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segunda-feira, novembro
28, 2016
Rall
A vitória de Trump traz
à tona a questão do desemprego e do subemprego nas áreas antes
industrializadas dos EUA e de outras partes do mundo. Ao sentir-se
cada vez mais supérfluo com automação da produção, os
trabalhadores americanos reagiram contribuindo massivamente para
eleição de um candidato que soube manipular os sentimentos de medo
e de insegurança que dominam as regiões em acelerada
desindustrialização e empobrecidas. A responsabilidade pela crise
do emprego é atribuída de forma simplista a deslocação da
indústria americana para o Sudoeste Asiático, México e,
principalmente, para China. Os imigrantes latinos são acusados de
competir de forma desigual com os trabalhadores brancos nativos e de
disseminarem a violência, sendo os mexicanos o principal alvo.
A aparência manifestada
pela crise do capitalismo é tomada como sua essência, inclusive por
analistas que se opõem a Trump por outros motivos. Em nenhum momento
a questão fundamental da crise da mercadoria, da valorização, da
acumulação de “riqueza abstrata” (Marx), do dinheiro é
considerada. É preciso entender como o aumento da produtividade pela
cientifização e automação da produção, que há décadas vem
tornado o trabalho (substância do valor) supérfluo, afetando a
formação de “riqueza abstrata”, é determinante para as
questões abordadas.
Esse novo momento de
desemprego ascendente, o que ainda resta de postos de trabalho são
precarizados e os salários rebaixados numa espiral sem fim, para
sustentar um anêmico crescimento que se fundamenta na desigualdade e
na geração de capital fictício. A abundante oferta de mão de obra
no globo tende a segurar a difusão de novas tecnologias nos setores
mais atrasados da economia que se beneficiam dos baixos salários.
Daí resulta uma grande assimetria no crescimento da produtividade,
com setores da produção e países diferenciando-se, enquanto em
outras regiões os baixos salários ainda compensam o não
investimento na automação ou nem mais interessam ao mercado
capitalista. Essa assimetria pode levar, momentaneamente, a uma queda
da média da produtividade a nível global, principalmente nos
momentos de agudização da crise.
Por isso a grande
diferença no aumento da produtividade, quando comparados setores
mais dinâmicos com os mais atrasados: “Enquanto a centena de
indústrias que se encontram naquilo que a OCDE define como a
fronteira global da inovação aumentaram a produtividade do trabalho
a um ritmo de 3,5% ao ano, desde o início do milênio, a média do
setor não foi além de 1,7% anuais. No setor de serviços a
distância é ainda maior: 5% para as companhias mais avançadas e
0,3% para o conjunto” (Ricardo Abramovay – “Desigualdade e
produtividade” - Jornal Valor Econômico, 01.09.2016).
No entanto, essa freada
na produtividade média em conjuntura de crise, pode ser revertida na
medida em que a nível global aumentar a concentração do capital e
que continue em queda o preço das máquinas e das tecnologias de
automação, compensando a substituição da força de trabalho, e a
concorrência forçar os países e setores da economia poucos
produtivos que usam mão de obra intensiva, movimentarem-se para não
serem expulsos por empresas mais produtivas detentoras de tecnologias
avançadas. A avidez de China pela compra de empresas europeias e
americanas de tecnologia de ponta é um indicador importante desse
movimento.
Por outro lado, com os
avanços tecnológicos e automação que possibilita as indústrias
com plataformas 4.0 funcionarem 24 horas praticamente sem
trabalhadores, empresas americanas e europeias instaladas em outros
países, atraídas pela abundância de força de trabalho e baixos
salários, e que produzem para exportar para os mercados de origem,
já começam a fazer o caminho de volta sem, no entanto, gerar
empregos como pretende o Sr. Trump e seus iludidos seguidores.
Nessa conjuntura
assimétrica quanto ao uso de tecnologias na produção, os setores
mais dinâmicos tendem concentrar mais riqueza abstrata,
beneficiando-se inclusive da transferência do que ainda resta de
mais-valia produzida nos setores e regiões atrasadas, que aos pouco
vão se descolando da produção capitalista, transformando-se em
terras arrasadas onde o Estado não mais funciona e o que resta é
disputado a tiros por gangues armadas. Situação que atinge países
inteiros ou bolsões de miséria, inclusive dos mais ricos. Essa é
talvez a principal causa das grandes desigualdades entre países, e
nestes entre suas populações, sem solução à vista.
Nos setores mais
produtivos, transitam os trabalhadores com salários diferenciados.
No entanto, com o avanço das tecnologias da informação, num
aparente paradoxo, o tempo de trabalho vem se prolongando,
desmentindo as teorias de que com a automação e aumento da
produtividade é possível a redução do tempo nas jornadas de
trabalho. Ao contrário, é cada vez mais comum os trabalhadores ao
deixarem o ambiente empresarial, continuarem com atividades
relacionadas ao trabalho em suas residências e ocupando o chamado
tempo livre, que já não é tão livre.
