domingo, 25 de agosto de 2013

Royalties do petróleo: quem são os verdadeiros beneficiados?

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Fingindo dar uma resposta às mobilizações de massas de junho o Governo Dilma requentou como novidade e panacéia para a educação e a saúde o projeto dos royalties do petróleo - ideia que já havia sido devidamente esmiuçada e desmascarada por alguns movimentos sociais, estudiosos e especialistas quando de seu alarde no ano passado. [1]

Na última segunda-feira (19) a Presidente Dilma afirmou que o projeto aprovado pelos deputados e senadores representava “a proposta que sempre defendi e que meu governo enviou ao Congresso[2] e celebrou o intento como “uma vitória histórica”. Como complemento, na quinta-feira (22), a Presidente disse que “Precisamos desses recursos para pagar professores e transformar a profissão numa profissão de status no Brasil” e que “Status se reconhece com remuneração. Era necessário mais recursos (para a educação), e isso conseguimos com a aprovação dos recursos no Congresso.[3]

A questão central que vem sendo ocultada da sociedade brasileira tanto pelo governo, quanto pela “oposição” demotucana e até a grande mídia (que no debate anterior sobre o tema se limitou à divisão dos recursos chegando à baixeza de alguns jornalistas gaúchos destacarem a “traição” de Xuxa ao Rio Grande do Sul) são os próprios royalties. O que eles são? E por que existem?

No site do Senado Federal encontra-se que “Royalty é uma palavra de origem inglesa que se refere a uma importância cobrada pelo proprietário de uma patente de produto, processo de produção, marca, entre outros, ou pelo autor de uma obra, para permitir seu uso ou comercialização. No caso do petróleo, os royalties são cobrados das concessionárias que exploram a matéria-prima, de acordo com sua quantidade. O valor arrecadado fica com o poder público.[4]

É possível perceber na explanação do conceito da casa congressual brasileira o porquê da existência dos royalties: o petróleo brasileiro está sendo privatizado! O Engenheiro Paulo Metri esclarece em que condições esse processo vem sendo implementado:

“(...) O usual, mesmo no atual mundo constituído pelo império, entre os países satélites do império, as várias colônias dominadas e os países mais independentes, quando não possuem o monopólio estatal, é leiloarem áreas para empresas buscarem o petróleo e, se encontrarem, o produzirem. Isto acontece, por exemplo, nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Noruega.

No entanto, a subserviência ao mercado do governo brasileiro, acoplada à traição de brasileiros representantes dos interesses de grupos estrangeiros, inova ao entregar campo, e não mais área, para busca de petróleo.(...)” [5]

Assim, após investimentos públicos em pesquisa o governo brasileiro entrega campos trilionários de petróleo, como os 289 blocos privatizados no primeiro semestre, por royalties de apenas 15% a serem pagos em 30 anos!

Um entreguismo absurdo embalado e vendido como bom negócio para o povo brasileiro e como salvação da saúde e da educação do país e que terá prosseguimento no segundo semestre a menos que a pretensão da Presidente seja barrada pela mobilização social:

“Estes R$112 bilhões são apenas os recursos decorrentes do petróleo que já foi descoberto ou que já está sendo extraído. Como nós vamos continuar a descobrir e a explorar cada vez mais, este valor pode subir na medida em que vamos abrindo novas licitações, colocando novas áreas para a exploração do petróleo”

“Só o Campo de Libra contribuirá para que o saldo do Fundo esteja entre R$ 360 bilhões e R$ 736 bilhões nos próximos 35 anos” [idem 2]

Ou seja, o aumento dos investimentos em saúde e educação ficam condicionados à privatização do petróleo brasileiro, como atestam as palavras da própria Dilma. Uma lógica sinistra! Mas, segundo ela, com tais recursos seria possível “melhorar e dar educação de primeiro mundo para os jovens e os adultos. É isso que vamos fazer”. [6] Será?

O Estado brasileiro investe atualmente 5,3% do PIB em educação e 3,6% em saúde [7]. Seria necessário dobrar esses valores para que tais áreas tivessem um funcionamento satisfatório. No entanto o Estado gasta menos em saúde (42%) do que as famílias (58%) e bem menos do que países como Espanha, Reino Unido e Suécia que investem de 7% a 9% do PIB em seus sistemas públicos de saúde. [ibidem] Para a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública, Lígia Giovanella:

“O SUS sofre de um subfinanciamento crônico. Quando a população vai às ruas clamar por mais recursos públicos na saúde, ela tem toda razão. Nosso gasto público com saúde é menor do que 4%. A gente precisa de pelo menos 8% do PIB. Precisamos dobrar os gastos. (...)” [ibidem]

