Michel Temer se
transformou em uma espécie de criança feia que ninguém quer
embalar. É comum o jogo de empurra-empurra entre os diferentes
campos políticos que buscam polarizar a sociedade brasileira sobre
de quem é a responsabilidade por ele estar na Presidência da
República.
Os
antipetistas culpam os eleitores de Dilma, os “mortadelas”, por
terem votado na chapa em que Temer era candidato a vice. Os petistas,
por sua vez, culpam os “paneleiros”, os “coxinhas” que foram
às ruas pedir a saída de Dilma, pela ascensão de Temer.
Seria leviano ficar nessa
briga de torcida da base, seja militante, seja meramente eleitoral.
Estes, em sua maioria, são mais vítimas do que algozes das táticas
de quem realmente articula a política, em suma, os dirigentes.
A aliança com o PMDB,
assim como com outros partidos, foi uma tática elaborada pela
direção do PT que apresentou-a como única possibilidade de
garantir uma governabilidade para administrar o país e realizar
mudanças profundas. Os críticos dessa tática eram apresentados
como ultraesquerdistas puristas e sectários afobados que não
enxergavam a complexidade da realidade.
O tempo foi passando e
nenhuma reforma social foi realizada e o que se viu foi o PT
aderindo, reproduzindo e aprofundando os métodos corruptos vigentes
e dando sequência ao plano econômico e de contra-reformas do seu
antecessor e a tal governabilidade terminou no impeachment de Dilma,
com votos dos partidos que sustentaram os governos petistas,
incluindo o próprio PMDB.
Apesar de tudo nenhuma
autocrítica foi feita e o mesmo velho jogo político segue sendo
jogado pelo PT que saiu em aliança eleitoral em 2016 com os partidos
que votaram pelo impeachment de Dilma, votou nos candidatos desses
mesmos partidos para as casas legislativas (incluindo os candidatos
de Temer) e já anuncia que se retornar ao Planalto em 2018 será com
a mesma tática que já se mostrou fracassada. Tudo isso mostra o
nível profundo de adaptação e de compromisso do PT com o regime.
Dito isso, tendo em vista
que o objetivo aqui é tentar apurar os responsáveis pelo “Temer
lá”, vejamos o que diziam os principais líderes petistas sobre o
peemedebista e o seu partido há poucos anos atrás.
“Estamos irmanados
no projeto de transformação do Brasil, e assim queremos continuar
por muito tempo”, disse o presidente nacional do PT, Rui
Falcão, em convenção do PMDB em 2013. [1]
Na ocasião Lula enviou
uma mensagem que foi lida por Falcão, com as seguintes declarações:
“A partir de 2006,
constituímos uma sólida coalizão de governo para impulsionar as
mudanças econômicas e sociais que o país sempre almejava”.
[2]
“Juntos, fizemos o
país voltar a crescer. Somamos esforços para resgatar a soberania
nacional. Preservando a identidade de cada um dos nossos partidos,
fomos capazes de construir uma parceria programática e política”.
[ibidem]
“No meu governo, o
PMDB deu uma contribuição fundamental. No governo da presidente
Dilma, estreitamos ainda mais as nossas relações, e Michel Temer
tem cumprido papel particularmente significativo”. [idem 1]
“Lado a lado, com
Dilma e Temer, garantiremos conquistas ainda maiores para o Brasil e
para o povo brasileiro”. [ibidem]
A então Presidente,
Dilma Rousseff, estava presente e fez a seguinte saudação:
“É uma honra
participar da convenção do partido, que é o maior parceiro do meu
governo. O convite do PMDB para estar aqui ofereceu a oportunidade
extraordinária para que, juntos, possamos celebrar essa parceria,
produtiva e que sem dúvida alguma terá uma longa vida”. [3]
“O PMDB me ajuda a
governar e, sobretudo, me deu uma de suas maiores contribuições: o
vice-presidente Michel Temer, que divide comigo a responsabilidade
pela condução do país, e reforça com as suas qualidades de
político competente, sério e excepcional negociador a capacidade de
articulação do governo”. [ibidem]
“Só tenho que
agradecer pelo trabalho do Temer, pela sua solidariedade e parceria”.
