Concordo com a essência do presente artigo e por isso o publico, embora tenha algumas diferenças pontuais.
15/05/2018
Hamilton
Octavio de Souza
Influenciados
pelas artimanhas do lulismo, vários segmentos da esquerda perderam,
nos últimos anos, a própria capacidade de leitura crítica da
realidade, abriram mão da independência política e embarcaram em
processo suicida cada vez mais distanciado das classes trabalhadoras,
do povo, da sociedade e do potencial de militância de esquerda
latente na juventude brasileira. O mergulho equivocado no discurso
fantasioso da direção petista fragilizou projetos autônomos e
diferenciados de afirmação da esquerda partidária e social e
conduziu boa parte desse campo político-ideológico a uma situação
de subordinação cega a agrupamento que beira o messianismo. Como é
possível que parcela da esquerda tenha perdido o fio condutor da
racionalidade e da história?
Sem
desprezar o mérito de análises mais amplas e detalhadas da
conjuntura econômica mundial, da crise do modelo neoliberal e das
inúmeras mutações do capitalismo no jogo internacional, que está
a exigir, permanentemente, apuradas e eficientes estratégias na luta
de classes, interessa concentrar a presente avaliação nos marcos da
luta política no interior do Estado-Nação, aos acontecimentos
locais que estão mudando a face do Brasil no decorrer desse início
de século 21, entre os quais importa destacar:
1 - A
eleição de Lula em 2002 com empresário de vice e a Carta ao Povo
Brasileiro
Após ser
derrotado em três disputas eleitorais para a presidência da
República (1989, 94 e 98), Lula enfrentou a campanha de 2002 com
várias mudanças significativas, desde a aliança com partidos
tradicionais da direita, a inclusão de grande empresário mineiro
(José Alencar) na chapa, o discurso do “Lulinha Paz e Amor” para
agradar as classes médias, o apoio de oligarquias do Nordeste e de
parcela da elite industrial paulista e, claro, a surpreendente Carta
ao Povo Brasileiro, elaborada com aval da Odebrecht, família Marinho
e banqueiros, selando o compromisso do lulismo com o modelo
neoliberal e o jogo do mercado.
Era tudo
o que os bancos e setores rentistas queriam. Evidentemente, o Lula de
2002 não tinha mais nada a ver com o Lula de 1989, o lulismo já
tinha o controle quase absoluto do partido e várias correntes e
militantes de esquerda já haviam sido empurrados para fora do PT. É
o caso dos petistas que constituíram o PSTU, o PCO e outras
organizações.
Dilema:
O papel da esquerda era ganhar a eleição a qualquer preço ou
continuar defendendo suas propostas até conquistar a população e
acumular forças para realizar mudanças estruturais no país?
2 - O
escandaloso esquema do “mensalão” com compra de votos no
Congresso Nacional
O
primeiro governo Lula, considerado “em disputa” por vários
analistas no campo da esquerda, rapidamente trilhou o caminho do
oportunismo e do fisiologismo: decidiu fazer reforma da previdência
contra os interesses dos trabalhadores, o que provocou a expulsão de
parlamentares fiéis ao programa partidário, os quais caminharam
para a construção do PSOL; abandonou a proposta original do
programa Fome Zero, que previa a adoção de reformas estruturais,
para lançar o programa Bolsa Família, tipicamente assistencialista
e que até hoje não livrou importante parcela da população da
reiterada exclusão econômica e social; descartou o projeto de
reforma agrária coordenado por Plínio de Arruda Sampaio, que previa
o assentamento de 1 milhão de famílias e mudanças profundas na
estrutura fundiária do país, para aderir ao projeto do agronegócio,
que gera violência no campo, concentra a terra e é profundamente
danoso ao meio ambiente. Vale lembrar que o número de assentamentos
no governo Lula ficou abaixo ao que foi realizado no governo anterior
de Fernando Henrique Cardoso e que o MST manteve a combatividade
durante a maior parte do governo Lula e foi tratado friamente como
movimento de oposição.