Apesar dos discursos ufanistas do governo os recursos dos royalties são insuficientes para reverter esse quadro. Paulo César Ribeiro Lima, da Consultoria de Recursos Minerais, Hídricos e Energéticos da Câmara dos Deputados, mesmo fazendo projeções com valores acima do celebrado pela Presidente Dilma é categórico ao constatar que “Não chegaremos nos 10%, nem pensar![8] Por sua vez, Daniel Clara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, calcula que o incremento será de 1% a 1,5% do PIB em 10 anos! [ibidem]

Para o ano que vem estão previstos R$ 1,4 bilhão para a educação, oriundos dos royalties [idem 6]. Uma ninharia! Além do mais, todo o ano o governo corta das áreas sociais para drenar recursos para o pagamento da dívida pública amparado em um mecanismo legal chamado Desvinculação de Receitas da União (DRU). Em 2012 a saúde sofreu um corte de R$ 5,5 bilhões e a educação R$ 1,9 bilhão. Logo, o que garante que o governo, cuja preocupação número 1 dos protestos foi garantir aos especuladores que o modelo econômico seria mantido, não desviará parte desses recursos para os rentistas? Nada! Aliás isso já é uma realidade como denunciam Maria Lucia Fattorelli, Rodrigo Ávila e Heitor Claro (integrantes do Auditoria Cidadã da Dívida):

“Importante lembrar também que os royalties do petróleo têm sido destinados para o pagamento da dívida, em violação às leis que destinam tais recursos para áreas como meio ambiente e ciência e tecnologia. Em 2008, por exemplo, um estoque de R$ 20 bilhões dos royalties (pertencentes à União) foram indevidamente destinados à amortização da dívida, em operação que chegou a ser considerada irregular pelo Tribunal de Contas da União.”

“A dívida pública brasileira, que já representa 78% do PIB e consome quase 50% do orçamento da União, possui diversos indícios de ilegalidade e ilegitimidade que foram comprovados inclusive pela CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados em 2009/2010. Essa dívida, que nunca passou por auditoria, como prevê a Constituição Federal, é altamente questionável, como também revelam estudos elaborados pela Auditoria Cidadã. O elevado volume de recursos consumidos pelo Sistema da Dívida tem impedido a realização dos investimentos necessários em todos os âmbitos, inclusive para projetos energéticos. Adicionalmente, as exigências relacionadas à privatização das estatais, impostas pelo FMI desde a década de 80 e já incorporadas à agenda política dos últimos governos, têm provocado a sucessiva entrega do patrimônio público ao setor privado.” [9]

Em junho o próprio governo já havia anunciado o desejo de utilizar recursos das concessões (privatizações) para engordar o superávit primário, incluindo os blocos de petróleo. Uma alteração na Medida Provisória (MP) 600 garantiria a legalidade de tal manobra. [10]

Por fim cabe ressaltar que diferente do que consta na citação da Presidente no início desse artigo, o projeto final aprovado diferiu do inicialmente enviado pelo seu governo (que era ainda pior), mas ainda assim deixou as portas abertas para uma futura revisão dos recursos oriundos do Fundo Social, conforme alertou o deputado federal Ivan Valente do PSOL:

“Também preocupa muito o acordo realizado com o governo de aprovar o texto apresentado na condição de, no futuro, revê-lo e voltar a destinar apenas os rendimentos do Fundo Social para a educação e saúde. Oras, isso seria um golpe, ainda mais considerando que os recursos do petróleo só causarão impacto no setor em 2017.” [11]


Uma “vitória histórica” das multinacionais petrolíferas e dos especuladores

Entrega de campos já descobertos com recursos públicos, royalties de apenas 15% (quando outros países cobram até 70% [idem 1]), recursos pífios para as áreas sociais com possibilidade de desvios para o rentismo, entre outros descalabros que podem vir a surgir. Fica claro que a “vitória histórica” anunciada pela Presidente Dilma não é nem da saúde, nem da educação e tampouco da sociedade brasileira mas das multinacionais estrangeiras e dos especuladores.

A Petrobras há muito se tornou uma estatal de fachada. Se o governo detem a maioria das ações ordinárias (que dão direito a voto), a maior parte das ações preferenciais (que dão direito aos dividendos) são privadas: 44% nas mãos de estrangeiros, 29% outros privados e apenas 27% estão em posse do governo. [12] Ou seja, a maior parte dos lucros da empresa vão para acionistas privados, não para o governo.

