sábado, 20 de outubro de 2012

A violência policial no Governo Tarso

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O artigo que segue foi escrito pelo jornalista Felipe Prestes um mês antes da truculenta atuação da Brigada Militar à manifestação contra a privatização dos espaços públicos em Porto Alegre.

Prestes mostra que a violência policial tem sido corriqueira e que o governador Tarso Genro tem sido no mínimo negligente e omisso diante das sucessivas arbitrariedades cometidas pelas forças de repressão, o que leva a um quadro de possível cumplicidade e e conivência.


Tarso e a violência policial: quase dois anos de atraso

Foto: Reprodução do Facebook de Daniel Venuto

Na última sexta-feira, um cidadão foi algemado de forma covarde por policiais militares porque estava filmando com um celular uma abordagem que eles faziam a skatistas no Parque Marinha. Os policiais tentaram tomar a câmera dele que, corretamente, resistiu, afinal a Redentora já acabou há quase três décadas. Detalhe: Daniel Venuto estava acompanhado da esposa e da filha de quatro MESES.

Após o fato ser noticiado por Zero Hora, o governador Tarso Genro decidiu cobrar do comandante da Brigada Militar, Coronel Sérgio Abreu, que a corporação utilize “técnicas de abordagem que evitem a geração de conflitos”. A declaração soa como mera bravata, para responder a um fato noticiado no jornal de maior circulação do Estado, se analisarmos o que o Governo Tarso (não) fez até aqui com relação à violência policial.


Em um ano e meio várias denúncias de violência vieram à tona – fora os casos que ocorrem dia sim noutro também na periferia e que não viram notícia – e nem o próprio Tarso nem o secretário de Segurança, Airton Michels, jamais se manifestaram sobre os episódios de maneira clara e contundente. E, ainda mais importante, não houve qualquer mudança estrutural para dirimir o comportamento autoritário das polícias, herança da Ditadura Militar.

O máximo que Tarso Genro fez foi reativar a ouvidoria da Segurança Pública, que Yeda Crusius havia sucateado, como fez com quase toda a estrutura do Estado, deixando o órgão sem ouvidor durante dois anos. Ainda assim, a ouvidoria conta com estrutura precária e não tem atribuições suficientes para resolver o problema. Também criou uma assessoria de direitos humanos na Brigada Militar que ainda não disse a que veio e, para completar, tem entre suas atribuições “criar, manter e atualizar as redes sociais do Comandante-Geral, proporcionando interação com a comunidade interna e externa”. Não há qualquer relação plausível entre direitos humanos e “criar e manter as redes sociais do Comandante-Geral”. Olhando o site da assessoria nota-se também que o órgão é mais focado em projetos educacionais que nada dizem respeito à conduta da polícia.

Enquanto isto, o sistema atual em que os próprios policiais julgam a si mesmos nos inquéritos administrativos permanece. A própria ouvidora nomeada por Tarso, Patrícia Lucy Machado Couto, já afirmou, em uma matéria que fiz para o Sul21, que “não é recomendável” que os brigadianos julguem as condutas dos colegas. Segundo a ouvidora, estes inquéritos resultam quase sempre em uma conclusão já consagrada: “nem crime, nem transgressão militar”.

O especialista em segurança, e ex-deputado pelo PT, Marcos Rolim já levou para Tarso a proposta da criação de uma Inspetoria-Geral da Segurança Pública, com profissionais concursados capacitados para regrar e punir administrativamente as condutas das polícias civil e militar, dos agentes penitenciários e dos funcionários do Instituto Geral de Perícias. Sem mexer na estrutura que perpetua a violência policial, o resultado é o que se vê durante o Governo Tarso: agressões reiteradas e impunidade. Para refrescar a memória vamos relembrar alguns casos.

Um dos mais emblemáticos é o dos estudantes africanos que estavam num ônibus em Porto Alegre quando uma brigadiana suspeitou da conduta deles e acionou uma viatura da BM, que parou o ônibus. Os dois tiveram que descer do coletivo com uma arma apontada para a cabeça. Os PMs ainda levaram os estudantes algemados até o posto da Brigada na Redenção, mesmo que nada tivessem encontrado com os dois. O “Inquérito Policial Militar” constatou que houve “abordagem dentro da técnica”.

