domingo, 26 de janeiro de 2020

A nobreza do século XXI

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O senador Márcio Bittar (MDB-AC) vem anunciando, em tom triunfante, que após reunião com o Ministro da Economia, Paulo Guedes, conseguiu reintroduzir na PEC do Pacto Federativo a desobrigação do Estado investir em saúde e educação [1].

Relator da referida PEC, Bittar já havia detalhado em um artigo - “PEC do Pacto Federativo: primeiro passo para reforma na Educação” [2] – que a intenção de tal iniciativa era a privatização da educação pública: “(...) a PEC do Pacto Federativo começa a pôr em ordem as coisas. Primeiro promove a responsabilidade e liberdade orçamentária tão necessárias ao governar; segundo, permite que estados e municípios ampliem suas redes por “voucher", o que sairia mais barato e redundaria em maior eficiência.”

Nenhum dado que comprove as benesses alegadas é apresentado pelo senador. Nem poderia: desobrigar políticos que já não investem em serviços básicos a não investir só ampliará a precarização desses serviços e dar-lhes liberdade orçamentária é legalizar o descaso e a corrupção, afinal para onde irão os recursos não investidos em saúde e educação? Para vouchers? De quem? De amigos, picaretas, pagadores de propinas e empresários financiadores de campanhas? Ainda que tudo se passasse de forma lícita não deixa de ser um escândalo por si só essa transferência de recursos públicos para lucro privado.

Mas chama a atenção que a própria experiência das vouchers é omitida. Claro, depõe contra a eficiência celebrada. Se trazida à luz, mostraria que fracassaram em países como Chile, Estados Unidos e Suécia, sendo que neste último o partido de direita que implementou o sistema se viu obrigado a pedir desculpas públicas ao povo [3].

Quanto à saúde pública não se sabe qual o modelo de privatização que estão preparando mas assiste-se ao aprofundamento do seu sucateamento a ponto de Bolsonaro vetar uma proposta que obrigava o SUS a garantir sangue e remédios a pacientes [4].

Radicalizado no Brasil nos últimos anos o ajuste fiscal neoliberal não tem cumprido com as benesses prometidas: a PEC do Teto não evitou cortes na saúde e na educação, a Reforma Trabalhista não gerou 6 milhões de empregos e não reduziu a informalidade, a Reforma da Previdência não enfrentou os privilegiados. Os lucros dos grandes bancos e das grandes empresas foi elevado, o número de brasileiros bilionários cresceu enquanto que a pobreza e a extrema pobreza aumentaram.

O objetivo do ajuste fiscal neoliberal não é colocar as contas públicas em ordem mas manter em ordem os lucros do grande capital através da intensificação da exploração do andar de baixo em uma espécie de Robin Hood ao contrário. A PEC do Teto não só não impôs um limite para a fraudulenta dívida pública como visa exatamente economizar com os serviços básicos para garantir o pagamento dela; a Reforma Trabalhista tornou quase proibitivo o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho enquanto legalizou formas precárias, como o trabalho intermitente, um verdadeiro bico; a Reforma da Previdência inviabilizará a aposentadoria de milhões de brasileiros pobres enquanto propiciou um polpudo plano de carreira aos generais.

As medidas em andamento seguem o mesmo propósito. A Carteira Verde e Amarela precariza ainda mais o trabalhador; a PEC 187/2019 visa assaltar R$ 220 bilhões dos fundos públicos para entregar aos banqueiros e especuladores; a PEC Emergencial reduz salários dos servidores; para desonerar a folha de pagamento dos empresários Guedes quer taxar desempregados e criar outro imposto que incida sobre o consumo; a proposta de Reforma Tributária não mexe na regressividade da nossa carga tributária que penaliza os pobres; os banqueiros querem autonomia do Banco Central para gerar dívida pública e jogar a conta para o povo pagar.

Nos escombros da nova república a classe dominante brasileira busca erigir um arranjo social onde ela “pode tudo” e às classes subalternas resta a obediência, de preferência pelo desespero da sobrevivência, mas sem excluir o uso da força bruta, vide as 70 propostas de criminalização de protestos populares que tramitam no Congresso Nacional [5].

O projeto da burguesia brasileira é, por um lado, desonerar-se e ampliar a já pesada carga tributária regressiva para as camadas médias e populares; e por outro, tornar proibitivo o acesso aos serviços públicos, privatizá-los com dinheiro público e tomar o orçamento público para si.

Ao andar de baixo restaria não só ter o aumento da mais valia extraída mas pagar mais impostos para sustentar os lucros da classe dominante, assim como os privilégios dos seus chegados (generais, políticos, cúpula do judiciário, etc). É o terceiro estado sustentando o primeiro e o segundo estado. Nossa burguesia sonha em ser a nobreza do século XXI.