Esse fenômeno tem sérias consequências para o conjunto da sociedade pois os interesses especulativos privados no interior da empresa pressionam para o aumento dos preços dos combustíveis. Isso aconteceu no primeiro semestre quando a Petrobras promoveu uma captação externa de US$ 11 bilhões em títulos (73% para americanos, 17% para europeus e 7% para asiáticos [13]). Parte dos especuladores se queixaram do baixo preço da gasolina no Brasil. Menos de um mês depois, o Copom, servilmente, anunciou mais um possível aumento na gasolina até o final do ano [14], possibilidade que deve se tornar real nos próximos dias, embora com outros argumentos. [15]

A pressão especulativa não isenta de responsabilidade o Governo Dilma (nem o de Lula) pois seguiram privatizando o petróleo brasileiro alimentando cada vez mais um processo que prejudica o conjunto da população e deixa o país cada vez mais vulnerável. Não são vítimas, nem inocentes, bem pelo contrário, como novos agentes da ordem ainda tentam vender como “vitória histórica” seu entreguismo sinistro – o maior da História do país.


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[1] Royalties do Petróleo: Para a educação??? Auditoria Cidadã (04/12/2012):

[2] Aprovação dos royalties do petróleo representa “vitória histórica”, diz Dilma (19/08/2013):

[3] Dilma diz que royalties farão de professor uma “profissão de status” no país (23/08/2013):

[4] Royalties

[5] Libra: a gota de petróleo a transbordar o barril (29/05/2013):

[6] Royalties vão garantir 'educação de 1º mundo' no País, diz Dilma (19/08/2013):

[7] Menos de 4% do PIB é o investimento em Saúde no Brasil (30/06/2013):

[8] Dinheiro dos royalties não será suficiente para cumprir Plano Nacional da Educação, diz especialista (19/08/2013):

[9] Leilões de Bacias Petrolíferas, de Hidrelétricas, e o Sistema da Dívida (13/08/2013):

[10] Receita de concessões engordará superávit primário (14/06/2013):

[11] Aprovação dos royalties foi importante, porém a grande vitória serão os 10% do PIB para educação pública!

[12] Nos 60 anos da Petrobras, Governo Dilma oferece bolo envenenado. Nazareno Godeiro, da coordenação nacional do ILAESE. Gráfico da pág. 16.

[13] Petrobras concluiu captação recorde de US$ 11 bilhões em títulos de dívida (23/05/2013):

[14] Gasolina deve ter reajuste de 5%, prevê Copom (06/06/2013):


[15] Novo reajuste de combustíveis neste ano é dado como certo no governo (22/08/2013):
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/08/1330094-novo-reajuste-de-combustiveis-neste-ano-e-dado-como-certo-no-governo.shtml


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sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Brasil: extraordinária jornada de lutas


Primeiras reflexões sobre as grandes manifestações de massas no País



por Edmilson Costa [*]

 


Introdução

O conjunto das lutas sociais que estão ocorrendo no mundo e, portanto, também as manifestações de junho no Brasil, guardadas os devidos ritmos, proporções e intensidades, possuem uma relação direta com a crise sistêmica global que vem castigando o capitalismo há mais de seis anos. A crise roubou do sistema imperialista grande parte da capacidade de hegemonizar plenamente a ordem mundial como ocorria no passado, ao mesmo tempo em que abriu fissuras na estrutura de dominação, possibilitando a emergência de um conjunto de fenômenos novos nas esferas econômica, social e política da conjuntura internacional.

Mesmo que todos ainda não percebam plenamente, a crise abalou a velha ordem e o sistema capitalista não consegue reagir como outrora à crise econômica, até porque esta crise traz um conjunto problemas novos que as velhas fórmulas keynesianas não conseguem resolver. Após a Segunda Guerra, os capitalistas aprenderam administrar as crises cíclicas, mas não possuem condições nem instrumentos para resolver as crises sistêmicas porque estas reproduzem em bases ampliadas todas as contradições do capitalismo, posto que representam o esgotamento de um longo ciclo de acumulação. Por isso são mais profundas e devastadoras e questionam todos os fundamentos da ordem anterior e só terminam com mudanças de fundo na velha ordem.

Quando ocorrem fissuras profundas na ordem dominante, as massas abrem espaço para sua intervenção e fenômenos pouco imagináveis em um determinado momento se tornam realidade logo depois. Poucos vislumbrariam que velhas ditaduras como as da Tunísia, do Egito e do Yemen cairiam como um castelo de cartas. Esses levantes só ocorreram sem um banho de sangue porque a ordem imperialista estava trincada pela crise. Da mesma forma, poucos observadores brasileiros, inclusive os de esquerda, poderiam imaginar que iriam ocorrer as grandes manifestações de massas em mais de 600 cidades do País, reunindo milhões de pessoas, especialmente jovens.