[ibidem]
Michel Temer, agradeceu
os elogios e defendeu a continuidade da parceria:
“Esta chama
incendeia todos os corações do PMDB e tenho dito, com muita
frequência: vamos manter essa aliança indestrutível PT-PMDB, com
Vossa Excelência conduzindo os destinos do país para o bem e o
aplauso do povo brasileiro”. [idem 1]
Henrique Alves, para
acabar com as especulações de que o PMDB sairia com Eduardo Campos,
deixava claro qual era o compromisso do partido:
“Em 2014 vamos
colher os frutos do nosso trabalho, da nossa competência, para
tornar em 2014 Michel vice-presidente, a presidenta Dilma reeleita e
o maior número de governadores”. [idem 1]
Muitas outras citações
poderiam ser acrescentadas, como a do encontro do PMDB de 2011,
quando Dilma declarou “Viva o povo brasileiro, viva o PMDB, viva
o Brasil!” [4] mas não há necessidade de cansar o leitor
comprovando o óbvio, uma vez que a aliança do PT com o PMDB não
era segredo para ninguém e tampouco os rasgados elogios de lado a
lado. Mas fica claro o tamanho da hipocrisia daqueles que, após o
impeachment, tentam diminuir o papel de Temer e do PMDB nos governos
petistas, como se eles fossem mera decoração supérflua.
Fica evidente que os
dirigentes petistas são os grandes responsáveis por levar Temer ao
poder ao realizar aliança com o PMDB e colocá-lo como vice de
chapa. No Brasil, a eleição majoritária se dá por chapas (cada
uma com um presidente e um vice-presidente). O § 1º do Artigo
77 da Constituição Federal é bem claro: “A eleição do
Presidente da República importará a do Vice-Presidente com ele
registrado.” [5]
Logo, por mais incômodo
que seja para alguns ter que admitir, a acusação dos antipetistas
procede: quem votou em Dilma, votou em Temer. É um aviso que a urna
eletrônica já dava ao eleitor ao mostrar a foto de ambos. Quem
digitou o “13” do PT levou junto o “15” do PMDB. É a regra
do jogo. Um jogo que os dirigentes petistas se dispuseram a jogar e
que acreditavam já estar craques imunes a ponto de colocar quem bem
entendessem de parceiros.
Portanto, o PT é o pai
biológico do “Temer lá”. Mas e quanto aos antipetistas? Será
que eles não têm nenhuma responsabilidade? Para descobrir tal
resposta novamente temos que sair das bases e suas brigas rasteiras
de torcidas organizadas.
As jovens lideranças do
impeachment, sobretudo o MBL (Movimento Brasil Livre) e o Vem Pra
Rua, se apresentavam como “apartidários” inconformados que não
toleravam a corrupção, e que por isso primeiro tirariam a Dilma e
depois tirariam o resto.
Pois no mesmo ano do
impeachment, o MBL lançou 44 candidatos a vereador e 1 a prefeito.
Elegeu 7 vereadores, com destaque para Fernando Holiday em São
Paulo, e 1 prefeito. PSDB e DEM foram os partidos mais escolhidos
para filiação pelos membros do movimento. PP, PSC, Novo, PEN, PHS,
PMDB, PPS, PRB, Pros, PSB, PTB, PTN, PV e SD também contaram com
filiados do MBL. [6]
O Vem Pra Rua lançou
candidatos em 8 capitais. Diferente do MBL o movimento exige que os
postulantes a cargos eletivos se desliguem dele, podendo retornar
caso não se elejam [7]. Recentemente Rogério Chequer, coordenador
do Vem Pra Rua, se desligou do movimento para pré-candidatar-se ao
governo do Estado de São Paulo pelo Partido Novo. Apesar de defender
que se deve buscar “pensar fora da caixa” e do discurso de
“renovação” na política, Chequer defende o ajuste do
PSDB paulista, as suas “grandes obras” (que deveriam
apenas ser concluídas mais rapidamente) e privatizações. [8]
É legítimo que
integrantes de movimentos se filiem em partidos e lancem candidatos,
porém, causa estranheza que tal atitude parta de quem se dizia
“apartidário” e é curioso que as filiações tenham tido como
organizações políticas prioritárias as siglas que integram os
mesmos esquemas de corrupção o qual teriam se insurgido. Depois
descobriu-se que boa parte desses partidos forneceu aparato para os
atos do impeachment [9]. Não foi por acaso que em 13 de março de
2016 os tucanos Geraldo Alckmin e Aécio Neves foram no ato da
Avenida Paulista buscar palanque – objetivo frustrado pelos
manifestantes de base que não hesitaram em vaiá-los e expulsá-los.