Além
disso, o lulismo enfiou-se na lama com desvios de recursos públicos
e captação de propinas para comprar parlamentares no Congresso
Nacional, notadamente do PTB de Roberto Jefferson, do PP de Paulo
Maluf e do PR de Waldemar Costa Neto, entre outros. O escândalo do
“mensalão” abalou o governo Lula, que jogou toda a encrenca nas
costas de José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e Sílvio
Pereira. Embora seja difícil de acreditar que o “dono” do
partido e presidente da República não tivesse conhecimento do
esquema, o fato é que setores da burguesia, da grande imprensa, da
indústria e do sistema financeiro decidiram preservar Lula como a
solução “menos pior” naquele momento, o que o deixou o lulismo
mais enredado com os grupos econômicos e políticos tradicionais.
Ganhou a eleição de 2006 com arco mais amplo de alianças à
direita.
Dilema:
O papel da esquerda era insistir no projeto de conciliação proposto
pelo lulismo ou construir oposição séria e firme ao
neoliberalismo, às velhas oligarquias e ao conservadorismo de
direita?
3 - O
sucesso popular das medidas sociais efêmeras do governo petista
O governo
Lula aproveitou a maré econômica favorável com crescimento puxado
pela China, expansão do mercado internacional de commodities e
razoável equilíbrio fiscal para adotar medidas de grande
significado popular, como o reajuste do salário mínimo acima da
inflação e a massificação do programa Bolsa Família, que foram
responsáveis pelo aumento do poder aquisitivo na base da pirâmide
social e grande expansão do consumo, também estimulado por crédito
farto oferecido por agentes financeiros públicos e privados a juros
extorsivos.
Os
investimentos em obras de infraestrutura, repasses de recursos
públicos para os sistemas de saúde e de educação privados (ProUni
e FIES nas universidades particulares), isenções fiscais e
desonerações de vários setores industriais – foram medidas que
contribuíram transitoriamente para diminuir a miséria, a
desnutrição e também criar expectativa favorável ao início de
nova era de bem-estar no país. Lula surfou na onda do “ganha-ganha”
(ganham os pobres e ganham os ricos), quando boa parte da sociedade
embarcou na ilusão de um mundo sem perdas, com superação dos
conflitos sociais, a domesticação dos sindicatos e o isolamento de
movimentos populares mais combativos.
Lula
terminou o segundo mandato com índice de aprovação de 83%, elegeu
seu “poste” Dilma Rousseff em 2010, impôs o vice Michel Temer
(MDB) na chapa presidencial e deixou o governo fortalecido por amplo
leque de partidos tradicionais, fisiológicos e de direita, desde o
PP de Maluf, o PRB da Igreja Universal, o MDB de José Sarney,
Eduardo Cunha, Romero Jucá, Renan Calheiros, Jader Barbalho,
Henrique Alves, Geddel Vieira Lima, Sérgio Cabral, e mais uma dúzia
de legendas de aluguel. Vale lembrar que o esquema de propinas via
diretorias da Petrobras já estava funcionando a todo vapor,
abastecendo políticos e os caixas de pelo menos três partidos: PP,
MDB e PT.
Dilema:
O papel da esquerda era silenciar e ficar conivente com a euforia
temporária de inclusão sem consistência ou adotar postura crítica
contra a ilusória redução das desigualdades?
4 - A
gestão Dilma Rousseff e a explosão de insatisfação geral de junho
de 2013.
O sonho
de um Brasil próspero, de bem-estar generalizado com renda alta,
empregabilidade e paz social, acabou nos primeiros anos do governo
Dilma. Primeiro porque a economia mundial patinou na estagnação
ainda decorrente da crise de 2008, a China reduziu o ritmo de
crescimento e as commodities nacionais perderam espaço no mercado
global. Os capitais trataram de buscar portos mais seguros. Segundo
porque, de um lado a política de “desonerações” desencadeou
enorme queda da arrecadação federal, nos estados e municípios, com
aumento da desordem fiscal, inadimplência e quebradeira; e, de outro
lado, porque o caixa do BNDES, que durante anos foi usado para
alavancar alguns poucos e seletos grupos privados (entre os quais as
chamadas “empresas campeãs” da JBS e de Eike Batista), perdeu a
capacidade de fomentar a economia via Estado, depois de ter queimado
investimentos em projetos questionáveis para o desenvolvimento
nacional, como o financiamento da compra de frigoríficos nos Estados
Unidos (JBS), obras de estradas, portos e aeroportos em países da
América Latina e da África (Odebrecht, OAS, Camargo Correa etc.),
os quais não renderam empregos no Brasil e ainda estão com dívidas
junto ao BNDES e ao tesouro nacional.