Além disso, está agora mais claro para os trabalhadores, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, o papel do Estado e sua aliança explícita com as finanças internacionais e o grande capital, como demonstraram as injeções trilionárias de dólares e euros para salvar o sistema financeiro, enquanto os trabalhadores perdiam suas casas nos Estados Unidos e se tornavam alvos de políticas socialmente predatórias na Europa, como o corte nos gastos públicos, nas pensões, nos salários e nas verbas sociais em geral, ações inimagináveis em tempos de calmaria. O objetivo das classes dominantes, com essas medidas, é tentar salvar o capital e colocar na conta dos trabalhadores todo o ônus da crise.

Nessa conjuntura de desagregação da hegemonia imperialista norte-americana, deve-se registrar que as mobilizações dos trabalhadores na Europa e em praticamente todos os continentes, as greves gerais contra a política de ajuste ortodoxo, as manifestações da juventude do Occupy Wall Street, os levantes populares no Norte da África e as mobilizações na América Latina e atualmente no Brasil compõem um novo quadro da luta de classes, no qual os trabalhadores e a população começam a despertar para a luta.

Muito embora ainda sem um objetivo anticapitalista definido, essas jornadas de luta aumentam a consciência dos trabalhadores e os preparam para novas jornadas, como foi o caso da greve internacional dos trabalhadores, que envolveu 25 países europeus no final do ano passado. Mesmo levando em conta que as insurreições populares no Norte da África não conseguiram derrubar a ordem capitalista nesses países e foram seqüestradas por setores das classes dominantes; mesmo ressaltando-se que as greves ainda não colocaram em xeque a ordem capitalista de forma mais organizada, o importante a ressaltar é que a luta de classe mudou de patamar no mundo.

Estamos vivendo um período de mobilizações, greves e levantes populares de caráter global em função da crise, a grande maioria bastante defensiva e com elevado grau de espontaneidade. Estas lutas ainda não ganharam um caráter unitário, não possuem um programa classista e nem estão sob a orientação de uma organização revolucionária, mas nesse momento de crise mundial tudo pode acontecer. Até agora a burguesia tem estado na ofensiva, sob o guarda chuva do Estado, enquanto os trabalhadores resistem a partir de condições objetivas de cada região. Mas em conjuntura dessa ordem, como diriam os clássicos do marxismo, os anos se realizam em dias, os meses em horas, uma vez que a pedagogia da luta concreta generalizada ensina mais que as lutas específicas em longos anos de calmaria.

Num mundo globalizado, em que as informações circulam à velocidade da luz, os levantes, mobilizações e greves e um determinado País, numa conjuntura de crise mundial, funcionam pedagogicamente. Mesmo com a brutal manipulação que os meios de comunicações realizam diariamente, são incapazes de esconder as grandes manifestações que estão ocorrendo em várias partes do mundo. Para uma população que acumulou descontentamento e frustrações ao longo dos 30 anos do período neoliberal, o exemplo dos levantes em um determinado País influencia a psicologia das massas a se manifestar também em outras regiões – as pessoas vão perdendo o medo e despertando energias para ações coletivas.

Nessa conjuntura é que se inscrevem as lutas populares de junho no Brasil. Ao contrário do que comumente é divulgado pela mídia, fazendo eco aos interesses da velha ordem, essa história de que o povo brasileiro é pacífico, ordeiro, avesso às lutas, levantes ou revoluções, é apenas um mito repetido pelas classes dominantes para anestesiar a população. As manifestações de junho podem ser consideradas o início de uma extraordinária jornada de lutas do povo brasileiro contra o domínio do capital. Estamos apenas no começo de uma longa trajetória de lutas, de um ascenso das lutas sociais, cujo desdobramento ainda não é possível vislumbrar, mas com certeza, ao final dessa jornada, o Brasil será um País bem diferente daquele anterior às mobilizações.

Um fim de um ciclo e o começo de outro

As manifestações de junho refletem o fim de um longo ciclo que se iniciara em 1978 com as greves do ABC, processo no qual a classe operária entrou em cena num confronto aberto com ditadura e o capital e cujas lutas foram determinantes para derrocada do governo militar e a conquista da democracia. Esse ciclo forjou um conjunto de organizações sociais e políticas que se criaram e se consolidaram no bojo das lutas sociais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Partido dos Trabalhadores (PT) e, posteriormente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), além de outras entidades e organizações de menor dimensão nacional.

Essas organizações, criadas a partir das lutas dos trabalhadores, desempenharam nos seus primeiros anos de existência um papel fundamental na luta social e política do País, incorporando dezenas de milhares de ativistas sociais à batalha da luta de classes. Desenvolveram um conjunto de lutas anticapitalistas e contra a ditadura, mas não conseguiram forjar um programa classista nem uma ideologia proletária. Seus dirigentes, honestos combatentes forjados na luta, também não conseguiram ultrapassar o terreno do reformismo. Nunca chegaram a formular uma perspectiva socialista para a sociedade brasileira. Terminaram sucumbindo às primeiras benesses oferecidas pelos inimigos de classe.

