“No momento presente, em que os pequeno-burgueses democratas são
oprimidos por toda a parte, eles pregam ao proletariado em geral a
união e a conciliação, estendem-lhe a mão e aspiram à formação
de um grande partido de oposição que abarque todos os matizes no
partido democrático; isto é, anseiam por envolver os operários
numa organização partidária onde predominem as frases
sociais-democratas gerais, atrás das quais se escondem os seus
interesses particulares e onde as reivindicações bem determinadas
do proletariado não possam ser apresentadas por mor da querida paz.
Uma tal união resultaria apenas em proveito deles e em completo
desproveito do proletariado. O proletariado perderia toda a sua
posição autónoma arduamente conseguida e afundar-se-ia outra vez,
tornando-se apêndice da democracia burguesa oficial. Essa união tem
de ser recusada, por conseguinte, da maneira mais decidida. Em vez de
condescender uma vez mais em servir de claque dos democratas
burgueses, os operários, principalmente a Liga, têm de trabalhar
para constituir, ao lado dos democratas oficiais, uma organização
do partido operário, autónoma, secreta e pública, e para fazer de
cada comunidade o centro e o núcleo de agrupamentos operários, nos
quais a posição e os interesses do proletariado sejam discutidos
independentemente das influências burguesas.” (Mensagem da
Direcção Central à Liga dos Comunistas. Karl Marx, Friedrich
Engels. Março de 1850)
Em 2005, quando estourou
o escândalo de corrupção do mensalão José Dirceu foi criticado
duramente, ainda que de forma oportunista, por importantes dirigentes
petistas. Ele era considerado o grande responsável pela política de
alianças espúrias e práticas corruptas.
Delúbio Soares foi
expulso, Lula veio a público pedir desculpas, embora tenha se
esquivado dizendo-se traído e que não sabia de nada. Falava-se em
refundação do PT e a própria militância petista dizia que o seu
partido tratava os seus corruptos de forma diferente dos outros
partidos.
Como atestou
posteriormente a história nada mudou mas a existência de um polo de
oposição à esquerda obrigava os dirigentes petistas a fingirem que
faziam alguma coisa sob pena de verem uma debandada no partido, que
estava perdendo militantes e apoiadores. Sim, no ano de 2005 foi a
esquerda que saiu às ruas “contra a corrupção” e até pelo
“Fora Lula”.
Naquela época quase
ninguém na esquerda acreditava que uma liderança como Lula, com a
influência que possui dentro do PT, poderia estar por fora dos
acontecimentos e de que “não sabia de nada”, mesmo que o próprio
delator do esquema, o então deputado federal Roberto Jefferson
(PTB-RJ), dissesse que Lula era inocente. Até porque em termos
morais a esquerda inteira sabia das irregularidades praticadas pela
corrente política de Lula nas eleições internas do PT para manter
o aparato e o controle do partido.
Com a Lava Jato as coisas
ocorreram de forma distinta. Sem nenhum constrangimento e autocrítica
o PT passou a fazer discurso de vitimismo e de “perseguição
política” em parte porque essa elaboração encontrou aceitação
e foi reproduzida por boa parte da esquerda, incluindo uma parcela
que esteve nos atos do “Fora Lula” em 2005, embora a relação de
Lula com as empreiteiras hoje esteja bem mais visível do que a sua
atuação no mensalão.
As relações de Lula com
a burguesia é um fato que nem o petista mais fanático ousa negar. A
única coisa que se discute é se os agrados e os milhões que
recebeu da burguesia estavam dentro da legislação burguesa ou não.
Por isso, apesar das viagens nos jatinhos das empreiteiras, das
palestras realizadas, dos prêmios recebidos, alguns insistem nos
pedidos de apresentação de “provas”. Com esta linha a traição
de classe torna-se supérflua. O que importa se Lula se vendeu?
Importa é saber se se vendeu dentro dos limites permitidos pela
legislação burguesa.
É evidente que traição
de classe e corrupção política não são necessariamente
confluentes. Pode-se trair uma causa, ou uma classe, sem receber um
único centavo. Um participante de um movimento reivindicatório que,
por inocência, entregue a tática das lideranças estará traindo o
movimento sem auferir nenhuma vantagem material. Por outro lado,
pode-se praticar corrupção e manter a fidelidade de classe, vide os
subornos pagos pela burguesia para que parlamentares de direita
fisiológicos aprovem projetos e medidas em seu favor.
Ocorre que o nível de
exigência de uma parcela importante da esquerda brasileira recuou de
tal maneira que não há o mínimo incômodo com a “corrupção
legal” praticada por Lula e o PT. Recebe-se milhões, se viaja nos
jatinhos dos empreiteiros e depois se editam Medidas Provisórias que
os beneficiam, lhes são concedidos financiamentos públicos a fundo
perdido, se descolam contratos de obras no Brasil e no exterior, e é
como se tudo não passasse de mera coincidência.