Foi
quando começou o tiroteio generalizado para ver quem iria pagar pela
crise. Só mesmo o séquito de Brasília não percebeu as
consequências negativas de tais políticas governamentais para a
queda do padrão de vida das pessoas e o aumento acelerado do
descontentamento. No final de 2012 e início de 2013 já se percebia,
nos grandes centros urbanos do país, os primeiros ensaios das
grandes manifestações que ocorreram em junho de 2013 – quando,
ficou claro e patente, que a política de conciliação promovida
pelo lulismo estava com os dias contados, que a explosão de
insatisfação revogava o monopólio do PT sobre as manifestações
de rua e, mais do que isso, que o modelo adotado pelo lulismo gerou
enorme frustração não apenas nas classes médias, mas também na
juventude, no operariado e em segmentos populares.
Vale
lembrar que nesse período, de 2011 a 2013, o ex-presidente estava
empenhado em viagens pela América Latina e países da África, nos
jatinhos da Odebrecht e Camargo Corrêa (os registros da Infraero,
depoimentos de pilotos das aeronaves e de diretores das empreiteiras
podem atestar todos os voos e destinos), fazendo lobby para obras
financiadas pelo BNDES, enquanto recebia vultosas doações para o
Instituto Lula e pagamentos para a empresa de palestras LILS, além
de curtir merecido descanso no sítio de Atibaia.
Sobre a
efervescência política e o quadro de crise, o governo Dilma tratou
de enrolar o país com promessas evasivas e medidas jamais colocadas
em prática, entre as quais a realização de suposto plebiscito para
a reforma política. O PT, através de seus movimentos sociais,
conseguiu conter parte da rebeldia. A esquerda não soube dar direção
ao movimento das ruas, a grande imprensa criminalizou/fantasiou os
Black Blocs e o governo Dilma retomou a frágil governabilidade com
inúmeras concessões – ao empresariado (mais isenções fiscais),
aos banqueiros (elevação dos juros), ao agronegócio (anistia e
refinanciamento de dívidas) e aos políticos (benesses nas emendas
de deputados e senadores) – até as eleições de 2014.
O lulismo
tratou de caracterizar as manifestações de 2013 como “coisa da
direita”, estimulada pela grande mídia e pelo “imperialismo”.
É o que Lula afirma até hoje sobre as jornadas de 2013.
Dilema:
O papel da esquerda era desconsiderar o grau de insatisfação da
população, inclusive das classes médias, ou aprofundar a crítica
ao lulismo e ao governo Dilma com ampliação e organização dos
trabalhadores e dos movimentos sociais?
5 - A
fraude eleitoral de 2014 e a rendição ao ajuste neoliberal
A eleição
de 2014 foi, provavelmente, a mais suja do período pós-ditadura
militar. Não só pela quantidade de dinheiro colocada nas campanhas
dos principais candidatos, mas pelo baixo nível dos ataques pessoais
nas redes sociais, a montagem de agências de mentiras e intrigas e a
ausência de debate sobre os reais problemas do país. O que vigorou
foi um jogo sórdido de armações sem precedentes. Os eleitores
foram enganados em todos os sentidos, tanto no discurso da situação
(Dilma negava qualquer problema econômico e social) como no discurso
da oposição (Aécio negava qualquer medida restritiva contra
projetos sociais). As campanhas mais honestas de Marina Silva, então
no PSB, e de Luciana Genro, do PSOL, não chegaram ao segundo turno.
Dilma foi eleita com apoio de apenas 38% do eleitorado, a maioria
ficou na oposição, no voto em branco, no voto nulo e na abstenção.