Aos poucos, todas essas organizações foram se amoldando ao sistema, à medida em que o Partido dos Trabalhadores conquistava espaços na institucionalidade. Esse foi um processo lento, gradual, mas permanente, que começou com a conquista de governos municipais, estaduais e cujo desfecho foi a eleição de Luis Inácio Lula da Silva à presidência da República. Quando Lula assumiu o poder essas organizações já estavam adaptadas ideologicamente à ordem capitalista, com um discurso muito diverso dos primeiros tempos [1] . A partir daí, tornaram-se organizações chapa branca [NR] , sem nenhuma independência perante o governo e sua coalizão conservadora, inclusive os principais dirigentes sindicais daquela safra de lutas se acomodaram nas estruturas governamentais e outros se transformaram em burocratas nas diversas instâncias governamentais e o próprio presidente da CUT se tornou ministro do Trabalho de Lula.

Outro aspecto dessa trajetória, também muito negativo, deve ser ressaltado para compreendermos vários elementos da conjuntura atual. O Partido dos Trabalhadores e a Central Única dos Trabalhadores exerceram hegemonia sobre os movimentos sociais ao longo dos últimos 30 anos. Esse foi um período de intensa deseducação política, especialmente a partir do momento em que essas organizações foram se adaptando aos parâmetros da ordem, uma vez que o PT e a CUT trouxeram para o interior dos movimentos sociais uma série de vícios pós-modernos em termos ideológicos e organizativos, além de uma enorme frustração da militância a partir das denúncias de corrupção. Mas esse processo se tornou mais claro no governo Lula. A partir daí, uma política que era feita meio envergonhadamente se tornou uma prática corriqueira orientada a partir do Palácio do Planalto.

Foram dez anos de cooptação aberta do movimento sindical e dos movimentos sociais (CUT, UNE, UBES), mediante cargos no governo e vultosas verbas para sindicatos, centrais sindicais e entidades sociais, em troca da paz social e apoio ao governo; despolitização da sociedade, apassivamento dos trabalhadores, institucionalização da luta de classes e corrupção nos vários escalões governamentais, cujo desfecho pode ser sintetizado naquilo que ficou conhecido como "mensalão", que ceifou da cena política os principais dirigentes do PT, quase todos antigos líderes sindicais.

Enquanto buscava-se institucionalizar a luta de classe, uma poderosa máquina de propaganda anunciava ao Brasil e ao mundo um país do conto de fadas. Alardeava-se a incorporação de dezenas de milhões de brasileiros à classe média, um aumento extraordinário do emprego e da renda, além do bolsa família que aliviava a pobreza de mais de 40 milhões de miseráveis. Difundia-se que o Brasil estava galgando os degraus do primeiro mundo, participava dos BRICs, era respeitado no cenário internacional e até emprestava dinheiro ao Fundo Monetário Internacional, quando no passado era um devedor contumaz.

Na vida real, podia-se fazer outra leitura do Brasil: o grande capital financeiro e industrial nunca teve tantos lucros quanto nos anos de governo do PT, fato que era divulgado até pelo presidente, quando este se queixava, bastante magoado, que setores das classes dominantes não o toleravam; nunca os grandes grupos econômicos estiveram tão fortalecidos e beneficiados por fusões e aquisições seladas por financiamentos bilionários a juros próximo a zero do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do presidente-operário; nunca o agronegócio foi tão beneficiado pela política econômica e ganhou tanto dinheiro e benesses quanto nesses dez anos, enquanto a reforma agrária ficava para as calendas e os líderes camponeses, religiosos e indígenas eram assassinados pelos latifundiários e fazendeiros.

Enquanto isso, nas grandes metrópoles brasileiras a população e, especialmente, os trabalhadores e a juventude, enfrentavam uma realidade bem diferente. A mobilidade urbana representada por um transporte caótico, infernizava a vida da população. Os trabalhadores eram obrigados a perder cerca de quatro horas em ônibus precários e metrôs superlotados para ir e vir do trabalho; a saúde pública também precária e indigna levava as pessoas a ficar horas e dias em filas intermináveis nos postos de saúde e os doentes jogados em macas no chão dos hospitais públicos; a falta de moradia obrigava cerca de 25 milhões de pessoas a viver em favelas e habitações precárias, sem infraestrutura e saneamento, muitas regiões com esgotos a céu aberto, sem água encanada e coleta de lixo. Além disso, nas periferias das grandes cidades a população e, principalmente, a juventude, eram obrigados a conviver permanentemente com a violência da polícia e dos marginais, além dos assassinatos cotidianos de jovens pobres, pardos e pretos.

