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Com muita frequência a
esquerda socialista se depara com o assédio e a pressão eleitoral
do reformismo, da socialdemocracia e demais gestores de “esquerda”
do capital. Sempre que se encontram ameaçados pela concorrência da
direita tradicional apelam para que a esquerda socialista esqueça as
diferenças e forme uma unidade para derrotar a direita, que seria a
tarefa principal. Criam um ambiente de terrorismo em torno do
programa e da repressão terríveis que viriam com a vitória da
direita, mencionam que não haveria nada melhor e que ao menos
representam um “mal menor” em comparação com seus adversários.
Uma vez eleitos governam com o programa da direita que deveria ser
derrotada, muitas vezes aprofundando-o em uma escala superior a da
própria, sem vacilar em empreender uma repressão superior a mesma
quando a esquerda socialista, os trabalhadores e os movimentos
sociais contestam e resistem às medidas do referido programa.
Quando o assédio e a
pressão eleitoral não surtem efeito e são rejeitados pela esquerda
socialista, esta logo é acusada de sectarismo e de facilitar o
caminho para a vitória eleitoral da direita. Tal polêmica não é
nova na história do movimento dos trabalhadores e já foi enfrentada
pelos pais do socialismo científico.
Como é possível
constatar no Manifesto Comunista, Marx e Engels defenderam, em
1848, na Alemanha, unidade com o partido democrático contra os
defensores do feudalismo. Dado que os vacilos desse partido
contribuíram para a derrota do movimento revolucionário, Marx e
Engels fizeram um duro balanço em 1850, onde defenderam a
independência política e de organização dos trabalhadores,
denunciaram implacavelmente o partido democrático, rejeitaram
aliança eleitoral com o mesmo e criticaram a ideia do “mal menor”
apesar deste partido se encontrar na oposição.
As palavras contidas no
trecho abaixo e extraídas da Mensagem da Direcção Central à
Liga dos Comunistas, texto no qual os pais do socialismo
científico fazem o referido balanço e formulam táticas eleitorais
e políticas, são de uma atualidade impressionante:
“Por
toda a parte, ao lado dos candidatos democráticos burgueses, sejam
propostos candidatos operários, na medida do possível de entre os
membros da Liga e para cuja eleição se devem accionar todos os
meios possíveis. Mesmo onde não existe esperança de sucesso, devem
os operários apresentar os seus próprios candidatos, para manterem
a sua democracia, para manterem a sua autonomia, contarem as suas
forças, trazerem a público a sua posição revolucionária e os
pontos de vista do partido. Não devem, neste processo, deixar-se
subornar pelas frases dos democratas, como por exemplo que assim se
divide o partido democrático e se dá à reacção a possibilidade
da vitória. Com todas essas frases, o que se visa é que o
proletariado seja mistificado. Os progressos que o partido proletário
tem de fazer, surgindo assim como força independente, são
infinitamente mais importantes do que o prejuízo que poderia trazer
a presença de alguns reaccionários na Representação. Surja a
democracia, desde o princípio, decidida e terrorista contra a
reacção, e a influência desta nas eleições será antecipadamente
aniquilada.” [1]
Será que os nossos
amigos reformistas, sociaisdemocratas e demais gestores de “esquerda”
do capital teriam a ousadia de impingir a pecha de “sectários”
aos pais do socialismo científico?
Essa trupe reclama quando
questionada de suas medidas burguesas, do rebaixamento e abandono das
demandas históricas dos trabalhadores e movimentos sociais e de suas
alianças com setores de direita. Justificam reclamando da correlação
de forças - que para eles é eternamente desfavorável - e enaltecem
suas alianças como tática política inovadora e sofisticada que
serviria para fazer “alguma coisa” pelo povo, embora esse “alguma
coisa” não passe de programas assistenciais indicados e tolerados
pelas próprias classes dominantes.
