O senador
Márcio Bittar (MDB-AC) vem anunciando, em tom triunfante, que após
reunião com o Ministro da Economia, Paulo Guedes, conseguiu
reintroduzir na PEC do Pacto Federativo a desobrigação do Estado
investir em saúde e educação [1].
Relator
da referida PEC, Bittar já havia detalhado em um artigo - “PEC do
Pacto Federativo: primeiro passo para reforma na Educação” [2] –
que a intenção de tal iniciativa era a privatização da educação
pública: “(...) a PEC do Pacto Federativo começa a pôr em
ordem as coisas. Primeiro promove a responsabilidade e liberdade
orçamentária tão necessárias ao governar; segundo, permite
que estados e municípios ampliem suas redes por “voucher", o
que sairia mais barato e redundaria em maior eficiência.”
Nenhum
dado que comprove as benesses alegadas é apresentado pelo senador.
Nem poderia: desobrigar políticos que já não investem em serviços
básicos a não investir só ampliará a precarização desses
serviços e dar-lhes liberdade orçamentária é legalizar o descaso
e a corrupção, afinal para onde irão os recursos não investidos
em saúde e educação? Para vouchers? De quem? De amigos, picaretas,
pagadores de propinas e empresários financiadores de campanhas?
Ainda que tudo se passasse de forma lícita não deixa de ser um
escândalo por si só essa transferência de recursos públicos para
lucro privado.
Mas chama
a atenção que a própria experiência das vouchers é omitida.
Claro, depõe contra a eficiência celebrada. Se trazida à luz,
mostraria que fracassaram em países como Chile, Estados Unidos e
Suécia, sendo que neste último o partido de direita que implementou
o sistema se viu obrigado a pedir desculpas públicas ao povo [3].
Quanto à
saúde pública não se sabe qual o modelo de privatização que
estão preparando mas assiste-se ao aprofundamento do seu
sucateamento a ponto de Bolsonaro vetar uma proposta que obrigava o
SUS a garantir sangue e remédios a pacientes [4].
Radicalizado
no Brasil nos últimos anos o ajuste fiscal neoliberal não tem
cumprido com as benesses prometidas: a PEC do Teto não evitou cortes
na saúde e na educação, a Reforma Trabalhista não gerou 6 milhões
de empregos e não reduziu a informalidade, a Reforma da Previdência
não enfrentou os privilegiados. Os lucros dos grandes bancos e das
grandes empresas foi elevado, o número de brasileiros bilionários
cresceu enquanto que a pobreza e a extrema pobreza aumentaram.
O
objetivo do ajuste fiscal neoliberal não é colocar as contas
públicas em ordem mas manter em ordem os lucros do grande capital
através da intensificação da exploração do andar de baixo em uma
espécie de Robin Hood ao contrário. A PEC do Teto não só não
impôs um limite para a fraudulenta dívida pública como visa
exatamente economizar com os serviços básicos para garantir o
pagamento dela; a Reforma Trabalhista tornou quase proibitivo o
acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho enquanto legalizou
formas precárias, como o trabalho intermitente, um verdadeiro bico;
a Reforma da Previdência inviabilizará a aposentadoria de milhões
de brasileiros pobres enquanto propiciou um polpudo plano de carreira
aos generais.
As
medidas em andamento seguem o mesmo propósito. A Carteira Verde e
Amarela precariza ainda mais o trabalhador; a PEC 187/2019 visa
assaltar R$ 220 bilhões dos fundos públicos para entregar aos
banqueiros e especuladores; a PEC Emergencial reduz salários dos
servidores; para desonerar a folha de pagamento dos empresários
Guedes quer taxar desempregados e criar outro imposto que incida
sobre o consumo; a proposta de Reforma Tributária não mexe na
regressividade da nossa carga tributária que penaliza os pobres; os
banqueiros querem autonomia do Banco Central para gerar dívida
pública e jogar a conta para o povo pagar.
Nos
escombros da nova república a classe dominante brasileira busca
erigir um arranjo social onde ela “pode tudo” e às classes
subalternas resta a obediência, de preferência pelo desespero da
sobrevivência, mas sem excluir o uso da força bruta, vide as 70
propostas de criminalização de protestos populares que tramitam no
Congresso Nacional [5].
O projeto
da burguesia brasileira é, por um lado, desonerar-se e ampliar a já
pesada carga tributária regressiva para as camadas médias e
populares; e por outro, tornar proibitivo o acesso aos serviços
públicos, privatizá-los com dinheiro público e tomar o orçamento
público para si.
Ao andar
de baixo restaria não só ter o aumento da mais valia
extraída mas pagar mais impostos para sustentar os lucros da classe
dominante, assim como os privilégios dos seus chegados (generais,
políticos, cúpula do judiciário, etc). É o terceiro estado
sustentando o primeiro e o segundo estado. Nossa burguesia sonha em
ser a nobreza do século XXI.
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[1] Após
reunião com Guedes, relator de PEC propõe fim de piso de recursos
para saúde e educação. Folha de São Paulo, 15/01/2020.
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/01/apos-reuniao-com-guedes-relator-de-pec-propoe-fim-de-piso-de-recursos-para-saude-e-educacao.shtml
[2] PEC do
Pacto Federativo: primeiro passo para reforma na Educação.
Congresso em Foco, 07/01/2020.
https://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/forum/pec-do-pacto-federativo-primeiro-passo-para-reforma-na-educacao/
[3] Por que
a Suécia está revendo a privatização do ensino. Outras Palavras,
19/12/2013.
https://outraspalavras.net/outrasmidias/por-que-a-suecia-esta-revendo-a-privatizacao-do-ensino/
[4]
Bolsonaro veta projeto que obrigava SUS a garantir sangue e remédios
a pacientes. Estadão, 26/12/2019.
https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-veta-projeto-que-obrigava-sus-a-garantir-sangue-e-remedios-a-pacientes,70003137284
[5] Explode
número de projetos de lei que restringem direito a protesto. Folha
de São Paulo, 10/01/2020.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/01/explode-numero-de-projetos-de-lei-que-restringem-direito-a-protesto.shtml
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