Mesmo os milhões de empregos criados no governo Lula não tinham a dimensão que a publicidade costumava apresentar. Por exemplo: "Do total líquido de 21 milhões de postos de trabalho criados na primeira década do século XXI, 94,8% foram (contratados, EC) com rendimento de até 1,5 salário mínimo mensal [2] ... enquanto na faixa de cinco salários mínimos mensais a queda total atingiu 4,3 milhões de ocupações". [3] Portanto, mesmo naquilo que o governo considerava seu maior êxito, a realidade se apresentava com outro rosto.

Ou seja, a verdadeira realidade brasileira era sentida de outra forma nas ruas e nas casas de cada brasileiro, independentemente do marketing, da manipulação dos meios de comunicação e da política governamental. Mais dia menos dia esse caldeirão social prenhe de indignação teria que emergir dos subterrâneos da insatisfação popular para a ação social nas ruas, até porque os capitalistas e seus aliados da social-democracia retardatária brasileira não conseguiram descobrir uma fórmula que extinguisse a luta de classes. Se a realidade fosse aquela que o governo difundia diariamente, a juventude e os trabalhadores não teriam se manifestado com a fúria que demonstraram nas ruas de todo o País.

Portanto, as manifestações de junho iniciam um novo ciclo de lutas sociais e políticas no Brasil. Podemos dizer que agora as massas estão completando sua experiência com o governo do PT e buscam novas alternativas para resolver seus problemas concretos. Com as manifestações, uma nova geração inteira se integra de forma ativa à luta de classes nas ruas de todo o País, das pequenas cidades do interior às grandes metrópoles, com sua linguagem própria, seus métodos de luta, sua fúria contra os símbolos do capitalismo, num ensaio geral que tem um grande potencial de mudanças.

Natureza e característica do movimento

Realmente, após mais de duas décadas de refluxo do movimento social no Brasil [4] , a população entrou na cena social e política com uma indignação extraordinária, mais uma vez quebrando o velho mito divulgado pelas classes dominantes de que o povo brasileiro é ordeiro e pacífico e que exorciza suas mágoas e frustrações no carnaval, no futebol e no samba. Para os menos atentos aos fenômenos históricos e sociais, a retomada das lutas sociais em praticamente todas as regiões do País teria sido uma grande surpresa. No entanto, se observarmos mais atentamente a conjuntura brasileira poderemos verificar que a revolta social de junho de 2013 já vinha emitindo vários sinais há algum tempo.

Em artigo que publicamos em resistir.info e posteriormente editado como capítulo de livro, advertíamos que a luta de classe tinha mudado de patamar no mundo em função da crise sistêmica global. "Um fenômeno novo vem ocorrendo nesta conjuntura, que é a emergência das lutas sociais em praticamente todas as regiões do planeta. Ainda embrionárias, com certo grau de espontaneísmo, sem uma vanguarda com capacidade de construir um projeto alternativo ao capital, as lutas de massas mudaram de patamar". [5] Como a crise envolve todo o sistema capitalista e como o Brasil é parte integrante desse processo, não poderia estar blindado diante dos problemas globais. Dessa forma, era só uma questão de tempo, mais dia menos dia a crise social aqui também chegaria – e com os mesmos elementos de surpresa e ousadia que acontecera em outras regiões do planeta.

Um bom parâmetro para captarmos os sinais da efervescência social no País pode ser medido pelo movimento grevista. Se analisarmos as greves dos últimos três anos, veremos que em 2010 o número de greves no País atingiu 446 categorias profissionais, com 44.910 horas paradas; em 2011, esse número aumentou para 554 greves e 63.331 horas não trabalhadas; e em 2012 saltou bruscamente para 879 greves (300 das quais no setor industrial), com 88.858 horas de braços cruzados, incluindo metalúrgicos, setor de transporte, bancários, professores, funcionários públicos e outras categorias [6] . Deve-se levar em conta ainda as lutas recentes, espontâneas e radicalizadas realizadas pelos operários da construção civil nos canteiros de obras da Usina de Jirau, Santo Antônio, Belo Monte e várias cidades brasileiras, todas com um grau de fúria dos trabalhadores muito expressivo, com quebra-quebra de instalações, queima de ônibus, prisões, mortes e brutal repressão contra os operários da construção (Tabela 1).