[10]
No final de 2016 e início
de 2017 MBL e Vem Pra Rua chamaram atos “contra a corrupção” e
em “defesa da Lava Jato”, porém, não atacavam um dos grandes
desarticuladores da famosa operação da Polícia Federal: Michel
Temer. Rogério Chequer, coordenador do Vem Pra Rua, sequer
tergiversou sobre o caráter do ato de fevereiro de 2017: “queremos
deixar bem claro que este não é um ato ‘fora, Temer’”
[11]. No episódio em que Temer criou um ministério para conferir
foro privilegiado a Moreira Franco, investigado pela Lava Jato, o MBL
lamentou a criação do ministério, não a blindagem de Franco.
Posteriormente foram além, repetindo o discurso dos integrantes do
governo de que o caso de Moreira Franco era diferente do de Lula.
[12]
Em maio de 2017 esses
movimentos chegaram a ensaiar a marcação de atos contra Michel
Temer após a divulgação dos áudios do empresário Joesley
Batista, da JBS, mas recuaram rapidamente. Na ocasião, o Vem Pra Rua
alegou motivos de segurança para transferir o ato enquanto que o MBL
simplesmente abandonou o pedido de renúncia: “Há motivo de
sobra para investigar Temer nos áudios, mas eles são
inconclusivos”, justiticou Kim Kataguiri. “Vamos suspender
a posição pró-renúncia até que surjam novas informações”,
concluiu o coordenador do MBL.
[13]
Pedir para o peemedebista
renunciar já era uma postura recuada para quem já havia bradado com
toda a energia “Fora” para outra pessoa que ocupou o mesmo cargo,
mas rompia um pouco com a blindagem descarada que vinha sendo
praticada até então. Possivelmente a rapaziada da direita, vendo o
furo no barco, achou que ele fosse naufragar e tentou se antecipar
para aparentar coerência, no que deve ter sido enquadrada por algum
figurão de um dos partidos da Lava Jato que lhes fornece apoio,
aparato e nos quais alguns de seus membros estão filiados. Ídolo do
MBL, o Prefeito de São Paulo, João Dória, defendeu, na ocasião, o
governo Temer e a permanência do PSDB nele. [14]
De lá para cá novos
fatos de corrupção envolvendo Michel Temer surgiram, por duas vezes
ele utilizou fartos recursos públicos para comprar deputados e
barrar investigações, e a rapaziada que ia “tirar o resto” se
limitou a postagens tímidas nas redes sociais. Nem o julgamento
sobre a cassação da chapa Dilma-Temer, pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), foi capaz de levá-los às ruas – logo eles que
vivem dizendo que a culpa do “Temer lá” é dos eleitores de
Dilma por terem votado na chapa PT-PMDB.
Ricardo Bordin, em artigo
publicado no Instituto Liberal de São Paulo [15], tenta explicar, em
cinco tópicos, a postura dos movimentos que lideraram o impeachment
diante de Temer. O texto foi escrito após a divulgação dos aúdios
de Joesley Batista.
Ele começa abordando a
gestão econômica do governo Dilma com a sua consequente perda de
apoio popular devido ao “estelionato eleitoral” do
“desenvolvimentismo”, quando o estelionato foi exatamente o
oposto disso, ou seja, Dilma negou na campanha a política de ajuste
fiscal e de retirada de direitos que passou a aprofundar tão logo
reeleita. “Não mexo em direitos trabalhistas nem que a vaca
tussa”, frase famosa de campanha da petista que se transformou
em incoerência quando, após as eleições, ainda em 2014, seu
governo anunciou cortes no auxílio-doença e no seguro-desemprego,
além de privatização de hospitais universitários.
“Michel Temer, a seu
turno, antes mesmo de assumir a chefia do Executivo Federal, propôs
a adoção de providências visando reverter a tendência de
degradação dos indicadores econômicos, por meio de sua conhecida
“Ponte para o Futuro”. É como se Temer nunca tivesse sido
vice de Dilma. Bordin parece se apropriar do argumento da “figura
decorativa” utilizado pelos petistas para isentar o peemedebista de
qualquer responsabilidade pela política econômica que levou o país
à recessão. Mas ele consegue ir além.