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[1] Após reunião com Guedes, relator de PEC propõe fim de piso de recursos para saúde e educação. Folha de São Paulo, 15/01/2020.
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/01/apos-reuniao-com-guedes-relator-de-pec-propoe-fim-de-piso-de-recursos-para-saude-e-educacao.shtml

[2] PEC do Pacto Federativo: primeiro passo para reforma na Educação. Congresso em Foco, 07/01/2020.
https://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/forum/pec-do-pacto-federativo-primeiro-passo-para-reforma-na-educacao/

[3] Por que a Suécia está revendo a privatização do ensino. Outras Palavras, 19/12/2013.
https://outraspalavras.net/outrasmidias/por-que-a-suecia-esta-revendo-a-privatizacao-do-ensino/

[4] Bolsonaro veta projeto que obrigava SUS a garantir sangue e remédios a pacientes. Estadão, 26/12/2019.
https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-veta-projeto-que-obrigava-sus-a-garantir-sangue-e-remedios-a-pacientes,70003137284

[5] Explode número de projetos de lei que restringem direito a protesto. Folha de São Paulo, 10/01/2020.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/01/explode-numero-de-projetos-de-lei-que-restringem-direito-a-protesto.shtml




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domingo, 12 de janeiro de 2020

Perguntas ao governo da oposição

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Muitas propostas poderiam ser elencadas mas as listadas abaixo são as que têm aparecido no debate político devido às ações governamentais. Por isso fazemos as seguintes perguntas a um eventual governo da oposição eleito em 2022:


Revogaria a PEC do Teto? Revogaria a Reforma Trabalhista? Revogaria a Reforma do Ensino Médio?

Revogaria a Reforma da Previdência para reestabelecer o direito de aposentadoria dos brasileiros?

Reestatizaria as empresas e recursos privatizados?

Criaria estatais para industrializar o país e gerar empregos de qualidade?

Faria uma Reforma Administrativa no serviço público para acabar com a interferência política externa e garantir servidores eleitos nos cargos de chefia e direção? Acabaria com as listas tríplices?

Acabaria com os privilégios dos políticos? Colocaria nas mãos do povo as decisões políticas? Acabaria com as Medidas Provisórias?

Passaria para as mãos do povo a escolha dos Ministros do STF? Criaria controle popular da atuação dos mesmos, com revogabilidade de seus mandatos? Enfrentaria os privilégios do alto escalão do Judiciário?

Faria auditoria da fraudulenta dívida pública?

Faria uma Reforma Tributária para taxar a burguesia e desonerar os pobres e a classe média?

Apuraria os crimes da ditadura militar? Desmilitarizaria as polícias? Enfrentaria os privilégios do alto escalão dos militares e das organizações policiais?

Convocaria o povo às ruas para pressionar pelas mudanças?


Os questionamentos acima podem até causar algum estranhamento mas se fazem necessários uma vez que partidos e lideranças da oposição nos pedem para aguardar 2022 e subordinam as greves e as lutas ao calendário eleitoral em vez de ir às últimas consequências.

Os questionamentos acima se fazem necessários porque na tática de “sangrar” o governo até as eleições quem realmente sangra é o povo que perde direitos, renda e empregos; além de não garantir que o próximo eleito seja da oposição, como vimos em 2018.

Os questionamentos acima se fazem necessários porque partidos como PT, PCdoB e PDT aplicam nos seus governos estaduais e municipais as mesmas medidas de ajuste neoliberal que criticaram em Temer e que criticam em Bolsonaro.

Os questionamentos acima se fazem necessários porque nos 13 anos em que governou o PT não rompeu com o neoliberalismo e ainda fez os mais espúrios acordos políticos e de classe para garantir a implementação do mesmo.

Os questionamentos acima se fazem necessários porque Lula fez Reforma da Previdência, só não aprovou uma sinistra Reforma Sindical/Trabalhista devido ao estouro do escândalo do mensalão, privatizou petróleo e infraestrutura, criou as privatizantes “Parcerias-Público-Privadas”, manteve o superávit primário e a Desvinculação de Receitas da União, alimentou políticos e empresários reacionários e no auge da crise econômica no governo Dilma defendeu aprovar o ajuste “amanhã”.

Os questionamentos acima se fazem necessários porque Dilma Rousseff iniciou o atual plano de austeridade tendo elaborado medidas como a PEC do Teto (que se chamava Novo Regime Fiscal), defendeu Reforma da Previdência e Reforma do Ensino Médio, privatizou com dinheiro do BNDES, atacou direitos trabalhistas e previdenciários, vetou auditoria da fraudulenta dívida pública, elaborou o sinistro Regime de Recuperação Fiscal (RRF) dos Estados e lançou até Portaria (3461/2013) para usar a Garantia da Lei e da Ordem contra protestos populares.

Os questionamentos acima se fazem necessários porque a situação é grave e o que menos precisamos é de “mais do mesmo” para gerar confusão, despolitização, desagregação, desmobilização e fortalecer a extrema direita.



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