Balanço das greves e das horas paradas no Brasil 1983-2012
Ano
Número de greves
Quantidade de horas paradas
1983 250 7461
1984 408 12084
1985 621 29948
1986 1014 44453
1987 996 58958
1988 877 51137
1989 1962 127279
1990 1773 117027
1991 1041 67756
1992 556 37902
1993 644 39321
1994 1035 477749
1995 1058 48102
1996 1228 58792
1997 631 22564
1998 531 20383
1999 506 18236
2000 525 25838
2001 416 20784
2002 298 18521
2003 340 15805
2004 302 23851
2005 299 19738
2006 320 24703
2007 316 30632
2008 411 24681
2009 518 34730
2010 446 44910
2011 554 63331
2012 873 86858
Fonte Dieese: Balanço das greves de 2012. Elaboração do autor.



O povo pobre dos bairros e os sem teto também vinham realizando ocupações de terrenos vazios e prédios abandonados em várias metrópoles, episódios que envolveram muita luta e também violenta repressão por parte das forças policiais nos momentos de desocupação dos terrenos e prédios. Pode ser considerada emblemática a luta da comunidade do bairro de Pinheirinho, no interior de São Paulo, cujos milhares de habitantes que viviam há vários anos na região, foram desalojados à bala pela polícia estadual, resultando em uma morte e centenas de feridos e presos, o que desencadeou um vasto movimento nacional de solidariedade contra a repressão.

A esses sinais da conjuntura deveremos juntar o descaso das autoridades em relação aos transportes públicos, um serviço caótico e precário que transformou as grandes cidades num inferno dantesco nas horas de rush; a indignidade da saúde pública, da infraestrutura e do saneamento nas periferias e o déficit de oito milhões de moradias. Tudo isso somado torna-se fácil encontrar a explicação para a fúria dos manifestantes de junho. É significativo ainda o fato de que o ódio das pessoas estivesse voltado exatamente contra os símbolos do capitalismo no País, como os bancos, as empresas, as assembléias legislativas, os palácios municipais, estaduais, o Congresso Nacional e até o Palácio do Itamarati, em Brasília.


É evidente que as depredações contaram também com a ação de provocadores, policiais infiltrados, marginais e lumpens em geral, mas se não existisse um caldo de cultura anterior, esses atos seriam isolados e não tomariam a dimensão que tomaram. Essas cenas são próprias dos períodos iniciais das revoltas populares, especialmente quando se realizam com elevado grau de espontaneidade e não possuem uma direção que oriente a indignação para pautas políticas ou para o desmonte do sistema.


Vale ressaltar ainda que as manifestações de junho no Brasil seguiram o mesmo padrão histórico das revoltas populares em todo o mundo. O aumento das passagens de ônibus foi apenas a senha, a faísca que incendiou o paiol da rebeldia que estava latente e que queimava no interior da sociedade. De uma manifestação inicial contra o aumento de vinte centavos de Real no preço das passagens dos ônibus em São Paulo, que em tempos normais reunia não mais que mil pessoas, rapidamente as ruas foram tomadas por milhões de manifestantes, com uma pauta ainda difusa, mas que na maioria dos casos incluíam os temas que realmente atormentam o dia a dia da população.


A primeira manifestação em São Paulo, organizada pelo Movimento Passe Livre, com a presença de várias forças de esquerda, reuniu cerca de cinco mil pessoas [7] . Na terceira já eram mais de dez mil manifestantes e foram realizados vários enfrentamentos com a polícia. Na quarta, com cerca de 20 mil pessoas na rua, o governo de São Paulo resolveu acabar com o movimento, mediante uma violenta repressão, que envolveu milhares de policiais, carros blindados, gás lacrimogêneo, balas de borracha, cavalaria contra a população e centenas de prisões e feridos, inclusive cerca de duas dezenas de jornalistas. A repressão gerou indignação na população, uma vez que a televisão e as redes sociais passaram a divulgar os episódios, ficando claro não apenas a brutalidade da polícia, mas também despertando uma cadeia de solidariedade ao movimento em vários setores da população.


A repressão foi tão grande e gerou tanta indignação que o governo de São Paulo e a polícia resolveram recuar e permitir a grande manifestação da quinta feira, dia 17 de junho, quando cerca de 250 mil pessoas ocuparam as ruas de São Paulo, um milhão no Rio de Janeiro e centenas de milhares em outras regiões, transformando-se assim num movimento nacional envolvendo milhões de pessoas. Dois dias depois os governos municipal e estadual cederam e cancelram os aumentos dos ônibus. Se a reivindicação inicial era o aumento do preço da passagem, logo depois outras pauta entraram em cena, como a saúde, a educação, a corrupção, os gastos com a copa do mundo e uma infinidade de temas que estavam represados e que agora podiam chagar à superfície livremente em manifestações coletivas pelas ruas do País (Infográfico das manifestações).