“Como resultado das
ações deste programa”, diz, “o panorama financeiro que
se desenhava no horizonte, após a troca de comando em Brasília,
passou a parecer menos feio”. E por fim conclui:
“E como sabemos que
a parte mais sensível do corpo humano é o bolso, é natural que a
ira dos brasileiros contra o vice de Dilma tenha se tornado menor em
comparação com a titular da chapa.”
Temer estaria despiorando
o “panorama financeiro”, por isso seria menos impopular do que
Dilma, portanto, o povo não estaria disposto a ir às ruas contra
ele. Ora, seria mais digno Bordin admitir que é ele e os seus
comparsas que não querem ir às ruas contra Temer. Até porque a
blindagem e a omissão seguiram mesmo quando Temer superou Dilma em
impopularidade. [16]
Nos três tópicos
seguintes, Bordin aborda aspectos institucionais. No segundo
argumenta que a Lava Jato seguiu a contragosto dos políticos e que
atingiu importantes tucanos e até o presidente. Atribui esse fato a
“nobre missão de saneamento institucional” da qual
estaria imbuído Sérgio Moro e “demais magistrados”. Não
analisa as contradições institucionais fruto da profunda crise do
regime, esquece de mencionar as inúmeras interferências políticas
(incluindo as do próprio Temer) que já livraram alguns políticos,
assim como as incoerências dos próprios “saneadores
institucionais”. Tais omissões facilitam na conclusão de que,
se a Lava Jato segue fazendo o seu trabalho, por que o povo deveria
ocupar as ruas?
“Os últimos eventos
armagedônicos, aliás, ajudam a entender (ao contrário do que se
poderia imaginar) ainda melhor porque a Avenida Paulista não está
tomada de ponta a ponta nos dias de hoje.”
“Existe forte
expectativa de que Temer seja apeado do cargo em breve”, é o
título previdente do terceiro tópico. Qual a razão de tamanha
certeza? “(...), as instituições, no momento presente, estão
cumprindo seu papel – melhor do que de costume, como pôde-se
observar”. A realidade é tão contundentemente oposta a
tamanha previsão e afirmação que a única coisa que cabe aqui são
boas, ainda que indesejadas, gargalhadas.
No quarto tópico ele se
questiona sobre “à possibilidade de impeachment” de
Temer. Reconhece que Rodrigo Maia não deseja abrir tal processo
contra Temer mas acredita, novamente previdentemente, que a
conjuntura por si só vai derrubar o presidente e reacomodar os
cargos institucionais: “De qualquer forma, será que vale a pena
mesmo esperar mais seis meses (seguindo o rito estabelecido pelo STF
em 2016), com o país em compasso de espera, para somente então
convocar eleições indiretas – reduzindo a pouco menos de um ano o
mandato do presidente tampão? Há controvérsias.”
Por fim, no quinto, e
último tópico, aborda a pressão por pedido de renúncia de Temer.
E avaliza a posição do MBL e do Vem Pra Rua. Sobre o recuo do MBL
justificado por Kim Kataguiri diz: “Difícil discordar da
prudência do rapaz.”
Após cinco tentativas de
justificar a postura do MBL e do Vem Pra Rua diante de Temer, conclui
reconhecendo que estão a fazer “concessões” à “Esquerda
“moderada” no poder (da qual também faz parte o PMDB)” mas
que a “Direita (de verdade)” quer é “ver bandidos na
cadeia (todos, sem exceção) e que o país possa seguir seu rumo
apesar de tudo, nem que seja aos trancos e barrancos”.
Não é o ponto aqui
desmontar essa falácia de que o PMDB é de “esquerda moderada”,
até porque a própria posição de Bordin, “o direitista de
verdade”, de fazer “concessões” a ele depõem contra a sua
caracterização. Não é casual que essa “concessão” resulte na
blindagem de certos bandidos em vez de ajudar na condenação de
“todos, sem exceção”. O certo é que com os planos de ajustes
de Temer e as suas contra-reformas apoiadas por Bordin, e que seriam
tocadas por Dilma (na verdade foram elaboradas ainda na gestão
petista), o país seguirá seu rumo cada vez mais aos trancos e
barrancos.
Mais do que “concessões”,
Rodrigo Constantino parece maravilhado com o governo Temer. Em artigo
intitulado “Os impressionantes avanços em menos de um ano de
governo Temer” [17], critica aqueles que difundem por aí que
os políticos “são todos iguais”, ainda mais os que se
apoiam na corrupção para confirmar essa “tese”.
