frente ao PC, para tirar conclusões e chamar a
formação de brigadas de autodefesa para combater o fascismo.
Arcary, sem ao menos dizer que diferenças importantes com o PT nos
separam, falou generalidade sem demonstrar a existência do fascismo
e propôs como saída “ir com as bandeiras do PSOL, orgulhosamente,
a todos os atos em defesa de Lula”. Enquanto Moreno nos ensina uma
real política para combater o fascismo, formando piquetes unitários
de autodefesa, Arcary nos chama a tremular bandeira do PSOL em defesa
de Lula. Ele e o MAIS caracterizam que a classe trabalhadora está na
defensiva, apenas resistindo, e o governo na ofensiva aplicando todos
os planos desejados pela burguesia e pelo imperialismo. Se isso é
verdade, se a classe trabalhadora está somente na defensiva, para
que a burguesia precisaria recorrer ao fascismo?
Centrar esforços na luta
contra o fascismo e em atos em defesa de Lula como nos propõem
algumas correntes e dirigentes de esquerda é um grave erro que nos
retira o foco. As grandes tarefas que temos pela frente são:
continuar mobilizados com a maior unidade de ação para desvendar o
assassinato de Marielle e Anderson, exigindo justiça e condenação
dos executores e mandantes deste brutal crime político e, junto a
isso, manter a luta unificada contra a reforma da previdência e o
plano de ajuste do ilegítimo governo Temer, sem descuidar das
importantes lutas que estão acontecendo por salário e melhores
condições de trabalho, levando a solidariedade a esses processos e
ajudando para que sejam vitoriosos.
Extraído de:
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