segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Cercamentos do século XXI?

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A Lei dos Cercamentos de terras foi uma medida implementada na Inglaterra no século XVIII que expulsou os camponeses do campo e beneficiou os ricos proprietários de terras que se apossaram das terras e criaram a sua propriedade privada no campo.

Tal processo espantou até alguns ideólogos da burguesia. Para Jean-Baptiste Say, de todas as propriedades a "menos honrosa" é "a propriedade agrária" pois "é raro" que não tenha se originado de "um roubo", "fraude" ou "violência". (Say, Tratado de Economia Política, 1803).

Em "A Riqueza das Nações", Adam Smith, reconhece os efeitos nefastos da concentração da propriedade:
"Onde quer que haja grande propriedade, há grande desigualdade. Para cada pessoa muito rica deve haver no mínimo quinhentos pobres, e a riqueza de poucos supõe a indigência de muitos."

A concentração da propriedade agrária não se deu de forma grotesca apenas na Inglaterra. Nos Estados Unidos e no Brasil do século XIX, por exemplo, ela também foi produto da "violência", da "fraude" e do "roubo". E como no século XIX, no século XXI a propriedade dos grandes consiste na abolição da dos pequenos como atesta a atual crise financeira, onde os pequenos foram retirados de suas casas ao passo que os banqueiros tiveram sua propriedade garantida pelos recursos dos mesmos que foram despejados, e agora em Santa Catarina onde pequenos agricultures de Imbituba estão sendo expulsos para beneficiar uma grande empresa nacional.

A grande mídia corporativa se cala diante desse absurdo!



Votorantim: cimentando agricultores tradicionais de Imbituba

Centro de Mídia Independente / Brasil, 30/07/2010

Nessa quarta-feira, 28 de julho, agricultores tradicionais de Imbituba-SC foram despejados das terras de onde vivem e produzem mandioca. A causa é a reintegração de posse concedida para a empresa Votarantim, que implantará uma fábrica para a modelagem de cimento no local. Mesmo contrariando indicações do movimento social, de reforma agrária e do Ministério Público, Procuradoria Geral, INCRA e Advocacia Geral da União, a derrubada das casas e retirada das famílias foi efetuada. Os agricultores ainda não têm onde morar e estão temporariamente instalados em casas de amigos e parentes.


Venda fraudulenta

O descaso com as famílias que plantam ali apenas demonstra o caráter dos políticos de Imbituba, pois a sujeira vai bem mais além. Aquelas terras próximas dos Areais da Ribanceira eram da União, e passaram a ser controladas pela Codisc - Companhia de Desenvolvimento Industrial de Santa Catarina. Em 2000, a Codisc decidiu pela venda de 1,8 milhão de m² sem a devida licitação. A venda foi feita a portas fechadas entre 7 empresários da cidade. Uma das famílias, a Ferreira, comprou o terreno aonde já viviam as famílias tradicionais a preço de balinha: 11 centavos o metro quadrado, a ser pago em 100 vezes. Por esse preço, qualquer agricultor residente ali poderia pagar pela terra, mas foram impossibilitados de entrar na disputa.

Os Ferreira venderam agora para a Votorantim, que entrou com a liminar de reintegração de posse de 240 hectares de terra que mantém a renda das famílias tradicionais. Antes de se instalar em Imbituba, essa fábrica da Votorantim foi negada em 9 municípios na região, também por seu impacto ambiental. Os Areais da Ribanceira fazem parte de um complexo de dunas e matas nativas, coladas a uma Área de Proteção Ambiental federal.

O despejo

A polícia chegou em peso na manhã desse 28 de julho para a retirada das famílias, juntamente com a retroescavadeira e os funcionários da empresa.

Muito mais numerosos do que os presentes ali, não houve resistência. Seu Antero, sua esposa e os 3 filhos adolescentes viram o barraco sendo destruído, seus animais sendo levado para onde dava pra levar, a mandioca e seu sustento trocado pelo cimento. A moradia dele não existiria mais. O agricultor de 62 anos tirava a força dos anos de lavoura para juntar o que podia. Semblante inconformado de quem não vê a sequer o rosto de quem lhe tira o lar e a dignidade. "Construímos tudo isso com capricho, mas agora a gente tá na rua. Os marajás só querem mesmo acabar com os pobres".

Segundo o ouvidor agrário regional do Incra de SC, Fernando de Souza, a ação foi feita conforme o que se é exigido para uma ação como essa, como o informe de despejo de 60 dias, visita de assistentes sociais, etc, mas "os conflitos agrários coletivos devem valorizar os direitos do trabalhador, garantindo o acesso a terra para as comunidades tradicionais que ali plantam e produzem", afirma.

Possibilidade de reconstrução

Existe ainda uma possibilidade de garantir o direito ao uso das terras para essas famílias, e isso será decidido no Supremo Tribunal de Justiça na segunda-feira, 2 de agosto. Está na mesa do ministro a ação para revogar a liminar de reintegração de posse, atestada pela AGU, Procuradoria Geral da República, Incra e outros órgãos. Consta no documento a venda irregular do terreno, a existência das populações tradicionais no terreno. Se for revogado, as terras podem então entrar em programas governamentais para a reforma agrária e de defesa dos agricultores tradicionais.

"Embora exista essa possibilidade, o efeito moral nessas famílias eles já causaram", afirma Ademir Costa, da ACORDI - Associação Comunitária Rural de Imbituba, sobre o impacto e a violência que os agricultores estão passando. "O processo está na mesa do ministro do STJ, agora é esperar que ele leia", diz a liderança comunitária.


As fotos do episódio podem ser vistas em:

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2010/07/475221.shtml

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2010/07/475227.shtml

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2010/07/475233.shtml


Texto extraído de:
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2010/07/475284.shtml

Artigo sobre o assunto:
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2010/07/475274.shtml
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