Embora figure nos mesmos
esquemas de corrupção que os outros partidos Constantino não tem
dúvidas de que a corrupção do PT, e da esquerda, é pior. A
corrupção do PT visaria um projeto de “poder” e por isso
“não dá para comparar” com “PMDB, PSDB e DEM”.
Vai ver esses partidos investem a propina paga para as campanhas
eleitorais em carrocinha de cachorro quente e não nos seus objetivos
de chegar e/ou se manter no poder. E certamente o Triplex e o Sítio
de Atibaia são os sovietes supremos de Lula.
Essa tentativa de
diferenciar a corrupção “totalitária” do PT e a meramente
“fisiológica” dos demais partidos surge com frequência em
algumas análises da direita brasileira. Não é, portanto,
exclusividade do ex-colunista da Veja. E tem servido de justificativa
para o apoio, digo, “concessão” a partidos como o PMDB e a
políticos como Temer.
Apesar de terem
governados juntos por anos e a crise brasileira possuir as digitais
(para usar uma expressão cara a Constantino) tanto do PT quanto do
PMDB, entre outros, ele não tem dúvidas de que não “são
todos iguais”. “Bastou trocar o comando da economia (…)
e colocar gente mais séria, que o choque de credibilidade foi
automático, as expectativas voltaram a ficar ancoradas, e a inflação
cedeu.” Constantino já se esqueceu que Henrique Meirelles foi
ministro do governo Lula e que recentemente foi alvo da Operação
Greenfield da Polícia Federal?
Constantino celebra as
reformas trabalhista e da previdência coisas que “os petistas
não fizeram em 14 anos no poder” (Se esqueceu da reforma da
previdência de Lula de 2003? E da sindical/trabalhista de 2005 que
só não saiu devido ao mensalão?). Talvez ele tenha ficado
deslumbrado com a utilização da capa do seu livro na propaganda
oficial do governo Temer, fato que ele utiliza para mostrar o quão
diferente o peemedebista é do PT: “Na propaganda oficial do
governo para as reformas, até a capa do meu livro Privatize Já foi
utilizada! O que demonstra que o governo de transição de Michel
Temer já representa um “upgrade” e tanto em relação ao PT,
convenhamos. O PT usaria meu livro apenas para fazer uma fogueira,
com petistas pintados e nus fazendo “uga-uga” em volta e batendo
tambores.”
Apesar de ser
“perfeitamente legítima a sensação de que “nada presta”
na política nacional” é preciso “ter muita calma nessa
hora” e ter consciência de que “só o PT tem “bandidos
preferidos”. Além do mais, embora “PMDB, PSDB e DEM
estejam bem longe da direita liberal, representam uma mentalidade
menos ideológica, menos intervencionista” e “estão
fazendo coisas certas, importantes, cujos resultados já podemos
ver”. Não resta dúvidas: “por mais que Temer e o
PMDB/PSDB mereçam inúmeras críticas, não podemos cair na
estupidez de repetir a narrativa petista de que “são todos
iguais”. Não são, como ficou claro.”
A narrativa do “são
todos iguais” é uma percepção popular diante dos esquemas de
corrupção que envolvem praticamente todos os partidos comprometidos
com o regime. Ela não tem sua origem no PT e os próprios petistas
se insurgem contra ela. Diferente de Constantino as massas sabem que
os vários partidos integram os mesmos esquemas de corrupção.
Por fim, em tom
celebrativo, ele conclui com mais uma diferenciação:
“O PT é uma bomba
atômica lançada contra o Brasil. Os demais são medíocres, em
muitos casos corruptos, mas não chegam nem perto desse potencial de
destruição. Basta deixar a ideologia e o preconceito de lado para
reconhecer: houve avanços impressionantes com Temer no poder, e o
“presidento” não completou nem um ano de gestão.”
Posteriormente,
Constantino, que disse que “só o PT tem “bandidos
preferidos”, atacou duramente os Bolsonaros (Jair e Eduardo)
por terem votado a favor da investigação da denúncia contra Temer
[19]. Chamou a atenção o fato de muitos dos seguidores dos próprios
deputados criticá-los nos mesmos termos de Constantino. [20]
É importante ir além
desse voto e observar mais atentamente a postura dos Bolsonaros, que
se intitulam autênticos direitistas, diante de Temer e do PMDB.