Mais uma vez não estamos
diante de nenhuma novidade. Em 1879, Marx e Engels criticaram
duramente a proposta de três dirigentes do Partido Social-Democrata
alemão que, diante da repressão e perseguição desencadeadas
contra os socialistas através de uma lei de exceção, defenderam o
rebaixamento do programa do partido e alianças com setores da
burguesia:
“Têm
aqui vocês o programa dos três censores de Zurique. Em clareza,
nada deixa a desejar. Pelo menos, para nós, que ainda conhecemos bem
estas maneiras de falar todas desde 1848 para cá. São os
representantes da pequena burguesia [Kleinburgertum] que se anunciam,
cheios de medo de que o proletariado, compelido pela sua situação
revolucionária, possa «ir demasiado longe». Em vez de oposição
política decidida — mediação [Vermittlung] geral; em vez de luta
contra o governo e a burguesia — a tentativa de os ganhar e de os
persuadir; em vez de resistência obstinada contra os maus tratos de
cima — submissão humilde e admissão de que se tinha merecido o
castigo. Todos os conflitos historicamente necessários são
interpretados deturpadamente como mal-entendidos e toda a discussão
termina com o protesto: no principal, estamos afinal todos unidos. As
pessoas que em 1848 apareceram como democratas burguesas, podem agora
do mesmo modo chamar-se a si próprias sociais-democratas. Tal como,
para aquelas, a república democrática, também, para estas, o
derrube da ordem capitalista fica na lonjura inalcançável [e] não
tem, portanto, absolutamente nenhuma significação para a prática
política do presente; pode-se mediar, fazer compromissos, praticar a
filantropia, quanto se quiser. É o mesmo para a luta de classes
entre proletariado e burguesia. É reconhecida no papel, porque já
não se pode negá-la; na prática, porém, é mascarada, apagada,
amortecida. O Partido Social-Democrata não deve ser nenhum Partido
operário, não deve atrair sobre si o ódio da burguesia ou, em
geral, de quem quer que seja; deve, antes de tudo, fazer uma
propaganda enérgica entre a burguesia; em vez de dar peso a
objectivos [Ziele] que vão longe, que assustam a burguesia e que,
contudo, são inalcançáveis na nossa geração, ele deve antes
empregar toda a sua força e energia naquelas reformas remendonas
pequeno-burguesas que conferem à velha ordem da sociedade novos
apoios e que, por esse facto, poderiam talvez transformar a
catástrofe final num processo gradual, parcelar e o mais possível
pacífico de dissolução. São as mesmas pessoas que, sob a
aparência da incansável ocupação, não só não fazem nada elas
próprias, como também tentam impedir que, em geral, aconteça algo
— a não ser conversa; as mesmas pessoas, cujo medo de qualquer
acção, em 1848 e em 1849, entravou o movimento a cada passo e
finalmente o levou à derrota; as mesmas pessoas que nunca vêem a
reacção e, depois, ficam totalmente admiradas de se encontrarem
finalmente num beco sem saída, onde nem resistência nem fuga são
possíveis; as mesmas pessoas que querem confinar a história ao seu
horizonte pequeno-burguês [Spiessburgerhorizont] e por cima das
quais, de cada vez, a história transita para a ordem do dia.” [2]
A conjuntura era muito
mais dura do que a que atualmente os reformistas, sociaisdemocratas e
gestores de “esquerda” do capital praticam a sua política de
traição e de conciliação de classes. Mesmo assim os pais do
socialismo científico mantiveram firmes suas convicções:
“Se
o novo órgão do Partido tomar uma atitude que corresponde às
opiniões daqueles senhores, for burguês e não proletário, não
nos resta senão, por muita pena que isso nos faça, declarar-nos
abertamente contra e romper a solidariedade com que, até aqui, face
ao estrangeiro, temos representado o Partido alemão. Esperemos,
contudo, que não se chegue até ai. [...]” [idem]
Longe de sectária ou
aventureira a crítica de Marx e Engels ajudou o Partido
Social-Democrata a corrigir alguns equívocos e oportunismos e
principalmente resistir de forma habilidosa à perseguição
política, de onde saiu fortalecido como organização política,
tendo aumentado o seu número de integrantes e apoiadores.
___________________________________________
[1] Mensagem da
Direcção Central à Liga dos Comunistas. Março de 1850.
[2] Carta Circular a
A. Bebel, W. Liebknecht, W. Bracke e Outros. 17-18 de Setembro de
1879.
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