A fraude
foi consumada nas primeiras semanas após o segundo turno, quando a
presidente reeleita interferiu no câmbio, aprovou os cortes de
benefícios sociais e colocou no Ministério da Fazenda o
vice-diretor do Bradesco, Joaquim Levy, conhecido economista
neoliberal e defensor de medidas ortodoxas de austeridade. Ou seja,
Dilma ganhou com discurso contrário ao de Aécio, mas logo depois
das eleições assumiu o programa de Aécio, fortemente bombardeado
pela esquerda no processo eleitoral. Em pouco tempo, no final de 2014
e primeiros meses de 2015, a base de sustentação de Dilma (38% do
eleitorado) ficou reduzida a pó.
A
situação dela se complicou ainda mais porque tentou assumir o
controle da Câmara dos Deputados com candidato do PT contra a
articulação do MDB, que tinha maior número de parlamentares e
amplo apoio no leque partidário mais conservador, o qual, diga-se de
passagem, foi eleito em aliança com o PT e com recursos financeiros
captados ilicitamente nos governos do PT.
Vale
lembrar que no processo eleitoral o PT deu muita força à Rede
Record, da Igreja Universal, e a vários grupos evangélicos
extremamente conservadores, como contraponto às correntes
influenciadas pela Teologia da Libertação mais críticas e
identificadas com os movimentos sociais e partidos de esquerda. Ou
seja, o lulismo construiu a sua própria forca na traição aos
eleitores, com a mudança radical de programa econômico e no racha
com a articulação do aliado Eduardo Cunha, do MDB. Mais uma vez,
vale lembrar, foi Lula quem impôs o nome de Michel Temer para compor
a chapa com Dilma.
Todos
eles, na comemoração eleitoral de 2014, estavam felizes com a
continuidade de um esquema bem sucedido desde os idos do “mensalão”.
Vale lembrar, também, que o bispo Edir Macedo foi o único “capo”
da grande mídia a comparecer ao beija-mão de Dilma no dia 1º de
janeiro de 2015. Parece fácil e cômodo dizer que as manifestações
pelo impeachment eram coisa de “coxinhas” da classe média, da
direita, fomentada pela TV Globo, pela FIESP e pelo imperialismo dos
Estados Unidos.
Pode ter
tudo isso mesmo, mas bem antes disso algo já estava errado não no
campo conservador e de direita, mas especialmente na conduta política
e ética do lulismo e no fracasso das políticas sociais precárias,
no fim do projeto de conciliação e na incompetência política e
econômica dos governos Dilma. Não é por acaso que em tais governos
tenham crescido a direita e o conservadorismo, e que nesses governos
tiveram destaques figuras como José Sarney, Edison Lobão, Renan
Calheiros, Romero Jucá, Jader Barbalho, Eliseu Padilha, Geddel
Vieira Lima etc.
Dilema:
O papel da esquerda era incorporar o discurso vitimista do lulismo
contra o racha da aliança PT-PMDB ou denunciar o caráter
fisiológico e conservador da aliança que governou o Brasil durante
13 anos?
6 - O
avanço da Lava Jato e o novo protagonismo da Polícia Federal, do
Ministério Público, do Judiciário e do Supremo Tribunal Federal
Em meio
ao desgaste e esgotamento do projeto de poder do lulismo, ganha
protagonismo, em meados de 2014, as investigações da força-tarefa
da Lava Jato, que, a partir de esquemas de sonegação e evasão de
divisas, operados por doleiros, desvenda o esquema de propinas e
superfaturamento de obras e serviços na Petrobras, onde três
diretorias atuavam na captação de recursos ilícitos para políticos
do PP, MDB e PT.
Dessa
vez, ao contrário do que tinha ocorrido em operações anteriores em
casos escabrosos de corrupção (Banestado – 2003; Satiagraha –
2008; Castelo de Areia – 2009), a nova força-tarefa (integrada
pela Polícia Federal, Ministério Público Federal, Judiciário
Federal, Receita Federal) teve o cuidado de dar cada passo nos
limites dos novos recursos legais disponíveis e com ampla exposição
na mídia, de maneira a evitar que tais ações fossem invalidadas ou
arquivadas nas instâncias superiores.
O grande
avanço em relação às operações anteriores é que uma lei de
2013, sancionada pela presidente Dilma, possibilitou a utilização
de colaborações (delações) premiadas como forma de negociar
benefícios aos criminosos confessos que revelassem os crimes de
outros participantes nos esquemas de corrupção. Com tais
instrumentos legais, a Operação Lava Jato conseguiu condenar mais
de 100 envolvidos nos desvios de recursos públicos da Petrobras,
entre os quais grandes empresários, lobistas, doleiros, altos
funcionários e políticos de vários partidos.