Em 2 de agosto de 2016,
Jair Bolsonaro, em tom de reivindicação do governo Temer, pede ao
peemedebista, entre outras coisas que:
“Prezado Presidente
Michel Temer, sua Secretária Especial de Direitos Humanos, Flávia
Piovesan, no jornal O Globo, há poucos dias, fez o editorial que
praticamente só faltou terminar com “Fora, Temer!” Ou seja,
Presidente Michel Temer, nós temos que desaparelhar o Governo desses
esquerdistas que estão aí, não podemos botar gente dentro do
Governo que esteja aliado ao PT. Isso é inadmissível!” [21]
Em março de 2017, Jair
Bolsonaro grava vídeo ao lado do filho Flávio, e no estilo caricato
que lhe é peculiar, critica a Reforma da Previdência que “vai
dar munição para o PT crescer em 2018” e pede para Temer “ser
homem” e ter “coragem” de “cortar as indicações
políticas” que geram “corrupção” e
“ineficiência”, que assim ele “não vai responder
por nada que antes de assumir” a Presidência [22]. Não
responder por nada de antes? Que contraste para quem se apresenta
como o campeão do combate à corrupção!
Quando estourou o
escândalo dos áudios de Joesley Batista, que atingiram em cheio
Temer e Aécio (candidato de Bolsonaro no segundo turno de 2014 [23]
e figura da qual anunciou desejar querer ser vice [24]), Bolsonaro
gravou um vídeo em seu gabinete que começa com inserções do
jornal Bom Dia Brasil da Rede Globo abordando o fato e logo a
seguir ele faz uma fala de pouco mais de 2 minutos desancando o PT,
sem mencionar uma única vez o nome do tucano e do peemedebista. [25]
No início de 2017, o
deputado estadual Jorge Picciani (PMDB-RJ), que já havia sido
delatado à Lava Jato [26], foi reeleito para presidir a Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, com voto favorável de
Flávio Bolsonaro. Como informa o jornal Extra: “Somente os
cinco deputados do PSOL (Eliomar Coelho, Flavio Serafini, Marcelo
Freixo, Paulo Ramos e Wanderson Nogueira) e o Dr. Julianelli (Rede)
votaram contra a recondução do parlamentar ao cargo”. [27]
E por falar em voto, o
tom do discurso dos Bolsonaros, quando votaram a favor da denúncia
contra Michel Temer, foi bem diferente de quando votaram pelo
impeachment de Dilma:
“Senhor Presidente
[da Câmara]: o problema do Brasil não é a troca de Presidente [da
República], é a corrupção. Pela abertura das investigações, meu
voto é ‘não’”. (Eduardo Bolsonaro)
“Para ser uma grande
nação o Brasil precisa de um presidente honesto, cristão e
patriota. Meu voto é ‘não’”. (Jair Bolsonaro) [28]
A postura dos Bolsonaros
diante de Temer e do PMDB, vacilante até mesmo no momento do voto
contrário, parece confirmar a acusação de sobrevivência eleitoral
feita por Constantino. Na ocasião, o peemedebista afundava cada vez
mais nos índices de impopularidade e a maioria da população
desejava que as investigações prosseguissem. [29]
O deputado estadual
gaúcho, Marcel van Hattem (PP-RS), um dos fundadores do MBL [30],
ficou famoso nacionalmente por ter posado como “papagaio de pirata”
de Temer na sua posse. Em entrevista ao Jornal Zero Hora de Porto
Alegre defendeu que Temer não deveria sofrer impeachment, ainda que
tenha integrado a chapa de Dilma e mesmo emitindo decretos de
pedaladas fiscais: “A doutora Janaina Paschoal já explicou bem
isso, ele não teve responsabilidade direta. Ele substituiu
provisoriamente a presidente Dilma algumas vezes”, justificou.
