domingo, 23 de fevereiro de 2014

Os reacionários e os oportunistas

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Na semana passada repercutiu amplamente as declarações de dois deputados federais gaúchos, Luis Carlos Heinze (PP) e Alceu Moreira (PMDB), proferidas em um encontro com produtores rurais na cidade de Vicente Dutra, no Rio Grande do Sul, realizado em 29 de novembro de 2013.

No evento Heinze declarou que “quilombolas, índios, gays, lésbicas” são “tudo o que não presta” e sugeriu aos agricultores que contratassem seguranças privados para atacar os índios quando achassem necessário. Em apoio à proposta de Heinze, Moreira chegou a afirmar que o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e os índios integram uma rede de conspiração internacional contra os interesses do Brasil, obstruindo a expansão das fronteiras agrícolas. [1]


http://www.youtube.com/watch?v=PjcUOQbuvXU


Tais intervenções, abertamente reacionárias, devem, obviamente, ser condenadas no mais alto grau por todos aqueles que desejam um mundo mais justo, igualitário e sem preconceitos.

Mas em ano eleitoral a hipocrisia e a demagogia não tardam a mostrar as suas faces. De olho na eleição estadual, onde a Senadora Ana Amélia Lemos, do mesmo partido de Heinze, pode ser a principal concorrente do governador Tarso Genro, o PT não tardou a se apresentar como o campeão da defesa de setores que têm padecido profundamente mesmo em suas gestões.

Em primeiro lugar é preciso destacar que ambos os deputados integram partidos que fazem parte da base do Governo Dilma, sendo que o PMDB de Moreira possui a Vice-Presidência da República. E que o partido de Heinze e Ana Amélia, o PP, por pouco não integrou o Governo Tarso. Não foi, portanto, acidental que Ana Amélia e o petista Walter Pinheiro tenham trabalhado juntos no PL 728/2011, a famosa lei de terrorismo.

Em segundo lugar é preciso lembrar que as comunidades indígenas vem sendo perseguidas e reprimidas pelos próprios governos petistas. Dois dias após o vídeo de Heinze e Moreira vir a público, os Tupinambás, em Olivença, na Bahia, denunciavam ao país que o Governo Dilma havia rompido seu compromisso com os mesmos e que havia enviado as suas forças de repressão para garantir a integridade da sua traição:

"Ao lembrar que nós acreditamos nas propostas e no discurso eleitoreiro que o PT trazia para todos os excluídos, não imaginávamos que não passava apenas de falácias, se posando de partido de esquerda, para ludibriar os que sempre sofreram por falta de oportunidade, o MUNDO precisa saber que o governo brasileiro, enviou o Exército, além da Força Nacional, Polícia Militar e Civil, onde com seus vôos rasantes de helicóptero, com câmara filmadora e armas de guerra em punho, estão partindo para o uso sistemático do terror para oprimir ou impor a vontade, tendo como agente o aparelho do Estado, a ainda encontramos pessoas que acreditam que no Brasil, nunca houve guerras, perguntamos, e o que significa isso em terras tupinambás?

(...)

Quando a ditadura colocava essa mesma polícia no encalço da Presidenta e do Governador Jaques Wagner,e dos seus companheiros, qual seria o sentimento deles?

Quando tudo poderá ser resolvido com a DEMARCAÇÃO JÁ, do nosso território, mas faltam-lhes vontade política, respeito e cumprimento do dever, o descaso para com as questões indígena é vergonhoso." [2]

No ano passado, uma operação de reintegração de posse liderada pela Polícia Federal, acabou com a morte do índio Terena, Osiel Gabriel, no Mato Grosso do Sul. O Cacique Kaingang Valdomiro Vergueiro, do Morro do Osso, em Porto Alegre, não teve dúvidas quanto ao responsável pela tragédia:

"Nós estamos revoltados com essa ação e com a política do governo federal que não quer demarcar terra para os índios e autoriza a polícia a nos massacrar. Estamos cansados de tanta violência. Estamos cansados de esperar que o governo cumpra com suas responsabilidades." [3]

Ainda no ano passado foi descoberto que o Movimento Xingu Vivo, que atua em Belo Monte, sofreu a infiltração de um agente que passava informações para a Abin [4]. Em uma das mobilizações indígenas na região o Governo Dilma não se contentou apenas com a negativa em negociar, mas enviou a Força Nacional, censurou jornalistas por registrar a repressão e abriu um inquérito, via Polícia Federal, para apurar quem eram os não indígenas que participaram do ato - uma clara tentativa de quebrar a solidariedade de outros setores com os índios. [5]

Dados divulgados pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) evidenciam como a questão indígena vem sendo tratada pelos governos petistas: 560 índios foram assassinados durante suas gestões (452 nos anos Lula e 108 nos de Dilma – por enquanto), uma média de 56 por ano, um aumento de 269% em relação aos Governos de Fernando Henrique Cardoso, quando 167 índios foram assassinados, uma média de 20,8 ao ano. [6]