O lulismo
tratou de espalhar a versão de perseguição política ao governo
Dilma e ao PT. Mais adiante ampliou a versão de perseguição ao
Lula, tornado candidato do PT, e aos políticos em geral. Mas, na
verdade, o maior número de condenados pela Lava Jato não é de
políticos e, entre os políticos, o maior número de envolvidos nos
processos não é do PT. O PT e Lula jamais deram respostas
minimamente convincentes aos crimes denunciados. Trataram apenas de
se colocarem como vítimas, ora da Polícia Federal, ora do
Ministério Público, ora do juiz Sérgio Moro, ora do TRF-4, ora do
STF, ora do “Partido da Justiça”, como se o desvio de recursos
da Petrobras não tivesse tirado bilhões de reais do povo
brasileiro, não tivesse sustentado campanhas milionárias de
coligações partidárias e não tivesse abastecido os bolsos de
inúmeras pessoas, inclusive de políticos do PT. Que a direita
pratique corrupção é a praxe no Brasil, mas que o PT tenha se
envolvido foi algo muito mais danoso ao processo político, na medida
em que frustrou a esperança de milhões de trabalhadores e destruiu
a credibilidade pública de vários segmentos da esquerda.
A Lava
Jato, queiramos ou não, mudou o olhar de boa parte da sociedade
brasileira sobre o modo de fazer política e as relações do capital
privado com o Estado. A esquerda não pode desconhecer algo tão
concreto apontado por pesquisa recente do Datafolha, de abril de
2018, na qual 84% dos entrevistados aprovam a continuidade da Lava
Jato no combate à corrupção. O que fazer?
Dilema:
O papel da esquerda é passar por vítima da Lava Jato, ignorar os
desvios do lulismo, ou mobilizar e conscientizar os trabalhadores
contra a corrupção dos empresários, banqueiros, latifundiários e
das velhas oligarquias da política?
7 –
A derrocada da conciliação lulista e da precária estabilidade
econômica e política
Em 2015,
com as grandes manifestações contra o governo Dilma, com foco no
impeachment da presidente reeleita, o PT conseguiu arrastar alguns
setores da esquerda (partidos, movimentos sociais, entidades de
classe etc.) na defesa do seu projeto contra o ataque de instituições
da República e do conservadorismo de direita. No final do ano o
lulismo sentiu o estrago provocado por seus próprios erros, em
especial sobre a aliança com o MDB de Eduardo Cunha e de Michel
Temer. O primeiro porque comandou o processo de impeachment na Câmara
dos Deputados e o segundo porque traiu a coligação, a presidente
Dilma, o PT e principalmente o lulismo, que havia colocado Michel
Temer na linha da sucessão presidencial.
Ao sentir
a barra pesada, o desastre acelerado em 2016 e 2017, o lulismo criou
nova história para a sua própria trajetória:
1º)
diante das investigações da Lava Jato sobre o ex-presidente, com
vários processos em Curitiba, Brasília e São Paulo, adotou a
figura do pré-candidato presidencial para fazer caravanas pelo
Brasil e tentar blindá-lo de condenações por corrupção;
2º)
diante do impeachment, apelou para partidos e movimentos de esquerda,
que há muito tempo não tinham relações com o lulismo, em busca de
unidade emergencial sob a alegação de que todos estavam ameaçados
pelos “golpistas” e “fascistas”;
3º)
diante da iminência de Lula se tornar inelegível, por causa da Lei
da Ficha Limpa, e da própria prisão do ex-presidente, o lulismo
tratou de sensibilizar a sua militância e outros setores da
sociedade com foco nas eleições (Eleição sem Lula é fraude), na
democracia (Direito de Lula ser candidato) e na liberdade (Lula
livre), de maneira que os erros do lulismo, o fracassado governo
Dilma, os escândalos da Petrobras, os processos e condenações por
corrupção, caíssem rapidamente no esquecimento da população.