Coincidências que não
cessam de se acumular, como verificável no próprio dia do
depoimento: Lula chegou em Curitiba no jatinho
de Walfrido Mares Guia, que ocupou os ministérios do Turismo e das
Relações Institucionais durante o seu governo. Walfrido é um
grande empresário da área da educação, dono do grupo Kroton, e
esteve envolvido no chamado “mensalão mineiro”, esquema de
corrupção montado pelo PSDB - principal concorrente do PT.
A
condição de lobista de empreiteira parece tão arraigada e
naturalizada que Lula chegou a questionar Sérgio Moro se o juiz não
se sentia responsável pela “destruição da construção civil”
o que teria gerado o desemprego de 600 milhões de pessoas – o que
foi uma tremenda e constrangedora gafe já que a população
brasileira é de pouco mais de 207 milhões de habitantes.
Alguns
alegam que é preciso defender Lula e o PT para manter o Estado
democrático de direito, que hoje seriam eles as vítimas mas que
amanhã seria a esquerda e toda a classe. Esquece-se de todo o
aparato repressivo e de espionagem montado e utilizado pelo PT nos
anos em que governou, em algumas ocasiões em aliança com
governantes demotucanos. Deixo disponível um artigo para recordar
alguns fatos ocorridos durante a “democracia petista”. [*]
O
argumento do Estado democrático de direito tem limites de critério.
E há um método infalível e muito simples para saber se a
defesa de uma causa é realmente de uma causa ou se está acobertando
a defesa de determinadas figuras e/ou organizações: testar o
critério no sentido contrário.
Muita gente que foi para
as ruas contra o impeachment de Dilma alegava estar apenas defendendo
a democracia mas tergiversava, engasgava, emudecia quando se
perguntava se no lugar de Dilma fosse Aécio Neves se iria para as
ruas também. Com as chamadas conduções coercitivas muitos dos que
se escandalizaram quando eram os petistas, emudeceram e até
debocharam quando o mesmo aconteceu com gente como Silas Malafaia. O
mesmo ocorre com relação às delações, que só são colocadas em
questionamento quando envolvem dirigentes e políticos do PT. Idem
para as listas divulgadas e as prisões.
A
seletividade nunca foi um critério de coerência. Alguns a praticam
malandramente, outros são levados pela atmosfera produzida pelos
malandros. É verdade que alguns poucos se dizem contra tudo isso e
contra todos. Mas essa coerência esbarra no empenho, na verdade na
falta dele. Nenhuma nota, texto, artigo ou simples postagem em rede
social é publicada quando trata-se de não petistas.
Toda
essa seletividade e empenho para defender os dirigentes petistas
deve-se a caracterização de que o PT é um “mal menor” em
relação ao conjunto dos partidos da ordem. É uma caracterização
que alguns já não escondem possuir. E o pano de fundo que
reaproximou a maior parte da esquerda da órbita petista foi a crença
na “onda conservadora” e até “fascista”.
Só
que essa reaproximação resulta “apenas
em proveito deles e em completo desproveito do proletariado”,
para utilizar as adequadas palavras de Marx e Engels destacadas no
início deste artigo. Os petistas “pregam
ao proletariado em geral a união e a conciliação”
agora para traí-los mais uma vez logo ali adiante. Foi assim depois
das eleições de 2014 quando após derrotar Aécio Neves, Dilma
passou a aplicar medidas de ajustes fiscais que o tucano
implementaria. Foi assim na primeira eleição depois do impeachment
quando o PT aliou-se aos partidos que votaram pela saída de Dilma.
Foi assim nas eleições dos dirigentes das casas parlamentares onde
o PT apoiou os candidatos dos partidos que votaram pelo impeachment
de Dilma (incluindo os candidatos de Temer) mesmo quando tinha
candidaturas de esquerda, como do PSOL.
“Em
vez de condescender uma vez mais em servir de claque”
do
PT e se desmoralizar a esquerda brasileira deve organizar-se de forma
independente, priorizar a luta contra o ajuste fiscal, trabalhar para
construir uma nova greve geral, defender a investigação e prisão
de todos os corruptos e assim ajudar a forjar uma alternativa de
classe.
É
preciso retomar a linha combativa do início dos governos petistas.
Uma linha que neutralizava a demagogia da direita. E isso não será
alcançado se colocando na defesa de Lula e participando de caravanas
como a de Curitiba. Tampouco celebrando a soltura de José Dirceu.
Leia também:
O
mensalão e a amnésia do governismo
Do
“Fora Lula” ao “Fica Dilma”: o que aconteceu com a esquerda
brasileira?
[*]
Alguns fatos para refletir sobre democracia e garantias
constitucionais. 24/03/2016.
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