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Filósofos
distintos ideologicamente como George Berkeley, David Hume e Immanuel
Kant constataram a interferência das convicções do cientista na
produção da ciência. A quem possa achar que isso só seria
possível nas humanidades, inúmeros físicos no século XX mostraram
que essa falta de neutralidade ocorria em sua área e nas ciências
exatas como um todo.
Karl
Marx foi além da interferência individual mais imediata nos
ensinando que a ciência era absorvida pelo capital tornando-se uma
das forças produtivas dele colocando-se, dessa forma, a serviço da
necessidade de acumulação e reprodução do capital da burguesia. E
como a burguesia não administra seus negócios de forma isolada, mas
organizada politicamente como classe, a ciência torna-se instrumento
da sua economia política.
É
muito fácil perceber que uma tecnologia, por mais simples que seja,
possua mais de uma aplicação. Um objeto rústico cortante pode ser
utilizado tanto para alimentação quanto para o assassinato. Um
sistema computacional moderno pode tanto auxiliar em operações
médicas e salvar vidas quanto para bombardear cidades inteiras com
drones e ceifar milhares de vidas.
Os
conflitos humanos e de classes definirão qual será o uso da
tecnologia e isso passa por quem tem o domínio sobre ela. Na atual
era dos aplicativos e das redes sociais produzimos dados para grandes
empresas que, de posse deles, os vendem e lucram. O Facebook que o
diga! Os algoritmos, por sua vez, tentam nos influenciar política,
ideológica e financeiramente.
Como
dito anteriormente a burguesia não administra seus negócios de
forma isolada mas organizada politicamente como classe. Isso nos
remete ao governo. A Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande
do Sul (Seduc-RS) disponibilizou um aplicativo que substitui o diário
de classe e as folhas de conteúdos dos professores, assim como
oferece outras funcionalidades. Devido à sua praticidade ganhou a
adesão de inúmeros profissionais da educação.
Mas
como a tecnologia não é neutra e no capitalismo torna-se um
instrumento a serviço da economia política da burguesia o
aplicativo da Seduc-RS tornou-se um grande aliado da política de
ajuste fiscal do governo do tucano Eduardo Leite. Com os dados
alimentados pelos próprios educadores o governo tem passado por cima
da autonomia das escolas e sem aviso prévio cancelado matrículas de
alunos tidos como infrequentes, demitido professores contratados que
estão atuando dentro de sua área mas fora de sua disciplina e
realizado enturmações que lá na ponta geram mais demissões.
Um
governo que assumiu anunciando que seguiria fechando turmas, turnos e
escolas; que nega reajuste para o Magistério e ainda quer atacar o
seu precário plano de carreira; que quer demitir os trabalhadores
contratados para precarizá-los ainda mais; que desviou R$ 92 milhões
de recursos de obras em escolas para aplicar em rodovias (incluindo
algumas que serão privatizadas) e chega ao cúmulo da perversidade
demitindo professores doentes em plena licença saúde; jamais
poderia disponibilizar uma tecnologia em benefício da educação e
das comunidades escolares.
O
aplicativo do governo Leite é um Cavalo de Troia a serviço do
ajuste fiscal, da destruição da educação pública e da sua
privatização. Ele é parte do projeto “Educação Gaúcha
Conectada” [*], um plano maior cuja cerimônia de lançamento
contou com a presença de grupos como Lemann e Itaú.
Os
profissionais da educação, conhecidos e reconhecidos por sua
combatividade, precisam resistir a mais este ataque.
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Educação Gaúcha Conectada beneficia mais de 28 mil alunos de Santa
Maria e Cachoeira do Sul. Seduc-RS, 29/03/2019.
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