Os governos petistas também perdem para o de Fernando Henrique na homologação de terras indígenas: 84 contra 148, conforme informado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). [idem 6]

Tais dados apenas confirmam que, assim como na cidade, no campo os governos petistas optaram por favorecer os mais fortes. O Plano Safra 2013/2014, por exemplo, possui recursos da ordem de R$ 136 bilhões [7]. O Banco do Brasil disponibilizou R$ 70 bilhões para o crédito rural sendo que apenas em torno de 19% (R$ 13,2 bilhões) são para a agricultura familiar [8], setor que produz 70% dos alimentos presentes nas mesas dos brasileiros. [9]

A violência contra os índios em nível nacional também se faz presente no Rio Grande do Sul. No ano passado índios e quilombolas foram até o Palácio Piratini e foram recebidos com bombas pela Brigada Militar do Governo Tarso. [10]

http://www.youtube.com/watch?v=jZxMjOr4X1I


Apesar de todo esse cenário, o governismo, apostando na falta de memória e na ocultação dos fatos, se apresenta de forma oportunista como o campeão da defesa dos interesses das minorias, visando unicamente a reeleição do medíocre Governo Tarso. Passado o processo eleitoral é fartos recursos para os latifundiários e polícia para os índios, quilombolas e sem-terras.

O cretinismo eleitoral fica ainda mais evidente quando se percebe que nenhuma audiência pública ou denúncia de racismo e preconceito foi feita pelo governismo quando, em 2011, em uma fala similar a de Heinze, o então Presidente do Ibama, o também gaúcho Curt Trennenpohl, sem saber que estava sendo gravado, sugeriu, para uma emissora australiana, que os índios brasileiros seriam exterminados. [11]

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[1] Deputado diz que quilombolas, índios e homossexuais são “tudo o que não presta” e incita violência (12/02/2014):

“Quando o governo diz: ‘nós queremos crescimento, desenvolvimento. Tem de ter fumo, tem de ter soja, tem de ter boi, tem de ter leite, tem de ter tudo, produção’. Ok! Financiamento. Estão cumprimentando os produtores: R$ 150 bilhões de financiamento. Agora, eu quero dizer para vocês: o mesmo governo, seu Gilberto Carvalho, também é ministro da presidenta Dilma. É ali que estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas. Tudo o que não presta ali está aninhado.

(...)

O que estão fazendo os produtores do Pará? No Pará, eles contrataram segurança privada. Ninguém invade no Pará, porque a brigada militar não lhes dá guarida lá e eles têm de fazer a defesa das suas propriedades”, diz o parlamentar. “Por isso, pessoal, só tem um jeito: se defendam. Façam a defesa como o Pará está fazendo. Façam a defesa como o Mato Grosso do Sul está fazendo. Os índios invadiram uma propriedade. Foram corridos da propriedade. Isso aconteceu lá”. (Luis Carlos Heinze)

“Por que será que de uma hora pra outra tem que demarcar terras de índios e de quilombolas? O chefe dessa vigarice orquestrada está na antessala da presidência da República e o nome dele é Gilberto Carvalho. Por trás dessa baderna, dessa vigarice, está o Cimi, uma organização cristã, que de cristã não tem nada. Está a serviço da inteligência norteamericana e europeia para não permitir a expansão das fronteiras agrícolas no Brasil.

(…)

Nós, os parlamentares, não vamos incitar a guerra, mas lhes digo: se fartem de guerreiros e não deixem um vigarista desses dar um passo na sua propriedade. Nenhum! Nenhum! Usem todo o tipo de rede. Todo mundo tem telefone. Liguem um para o outro imediatamente. Reúnam verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário. A própria baderna, a desordem, a guerra é melhor do que a injustiça” (Alceu Moreira)

[2] O Exército Brasileiro em Território Tupinambá de Olivença – O uso sistemático do terror para oprimir ou impor a vontade. (14/02/2014):

[3] “No dia do Corpo de Cristo, mataram nosso parente Terena Osiel Gabriel” (31/05/2013):

[4] Belo Monte: Movimento Xingu Vivo sofre espionagem (25/02/2013):

[5] Brasil: aumenta o entreguismo e a repressão (12/05/2013):

[6] Um recorde macabro (09/06/2013):

[7] Plano Agrócila e Pecuário 2013/2014. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Política Agrícola. Brasília / DF, 2013.

Plano Safra: total de recursos é 18% maior que o da última temporada (04/06/2013):

[8] Estão disponíveis os recursos de R$ 136 bilhões para o plano safra 2013/2014.

[9] Agricultura familiar já produz 70% dos alimentos consumidos no mercado interno do país, informa Pepe Vargas (05/06/2012):

[10] BM faz uso de bombas contra indígenas que acampavam em frente ao Piratini (30/08/2013):

Brigada confronta com bombas de gás indígenas e quilombolas (02/09/2013):

[11] O real caráter da política ambiental dos Governos Lula e Dilma (17/07/2011):

Deputado e entidades denunciam Heinze e Moreira por racismo, homofobia e incitação à violência (18/02/2014):


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