Com um
batalhão de advogados e fortíssimo esquema de comunicação nas
redes sociais, o lulismo tratou de atacar as ações e os personagens
da Lava Jato, a grande imprensa, os integrantes das instituições do
Estado (desde juízes e procuradores até ministros do STF) e ao
mesmo tempo realizar atos e manifestações pelo país afora,
principalmente com massas mobilizadas pelo MST e MTST. Tais ações
visam principalmente desqualificar todas as forças políticas que se
opõem ao lulismo, ao PT e às manobras de impunidade pelos crimes de
corrupção; tratam de rotular e estigmatizar todo mundo como sendo
“golpista” e “fascista”. Não é só a direita que critica o
lulismo e o PT, mas também os liberais, os socialdemocratas, os
anarquistas, os autonomistas, pessoas sem definição
político-ideológica e muita gente da esquerda socialista e
comunista.
Ao mesmo
tempo em que consegue sensibilizar com discursos cada vez mais
emocionais e messiânicos, o lulismo também estimula forte oposição
ao PT e a seus novos e velhos aliados, contribui para a radicalização
das posições e embaralha um processo eleitoral que poderia
(poderia?) ter conteúdo renovador e promissor para a esquerda se não
fosse a figura emblemática de Lula, que está preso, condenado,
inelegível, mas ainda assim interfere no processo eleitoral não
para liderar um projeto de Nação, mas para tentar salvar a própria
pele; não para superar todo o estrago feito por seu aliado Michel
Temer, mas para restaurar a velha ordem de alianças com as
oligarquias políticas que participaram dos governos Lula e Dilma.
O que o
lulismo propõe que não seja restabelecer a “harmoniosa
conciliação” de antes da Lava Jato e da traição de Cunha e
Temer?
Dilema:
O papel da esquerda é reforçar o lulismo como salvação do Brasil
ou retomar o debate de luta anticapitalista e de sociedade justa,
igualitária, livre e democrática?
8 –
A fase mística do lulismo aprisiona a esquerda no processo eleitoral
de 2018
Depois do
fracassado projeto de conciliação de classes, da explosão de
insatisfação da população, do impeachment de Dilma, do
envolvimento da cúpula do lulismo – junto com seus aliados da
direita – nas bandalheiras da Petrobras, BNDES, CEF, fundos de
pensão etc., era de se esperar que o PT fizesse um processo de
autocrítica, avaliasse seus erros e desvios e promovesse uma
renovação geral de seu programa e de seus quadros dirigentes. Nada
disso foi feito. Ao contrário, subordinado ao lulismo, o PT insiste
que foi vítima de golpe, é vítima de perseguição, é vítima do
fascismo – e se contrapõe a tudo isso com o martírio em praça
pública de sua maior liderança, que não seria mais um ser humano,
mas um mito no patamar de Tiradentes, Mandela, Gandhi, Luther King e
Jesus Cristo.
A
derradeira exortação de messianismo ativa o emocional das massas,
clama pelo fanatismo, abandona em definitivo qualquer expectativa de
projeto político construído coletivamente com a elevação das
consciências, análise crítica e dialética, baseada na correlação
de forças e na conjuntura; mas, ao contrário, o discurso do lulismo
se atém na profissão de fé contra todas as evidências da
realidade. Como tal fanfarronice mesclada na mística religiosa e
dosada pelo egocentrismo pode contribuir para a caminhada da
esquerda? O que pretende? Que a salvação virá pelo sacrifício
humano transposto à condição divina? O que sobra de reflexão e de
proposta política a esses setores da esquerda que ficaram atolados
nos escombros do lulismo? Como sair da arapuca para retomar ao
Projeto de Nação? Com quais princípios e valores a esquerda se
apresenta para a sociedade brasileira?
A essa
altura dos acontecimentos, com todas as informações disponíveis,
parece sem sentido que algum cidadão ou cidadã ainda consiga
aceitar que o ex-presidente Lula e seu grupo dentro do PT não tenham
responsabilidades sobre os inúmeros erros políticos e gravíssimos
desvios éticos praticados pelo lulismo. Querer inverter os fatos e
esconder a verdade é manobra que atenta contra a inteligência dos
brasileiros.