Além deste caso, só no Sul21 neste ano foram denunciados vários outros. Recentemente, em uma matéria abordei o vídeo feito por um torcedor na saída de um jogo do Inter que mostra um policial dando uma cassetada nas costas de uma pessoa já rendida e prensando com força sua cabeça contra uma grade. No mesmo dia, o fotógrafo Ramiro Furquim levou dois tapas na nuca de um policial quando cobria a chegada de Forlán no Aeroporto Salgado Filho. (Ambos os casos estão reportados neste link). Nas semanas subsequentes, tentei apurar como estavam os inquéritos da BM sobre os casos e fui solenemente enrolado. Já passam quase dois meses e não houve informação sobre os inquéritos.

Pelas redes sociais é fácil ver que a cultura da violência está arraigada às polícias gaúchas. É delegado que tem como avatar foto sua com arma de grosso calibre na mão, é policial que coloca identidade de menor no Instagram, é comandante da Brigada em seis cidades dizendo barbaridades. Estádio de futebol é pródigo em arbitrariedades. Um jornalista, recentemente, foi constrangido por um policial a apagar um vídeo que fez em seu celular de um tumulto na entrada do Beira-Rio. No ano passado, a Brigada Militar proibiu faixas “Fora Teixeira” nos estádios, numa atitude flagrantemente autoritária. O Governo nada fez, nem quis falar sobre o assunto. Aliás, o mais comum é ouvir da assessoria do governador e do secretário de Segurança que eles não falam sobre a Brigada Militar, alegando que não interferem na instituição, como se ela fosse uma espécie de poder independente. Policial militar pode tudo no Rio Grande do Sul.

Ou quase tudo. Pelo menos um caso de um homem que foi seqüestrado, agredido e humilhado de diversas formas por policiais militares em Caxias do Sul foi alvo de inquérito da Polícia Civil. Mas é a impunidade nos casos de menor gravidade que encoraja os policiais a cometerem arbitrariedades mais bárbaras. Será que o governador finalmente acordou? A seguir tudo na mesma toada, logo logo o Governo Tarso terá alguma morte estúpida cometida por policial, como a do sem-terra Elton Brum, em São Gabriel, ou do sindicalista Jair Antônio da Costa, em Sapiranga.

Por fim, mais um indício de que o caso do Parque Marinha está longe de ser uma atitude isolada. No dia 18 de agosto, foi denunciado no Facebook um abuso muitíssimo semelhante e ocorrido em local muito próximo ao Marinha, na Rua João Alfredo, na Cidade Baixa, além da distância temporal ser de apenas cerca de 15 dias entre ambos os casos. Um casal presenciou uma abordagem violenta da Brigada Militar a outras pessoas e resolveu filmar para tentar proteger os cidadãos que sofriam a abordagem. O desfecho segue abaixo:

Quando saímos ontem de uma festa na João Alfredo, demos de cara com um grupo de policiais, gritando e empurrando dois rapazes com cacetetes, enquanto os rapazes diziam não ter feito nada. Vi a situação ficar cada vez mais violenta, e que aquilo era claramente uma violência gratuita, tratando pessoas inocentes como criminosos. Peguei meu celular para gravar a cena, na esperança de que aquilo inibisse uma violência ainda maior, quando um outro policial veio por trás e arrancou ele da minha mão. Quando saímos atrás dele para pedir o celular de volta, um outro empurrou o Marco. Foi quando o Marco disse que eles estavam fazendo merda, e isso foi motivo para eles imobilizarem e ALGEMAREM o Marco, por “desacato à autoridade”. Devolveram meu celular e deixaram o Marco preso e algemado dentro do camburão por 40 min enquanto faziam uma ocorrência e piadinhas da situação. Do lado de fora, junto com amigos tentavam ajudar, eu novamente tentei registrar aquela cena absurda e um policial pegou meu celular e atirou no chão deixando ele em pedaços. Ao final, liberaram o Marco, nos dando lições de moral. LAMENTÁVEL a atitude e a mentalidade de todos os integrantes da operação. Os pulsos do Marco ainda estão doloridos e inchados”.

Percebam mesma região da cidade, espaço de tempo de apenas cerca de quinze dias, situação muito semelhante, com policiais se achando no direito de tomar celulares de quem os filma no desempenho de uma função pública no meio da rua. O que os comandos andam ensinando ali nos quartéis da Avenida Praia de Belas?


Extraído de:
http://felipeprestes.wordpress.com/2012/09/04/tarso-e-a-violencia-policial-quase-dois-anos-de-atraso/#comments
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