terça-feira, 2 de novembro de 2021

Só a radicalidade nos salva!

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Ser radical é atacar o problema em suas raízes

Karl Marx [*]



Desde a crise de 2008 cresce a percepção de que há algo profundamente errado com o sistema. Diz-se que nada aprendeu-se com ela e que os mesmos erros seguiram sendo cometidos. Muitos economistas admitem que a sua ciência carece de crédito seja pelos resultados alcançados ou por não conseguir antecipar as consequências - assim como evitá-las ou combatê-las.

Antes da pandemia era esperada uma nova crise financeira, cujos sintomas já se faziam sentir no segundo semestre de 2019, e nos altos círculos do capital alguns alertavam para a necessidade de reformas. Teve até bilionário advertindo para o risco de revoluções [1]. Mas nenhuma reforma foi feita.

Os lamentos, sinceros ou hipócritas, esbarram em um sistema incontrolável e cuja crise não é apenas cíclica mas estrutural. Relatório da OCDE aponta para estagnação global nos próximos 40 anos [2]. As taxas de lucros encontram-se nos menores patamares históricos [3]. Para tentar sair da estagnação e manter as taxas de lucros em patamares aceitáveis para o capital a exploração sobre o conjunto dos povos é intensificada. Todo esse estado de coisas não é fruto de incompetência política, técnica ou administrativa; pelo contrário, é consequência do desenvolvimento do próprio capitalismo que de tão maduro já está apodrecido.

Em toda a sociedade as instituições existem para reproduzi-la. Na sociedade capitalista não é diferente. Mas nela são as instituições políticas e jurídicas que concentram a maior parte do desgaste pois são linha de frente da defesa e implementação das medidas de intensificação da exploração da maioria [4]. Cresce a desconfiança, a desesperança, o mal-estar, as lutas e a polarização social. Esta última tem se manifestado de forma distorcida em algumas figuras políticas.

Em países periféricos como o Brasil a barbárie já não pode mais ser disfarçada, nem escondida. A burguesia se esforça para naturalizá-la [5], porém, esta se apresenta cada vez mais por aquilo que realmente é: o projeto de acumulação de uma burguesia financeirizada, dependente e associada ao capital internacional.

Propostas que envolvem menor esforço, como as reformistas, costumam parecer sensatas e atraentes mas na atual conjuntura não tardam a mostrar os seus limites – às vezes sua completa esterilidade. Mas a conjuntura vem fazendo crescer também a atenção e simpatia por saídas radicais. Ou que assim transpareçam.

E é na radicalidade que reside a única possibilidade de dias melhores para a humanidade. Pense nos problemas atuais do Brasil. Gasolina cara? Como baixá-la sem enfrentar os acionistas? E como enfrentar os acionistas sem tirar a Petrobras do mercado financeiro, o que significa estatizá-la? Comida cara? Fome? Degradação ambiental? Extermínio indígena? Como resolver tais problemas sem tocar no agronegócio? E como enfrentar o agronegócio sem encarar a questão da propriedade fundiária? Sem falar em nacionalização da terra? Desindustrialização? Como revertê-la sem enfrentar uma burguesia financeirizada? E como enfrentar uma burguesia financeirizada sem tocar na estatização do sistema financeiro? Investimentos sociais? Como garanti-los sem recuperar o orçamento público capturado pelo rentismo? E como fazer isso sem acabar com o teto de gastos e as inúmeras leis fiscais cuja “responsabilidade” é com o capital? Sem auditoria da dívida pública e a suspensão do seu pagamento? Sem acabar com a autonomia, formal ou informal, do Banco Central? E sem colocar para fora dele os representantes dos banqueiros? Crise de representação? Como enfrentá-la sem mandatos imperativos e revogáveis em todos os níveis? Sem conselhos populares? Sem uma democracia da nossa classe que aponte para outra forma de sociedade?

Apresentar medidas radicais deixou de ser mera propaganda do socialismo para se tornar a única possibilidade de solucionar nossos problemas mais básicos e elementares. É questão de sobrevivência - literalmente!


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[*] MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. 1844.

https://www.marxists.org/portugues/marx/1844/critica/introducao.htm


[1] “Estamos agora numa situação em que ou a) as pessoas com diferentes inclinações ideológicas trabalham em conjunto para refazerem a engenharia do sistema para que o bolo seja bem dividido e cresça ou b) teremos um grande conflito e alguma forma de revolução que irá causar danos a quase toda a gente” (Ray Dalio, fundador do Bridgewater Associates, maior fundo hedge do mundo).

“Capitalismo falhou e precisa de uma reforma”, diz líder do maior hedge fund do mundo. InfoMoney, 14/04/2019.

https://www.infomoney.com.br/mercados/capitalismo-falhou-e-precisa-de-uma-reforma-diz-lider-do-maior-hedge-fund-do-mundo/


[2] OECD Publishing. The long game: Fiscal outlooks to 2060 underline need for structural reform. Economic Policy Paper Nº29, October 2021.

https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/a112307e-en.pdf?expires=1635714678&id=id&accname=guest&checksum=146F6D7B4E49060B735FC55C539BA3A1


[3] ROBERTS, Michael. Taxa de lucro mundial: uma nova abordagem. 20/09/2020.

https://www.resistir.info/crise/roberts_20set20.html


[4] Datafolha: Cai confiança da população nas instituições e nos três Poderes. Folha de São Paulo, 24/09/2021.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/09/datafolha-cai-confianca-da-populacao-nas-instituicoes-e-nos-tres-poderes.shtml


[5] Como atestam as inúmeras matérias na grande mídia que sugerem comer caruncho e comida mofada; que exaltam as vantagens de usar lenha para cozinhar; que ensinam a economizar água, luz e combustíveis; além dos “especialistas” que normalizam os preços elevados e defendem os planos de austeridade como solução.



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