Ninguém
com alguma dose de sensatez, conhecimento e consciência aceita mais
o cinismo desenfreado e egocêntrico do lulismo, que jogou o PT numa
arapuca desastrosa (vide eleições de 2016), tenta imobilizar o jogo
político-eleitoral de 2018 e ainda quer arrastar toda a esquerda –
movimentos sociais e partidos – para a marcha delirante da
autodestruição. O que sobrará além da ladainha dos beatos?
Dilema:
o papel da esquerda é fazer coro ao lulismo durante o processo
eleitoral ou disputar as eleições com propostas próprias e
independentes, expondo visão crítica sobre o lulismo e a direita?
9 –
O que não dá para esquecer sobre a trajetória do lulismo
O lulismo
entregou para a direita, seguidamente, várias bandeiras que já
foram empunhadas pela esquerda, entre as quais a bandeira da ética
na política, a bandeira do combate à corrupção e a bandeira da
luta contra a impunidade – em particular a impunidade aos ricos e
poderosos praticantes dos crimes do colarinho branco, como a
sonegação fiscal, evasão de divisas, desvio do dinheiro público e
as várias formas da corrupção. E como o lulismo deixou de atuar
nessas questões, transferiu para o conjunto da esquerda a visão
equivocada de que lutar por ética, contra a corrupção e a
impunidade é coisa da direita, de “coxinhas” e da elite. Por
isso mesmo tanta gente comprometida politicamente com a esquerda não
se manifesta contra as bandalheiras comprovadamente praticadas pelo
lulismo. Temem ser chamados de “golpistas”.
A verdade
é que o lulismo em nada contribui para o avanço da esquerda. Ao
contrário, só atrapalha. A esquerda patina há muitos anos por obra
da contaminação do lulismo, que empata a luta, impede o livre
debate e anula o surgimento de novos protagonistas e novas
lideranças. Não se trata de uma questão de fé, mas de
racionalidade e consciência das pessoas. Em entrevista recente para
a Folha de S. Paulo, em 02.05.2018, o pensador de esquerda Noam
Chomsky voltou a lembrar o que nos incomoda há vários anos. Disse
ele: “a esquerda deveria fazer uma autocrítica, pensar nas
oportunidades que foram desperdiçadas porque sucumbiu à corrupção”.
Enquanto
isso não acontece, vale recordar o que não pode ser esquecido sobre
o lulismo:
1)
Desde a campanha eleitoral de 2002, e nas disputas municipais e
estaduais, o lulismo sempre optou em alianças com a direita e pelo
isolamento da esquerda.
2) O
lulismo combateu e expulsou as correntes de esquerda do PT, além de
ter atuado para enfraquecer os movimentos sociais e o sindicalismo
combativo em seus governos.
3) Os
governos Lula e Dilma abandonaram os programas de reforma agrária e
fortaleceram muito mais o agronegócio do que a agricultura familiar.
4) Os
governos Lula e Dilma não demarcaram as reservas dos povos indígenas
e deixaram de regularizar milhares de áreas dos quilombolas.
5) Os
governos Lula e Dilma aprovaram inúmeras obras altamente danosas ao
meio ambiente, inclusive as usinas de Belo Monte e no rio Madeira.
6) Os
governos Lula e Dilma mantiveram as taxas de juros sempre acima de
7,5% e cortaram verbas sociais para pagamento da dívida pública aos
banqueiros e rentistas.
7) Os
governos Lula e Dilma promoveram ampla “desoneração” (isenção
de impostos) dos grandes grupos empresariais com enorme desfalque aos
cofres públicos.
8) Os
governos Lula e Dilma fizeram reforma da previdência danosa aos
trabalhadores e cortaram benefícios sociais (auxílio saúde,
salário desemprego etc.) dos mais pobres.
9) Os
governos Lula e Dilma não reajustaram no mesmo nível da inflação
as faixas de pagamento do imposto de renda, o que retirou recursos
dos trabalhadores e dos assalariados em geral.
10) Os
governos Lula e Dilma usaram bilhões de recursos públicos do BNDES
para financiar obras em outros países, que favoreceram as grandes
empreiteiras e deixaram de gerar empregos no Brasil.
Tudo isso
é verdade.
Extraído
de:
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