[31]
Com a divulgação da
gravação de Joesley Batista, Van Hattem se disse envergonhado da
imagem da posse, assim como por ter votado em Aécio Neves: “Dilma,
Lula, Temer, Aécio… Fora Todos!”, foi a sua postagem no
Facebook. “Não tenho bandido de estimação”, respondeu a
um seguidor na rede social [32]. A consequência dessas palavras foi
conferida dois meses depois quando o deputado acionou o Ministério
Público para retirar faixas afixadas em escolas estaduais que pediam
“Fora Temer”. [33]
É importante lembrar que
as acusações contra Temer não começaram após a sua posse. Ele já
havia sido delatado à Lava Jato e foi citado 21 vezes na Castelo de
Areia – operação deflagrada em 2009 pela Polícia Federal e que
chegou a pegar o período em que ele era deputado federal
(1996-1998). [34]
Seja pela linha altamente
questionável do “menos pior”, seja pelo apoio às medidas de
ajustes e às contra-reformas (que são as mesmas de Dilma [35]),
seja por outro motivo qualquer, ginásticas retóricas à parte, os
fatos comprovam que objetivamente a direita majoritária no Brasil
defende Michel Temer. Até mesmo Olavo de Carvalho, que critica
duramente os movimentos do impeachment por terem ficado apenas na
Dilma, teve momentos de mais tolerância com o peemedebista:
“Não sou contra o
Michel Temer, mas uma coisa é certa: ninguém no Brasil deve nada a
ele; ao contrário, ele é que deve o seu cargo atual à benevolência
(excessiva, a meu ver) do movimento antipetista, que aceitou um
arranjo meia-bomba em vez de cassar logo o mandato dos dois
vencedores de uma eleição fraudulenta. Se ele quer desempenhar um
papel honroso, que desça do pedestal e comece a obedecer a Janaina
Paschoal, a Joice Hasselmann, a Beatriz Kicis, a Carla Zambelli e
outros benfeitores (alguns involuntários) da sua carreira.”
[36].
Assim, se o PT foi o pai
biológico do “Temer lá” a direita é o seu padrasto – e tem
sido um provedor muito responsável, dócil e generoso. A acusação
dos petistas, portanto, também procede.
Só não embalou esta
criança quem teve uma postura de independência política, quem
defendeu voto nulo ou branco em 2014. A propaganda tucana do “A
culpa não é minha, eu votei no Aécio” ficou completamente
desmoralizada não só com as acusações contra o senador mineiro
como principalmente pelo fato do PSDB ter aderido ao governo Temer --
o que não é nenhuma surpresa já que o peemedebista e o seu partido
foram aliados do governo Fernando Henrique Cardoso e ajudaram a
abafar escândalos, como o da compra de votos para a reeleição.
Finalizamos esclarecendo
mais uma vez que tratamos aqui no nível de direção política e na
difusão intelectual, que as bases, ainda que levadas a aderir a um
dos caminhos da falsa polarização, são vítimas e não algozes. O
jogo de empurra do “Temer lá” é um dos símbolos mais
emblemáticos da falsa polarização política na qual tentam afundar
o nível de consciência da sociedade brasileira. Desmascará-la é
fundamental.
Leia também:
Brasil: cai a máscara da
falsa polarização. 19/02/2017.
Um acordão para “salvar
todo mundo” menos os direitos do povo! 05/07/2017.
___________________________________________________
[1] Aliança entre PT e
PMDB terá “longa vida”, diz Dilma. 02/03/2013.
[2] Lula elogia Temer e
destaca coalizão PT-PMDB. 02/03/2013.
[3] Dilma diz que aliança
com PMDB terá 'vida longa'. 02/03/2013.
[4] Viva o PMDB! 23/09/2011.
[5] CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.
[6] MBL elegeu oito de seus
45 candidatos. 03/10/2016.
[7]
Das ruas para as urnas: os líderes de protestos que migraram para a
política neste ano. 27/09/2016.
[8] Pré-candidato a
governador, Rogerio Chequer diz que falta renovação política em
SP. 16/12/2017.
[9] Áudios mostram que
partidos financiaram MBL em atos pró-impeachment. 27/05/2016.
[10] Alckmin e Aécio são
hostilizados na chegada à manifestação na Paulista. 13/03/2016.
[11] MBL e Vem Pra Rua
convocam manifestações a favor da Lava Jato. 14/02/2017.
[12] Em maio de 2016 a
então presidente Dilma Rousseff nomeou Lula Ministro da Casa Civil o
que ia lhe conferir foro privilegiado.
[13] MBL recua em pedido
de renúncia e Vem Pra Rua adia ato contra Temer. 19/05/2017.
[14] Doria defende
permanência do PSDB no governo Temer. 27/06/2017.
[15] Por que MBL e
similares não estão nas ruas exigindo a saída de Temer? Ricardo
Bordin. ILISP, 02/06/2017.