A queda observada nos
custos de incorporação de novas tecnologias à produção, não
significa prescindir do capital financeiro. Os enormes agregados de
capitais, há muito deixaram de ser financiáveis apenas com capitais
próprios. Duas questões devem ser consideradas: na medida em que o
capital na concorrência global é forçado a se concentrar, torna
mais caro o financiamento de sua expansão pela dimensão das
operações. Segundo, as tecnologias incorporadas nesse processo
tendem a impactar negativamente na massa de mais-valia pela redução
do consumo de “trabalho abstrato” e, consequentemente, na
rentabilidade, levando esses agregados a recorrerem cada vez mais ao
capital financeiro especulativo para turbinar seus lucros que
perderam o brilho na economia real.
Portanto, o que se
costuma chamar de "financeirização da economia", não é
um fenômeno que tem origem no capital financeiro e pronto.
Fundamenta-se na crise de valorização do capital na economia real,
que para aparentar “rentável” necessita operar nos espaços do
capital financeiro, gerando capital fictício em aplicações
especulativas que retorna as empresas contabilizado como aparente
lucro, e na necessidade do financiamento dos investimentos. Com isso
o capital financeiro passou a crescer de forma exponencial e ter uma
importância grande no funcionamento e manutenção da economia
global moribunda.
Quando os mecanismos de
gerar capital fictício no mercado para financiar a economia falham,
como observado na crise de 2007/ 2008, o Estado assume a função de
credor de última instância, através da impressão de dinheiro (sem
substância), compra de papéis podre de crédito privado e juros
negativos para lubrificar a economia real e fazê-la andar, até que
os mecanismos do mercado geradores de capital fictício voltem a
funcionar e logo desemboque inevitavelmente em uma nova crise
financeira de proporção bem maior que a anterior, como vem
acontecendo. Muito mais importante que a inflação e o desemprego, o
que o Fed (banco central americano) hoje avalia é se o mercado
financeiro consegue se manter sozinho nas alturas com as próprias
pernas, gerando capital fictício suficiente para que a economia real
não entre de vez em colapso. Esses círculos de crises financeiras
cada vez mais curtos é um sintoma do “limite absolutos da
valorização do capital” (Kurtz), prenunciado por Marx.
No caminhar da Terceira
Revolução Industrial (ou quarta, como passou a ser chamado esse
novo momento do capitalismo), depois da automação da indústria e
da agricultura ainda em processo, os sinais de um grande salto vêm
sendo observado nas inovações tecnológicas que permitem
comunicação em tempo real entre objetos domésticos, equipamentos,
máquinas e homens. Impactantes também são as tecnologias
desenvolvidas para os serviços oferecidos pelo setor terciário,
principalmente para os relacionados diretamente à produção de bens
tangíveis e intangíveis como logística, contabilidade, vendas,
pós-vendas e atenção ao consumidor. Não se tem claro os números
de postos de trabalho que serão fechados nos próximos anos com essa
nova onda de automação e utilização em larga escala de tecnologia
de informação que atingirá a produção e a circulação das
mercadorias, mas sabe-se que vai ser bem superior ao até agora
assistido.
O contingente de
desempregados resultante dessas mudanças, são presas fáceis dos
discursos demagógicos que apontam soluções mágicas para um
cotidiano devastado e sem perspectiva, mantido sobre lógica da
valorização com custos humanos e ambientais terríveis. Novos
Trumps e Brexits devem aflorar mundo à fora. Mesmo que se fechem
todas as fronteiras e se desfaçam todos os acordos comerciais, não
vai mudar a lógica implacável do capital que movido pela
concorrência brutal tende se expandir sem reconhecer fronteiras, e
cada vez mais busca o aumento da produtividade, como forma de
racionalizar custos e se tornar rentável num senário desfavorável,
dispensando força de trabalho, mesmo que isso possa leva-lo ao juízo
final.
Se o neoliberalismo era
uma tentativa de limpar os “entulhos” à valorização, deixando
livre o caminho para o movimento sem peias do capital, num esforço
para transformar até o ar que respiramos em mercadorias e de empurra
para frente os impasses da crise que não consegue solucionar, o seu
fracasso pariu um disforme nacionalismo, com um discurso preso ao
pior da política da qual diz querer se livrar. Em defesa do mercado
interno e da geração de empregos, Trump promete criar empecilhos
capazes de dificultar a forma como o capitalismo avança e, ao mesmo
tempo, se aproxima de seu ponto de inflexão. Apesar da tarefa não
ser fácil, a violência de uma gestão autoritária com arroubos de
que tudo é possível, pode descarrilhar de vez o trem sem rumo do
capital.
25.11.2016
Extraído do original:
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