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Karl
Marx
"As
empresas capitalistas por ações devem ser consideradas, tanto
quanto as fábricas cooperativas, formas de transição entre o modo
de produção capitalista e o modo de produção associada, com a
única diferença de que, num caso, o antagonismo é abolido
negativamente, ao passo que, no outro é abolido em sentido
positivo."
As
observações gerais que fizemos até agora em relação ao sistema
de crédito foram as seguintes:
I.
Necessidade do sistema de crédito para efetuar a compensação da
taxa de lucro ou o movimento dessa equalização, sobre a qual
repousa toda a produção capitalista.
II.
Redução dos custos de circulação.
(...)
III.
Criação de sociedades por ações. E com isso:
1.
Enorme expansão da produção e das empresas, numa escala impossível
para capitais isolados. Ao mesmo tempo, transformação dessas
empresas, que antes eram governamentais, em empresas sociais.
2.
O capital que, como tal, tem como base um modo social de produção e
pressupõe uma concentração social de meios de produção e forças
de trabalho, adquire, assim, diretamente a forma de capital social
(capital de indivíduos diretamente associados) em oposição ao
capital privado, e suas empresas se apresentam como empresas sociais
em oposição a empresas privadas. É a suprassunção [Aufhebung]
do capital como propriedade privada dentro dos limites do próprio
modo de produção capitalista.
3.
O capitalista realmente ativo se converte em simples gerente,
administrador de capital alheio, e os proprietários de capital em
meros proprietários, simples capitalistas monetários. Ainda que nos
dividendos que recebem estejam incluídos os juros e o ganho
empresarial, isto é, o lucro total (pois a remuneração do gerente
é, ou deve ser, mero salário para remunerar certo tipo de trabalho
qualificado, cujo preço é regulado no mercado de trabalho, como o
de outro trabalho qualquer), esse lucro total é também aparece,
portanto, completamente separado da propriedade dos meios de produção
e do mais -trabalho. Esse resultado do máximo desenvolvimento da
produção capitalista é uma fase de transição necessária até a
reconversão do capital em propriedade dos produtores, mas não mais
como propriedade privada de produtores isolados, e sim como
propriedade dos produtores associados, como propriedade diretamente
social. É, por outro lado, uma fase de transição para a
transformação de todas as funções do processo de reprodução até
aqui ainda relacionadas à propriedade do capital em simples funções
dos produtores associados, em funções sociais.
Antes
de seguirmos adiante, resta a seguinte observação, importante do
ponto de vista econômico: como o lucro assume aqui puramente a forma
dos juros, essas empresas ainda são possíveis quando geram simples
juros, e esse é um dos fundamentos que detém a queda da taxa geral
de lucro, uma vez que tais empresas, nas quais a proporção entre o
capital constante e o capital variável é tão desmedida, não
entram necessariamente na compensação da taxa geral de lucro.
Essa
é a suprassunção do modo de produção capitalista no interior do
próprio modo de produção capitalista e, portanto, uma contradição
que anula a si mesma e se apresenta prima facie como simples fase de
transição para uma nova forma de produção. Seu modo de
manifestação é também o de uma contradição desse tipo. Em
certas esferas, ela estabelece o monopólio e, com isso, provoca a
ingerência estatal. Produz uma nova aristocracia financeira, uma
nova classe de parasitas sob a forma de projetistas, fundadores e
diretores meramente nominais; todo um sistema de especulação e de
fraude no que diz respeito à fundação de sociedades por ações e
ao lançamento e comércio de ações. É produção privada, sem o
controle da propriedade privada.
IV.
Abstraindo do sistema das ações – que é uma suprassunção da
indústria privada capitalista sobre a base do próprio sistema
capitalista e que destrói a indústria privada à medida que se
expande e se apodera de novos ramos de produção –, o crédito
oferece ao capitalista individual, ou a quem exerce esse papel, um
poder absoluto, dentro de certos limites, de dispor de capital,
propriedade e, portanto, trabalho alheios. A faculdade de dispor de
capital social, não de capital próprio, lhe permite dispor também
de trabalho social. O próprio capital, que se possui realmente ou na
opinião do público, passa a servir de simples base para a
superestrutura do crédito. Isso vale em especial para o comércio
atacadista, por cujas mãos passa a maior parte do produto social.