[16] A popularidade de
Dilma no impeachment e a de Temer na denúncia criminal. 28/07/2017.
[17] Os impressionantes
avanços em menos de um ano de governo Temer. 12/05/2017.
[18] Deputado estadual
gaúcho chama atenção ao aparecer ao lado de Temer em seu primeiro
discurso. 12/05/2016.
[19] Bolsonaro vota de
acordo com campanha petista e global pela saída de Temer, e é
detonado por editor de direita. Blog do Rodrigo Constatino,
02/08/2017.
[20] Eleitores de
Bolsonaro se revoltam com voto do deputado na denúncia contra Temer.
03/08/2017.
[21] Jair Bolsonaro.
Discurso na Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados,
nº 131, p.45, 03/08/2016.
Jair Bolsonaro Manda
Recado Para Michel Temer. 03/08/2016.
[22] BOLSONARO DETONA
TEMER E DIZ PRA ELE TOMAR VERGONHA NA CARA E VIRAR HOMEM. 24/03/2017.
[23] Bolsonaro pediu que
Deus ajudasse o Brasil a votar em Aécio para Presidente. 19/05/2017.
[24] "Se eu não for
candidato, quero ser vice de Aécio", diz Jair Bolsonaro.
22/05/2014.
[25] Bolsonaro comenta o
fim do Temer e afirma que o pior está por vir!!! 18/05/2017.
[26] Delator diz que
Picciani pediu propina em três campanhas eleitorais. 05/11/2016.
[27] Jorge Picciani é
reeleito presidente da Assembleia Legislativa do Rio. 01/02/2017.
[28] Veja como votou Jair
Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro na denúncia contra Michel Temer l
02/08/2017.
[29] Datafolha aponta que
54% querem Lula preso e 89% avaliam que Câmara deve autorizar
denúncia contra Temer. 02/10/2017.
[30] Marcel Van Hattem,
um dos fundadores do MBL e fabuloso deputado estadual no Rio Grande
do Sul fazendo história em apenas um mês de mandato! Facebook do
MBL, 04/03/2015.
[31] "Estou com o
WhatsApp bombando", diz deputado gaúcho que acompanhou discurso
de Temer de perto. 12/05/2016.
[32] Político que saiu
em foto com Temer se diz envergonhado. 18/05/2017.
[33] Deputado quer
explicações sobre faixa com “Fora Temer” em escola. 18/07/2017.
[34] Quais
são as suspeitas e ameaças que pairam sobre Temer. 10/05/2016.
[35] Esta afirmação por
vezes gera polêmica. Por isso algumas lembranças são necessárias:
- A PEC dos gastos de Temer tem a sua origem no “Novo Regime
Fiscal” do governo Dilma, tanto que o governo do PT no Piauí
aprovou uma versão estadual da PEC de Temer com o nome “dilmista”.
- O teor do plano de acordo da dívida com os Estados de Temer, que é
uma verdadeira chantagem, é o mesmo do PLP 257/16 de Dilma.
- A contra-reforma do Ensino Médio de Temer tem a sua base na
proposta do governo Dilma.
- Dilma já havia se comprometido com uma nova contra-reforma na
previdência e atacado direitos trabalhistas.
- Tanto Dilma quanto Temer vetaram proposta de auditar a dívida
pública brasileira.
- A entrega do restante do pré-sal já havia sido apoiada por Dilma
em votação no Senado Federal em 25/02/2016.
- Em 2003 o governo Lula aprovou uma contra-reforma da previdência
que aumentou a idade mínima, introduziu a taxação dos aposentados,
acabou com a aposentadoria integral, criou um fundo complementar que
privatizou parte da previdência, acabou com a paridade nos reajustes
dos servidores da ativa com os aposentados e reduziu as pensões aos
dependentes.
- Em 2005 o governo Lula elaborou, junto com as centrais sindicais e
os empresários, uma reforma sindical/trabalhista que tinha como
central o acordado sobre o legislado. Tal projeto só não foi
apreciado pelo Congresso Nacional devido ao estouro do escândalo do
mensalão que modificou os trabalhos do parlamento.
- Desde o primeiro governo Lula as administrações petistas
realizaram privatizações.
Ver mais detalhes em:
Lula: ruptura ou continuidade de FHC? Jorge Nogueira, 27/11/2010.
[36] Olavo de Carvalho.
Facebook, 31/10/2016.
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