Desaparecem aqui todas as bases explicativas mais ou menos
justificadas no interior do modo de produção capitalista. O que o
comerciante atacadista especulador arrisca é a propriedade social, e
não a
sua própria.
Não menos absurda torna -se a frase segundo a qual o capital tem
origem na poupança, pois o que esse especulador exige é justamente
que outros
poupem para ele.
A
outra sentença, sobre a abstinência, vê -se desmentida por seu
luxo, convertido também ele num instrumento de crédito. Ideias que
numa fase menos desenvolvida da produção ainda podiam ter algum
sentido agora perdem toda sua razão de ser. Os triunfos e os
fracassos levam aqui simultaneamente à centralização dos capitais
e, portanto, à expropriação na escala mais alta. A expropriação
se estende, então, desde os produtores diretos até os próprios
capitalistas pequenos e médios. Tal expropriação forma o ponto de
partida do modo de produção capitalista; realizá -la é seu
objetivo; o que se busca, em última instância, é expropriar todos
os indivíduos de seus meios de produção, que, ao desenvolver -se a
produção social, deixam de ser meios e produtos da produção
privada para se converter em meios de produção nas mãos dos
produtores associados, portanto, em propriedade social destes
últimos, uma vez que já são seu produto social. No interior do
próprio sistema capitalista, porém, essa expropriação se
apresenta como figura antagônica, como apropriação da propriedade
social por poucos, e o crédito confere a esses poucos indivíduos
cada vez mais o caráter de simples aventureiros. A propriedade
existe aqui em forma de ações, cujo movimento e cuja transferência
tornam-se puro resultado de um jogo em que os tubarões da Bolsa
devoram os peixes pequenos, e os lobos, as ovelhas. No sistema de
ações já está presente a oposição à antiga forma, na qual os
meios sociais de produção aparecem como propriedade individual;
porém, ao assumir a forma da ação, eles continuam presos às
barreiras capitalistas – portanto, em vez de superar o antagonismo
entre o caráter social da riqueza e a riqueza privada, limita -se a
desenvolvê-la sob uma nova forma.
As
fábricas cooperativas dos próprios trabalhadores são, dentro da
antiga forma, a primeira ruptura do modelo anterior, apesar de que,
em sua organização real, reproduzam e tenham de reproduzir por toda
parte, naturalmente, todos os defeitos do sistema existente. Mas
dentro dessas fábricas está suprassumido o antagonismo entre
capital e trabalho, ainda que, de início, apenas na forma em que os
trabalhadores, como associação, sejam seus próprios capitalistas,
isto é, empreguem os meios de produção para valorizar seu próprio
trabalho. Essas fábricas demonstram como, ao chegar a certo nível
de desenvolvimento das forças produtivas materiais e de suas
correspondentes formas sociais de produção, do seio de um modo de
produção surge e se desenvolve naturalmente um novo modo de
produção. Sem o sistema fabril derivado do modo de produção
capitalista, não se teriam podido desenvolver as fábricas
cooperativas, muito menos sem o sistema de crédito oriundo desse
mesmo modo de produção. Esse sistema de crédito, que constitui a
base fundamental para a transformação gradual das empresas
capitalistas privadas em sociedades capitalistas por ações,
proporciona também os meios para a expansão gradual das empresas
cooperativas em escala mais ou menos nacional. As
empresas capitalistas por ações devem ser consideradas, tanto
quanto as fábricas cooperativas, formas de transição entre o modo
de produção capitalista e o modo de produção associada, com a
única diferença de que, num caso, o antagonismo é abolido
negativamente, ao passo que, no outro é abolido em sentido positivo.
O
Capital, Livro III, Capítulo 27: O papel do crédito na produção
capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017, p.597-604.
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