Infográfico dos atos contra o aumento da tarifa em São Paulo


Recepção das manifestações por parte da mídia

Fonte: O Movimento Passe Livre e as mobilizações de rua no Brasil

Como todos os movimentos espontâneos da população, esse não fugiu à regra. Suas pautas políticas eram inicialmente difusas e não havia uma liderança com a qual o governo pudesse negociar. No início, a maioria dos manifestantes era constituída de jovens das camadas médias urbanas, mas com o aumento do movimento essa composição social se modificou substancialmente, pois nas grandes manifestações que se seguiram a grande maioria já era constituída de jovens oriundos da periferia, filho de trabalhadores e assalariados precarizados da Grande São Paulo e das várias regiões do País. Como também ocorre no início das lutas espontâneas, essa massa enorme que tomou as ruas do País não tinha muita clareza dos objetivos pelos os quais saía às ruas, mas sua fúria indicava um profundo sentimento de indignação com a situação do País, suas condições de vida nas periferias das cidades e grande indignação contra a corrupção generalizada nos vários escalões governamentais.

Vale ressaltar ainda que as três décadas de deseducação política orientadas pelo PT e suas organizações sociais estimularam o apassivamento e a despolitização da população e, principalmente, da juventude, o que se refletiu nas pautas e palavras de ordem de muitos momentos das manifestações. Não se poderia exigir dessa juventude palavras de ordem semelhantes às dos experientes militantes políticos, nem comportamentos típicos das manifestações onde a esquerda predominava. Trata-se de uma juventude que estava debutando para a luta social e política. Os problemas que ocorreram durante as manifestações, como hostilidade às bandeiras vermelhas e às forças de esquerda, foram estimulads pela grande mídia, mas também tem como responsável o Partido dos Trabalhadores e suas organizações sociais, que não cumpriram seu programa de mudanças, procuraram de todas as formas institucionalizar a luta de classes e colocar para debaixo do tapete as contradições sociais.

A esquerda revolucionária, que esteve ao longo desses tempos em oposição ao governo Lula-Dilma, pagou alto preço ao ser confundida com o PT. Para aquela massa com pouca clareza política, todos os partidos eram iguais. Todos tinham a bandeira vermelha, que também era a bandeira do PT. Tudo era farinha do mesmo saco. Realmente, não se poderia exigir daqueles jovens recém-chegados à cena política que soubessem diferenciar entre os revolucionários, que ao longo dos anos estiveram contra a ditadura e na oposição ao governo, e o partido de Lula e Dilma que assumiu o governo e descumpriu todas as promessas de mudar o País. No fundo, aquela massa clamava subjetivamente por um verdadeiro partido de esquerda, com condições de realizar um diálogo aberto, sem preconceito e com propostas que fosse ao encontro de suas verdadeiras reivindicações; um partido que tivesse capacidade para construir uma nova ordem econômica e social para o País.

Não se pode deixar de levar em conta também o papel da mídia tradicional nos eventos de junho. Inicialmente, os manifestantes foram tratados de forma padronizada, como ocorria em todas as manifestações. A ordem era a criminalização da luta social. Por isso, os manifestantes foram chamados nos meios de comunicação de vândalos, baderneiros, marginais, que queriam sabotar a ordem e o progresso do País. Num segundo momento, quando as manifestações ganharam o caráter de massas, as televisões mudaram de posição e passaram a legitimar os manifestantes e condenar apenas uma minoria como baderneiros. No entanto, passaram a estimular, subrepticiamente, os manifestantes a rejeitar as bandeiras vermelhas e os partidos políticos de esquerda, insinuando que eram oportunistas que queriam se aproveitar daquele movimento para o qual não teriam contribuído [8]

Além disso, estimulavam os manifestantes a pintar o rosto de verde-amarelo, numa lembrança às grandes manifestações do impeachment de Collor, levar a bandeira brasileira e usar camisetas verde-amarelo e cantar slogans que própria TV inventou para os jogos da seleção brasileira, como "sou brasileiro, com muito orgulho...". Assim, a mídia tradicional buscava sorrateiramente vincular seus objetivos e de seus patrocinadores à consciência possível dos manifestantes despolitizados nos anos de hegemonia do PT e, dessa forma, evitar que a esquerda passasse a comandar as manifestações. Afinal, quem poderia estar contra os símbolos nacionais? Quem poderia ser contra os jovens pintarem o rosto de verde-amarelo, se isso representava um momento histórico das manifestações contra a corrupção?

Agora, a luta de classe manifestava-se mais abertamente em dois terrenos: nos meios de comunicação e nas ruas. Ressalte-se que até a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) entrou abertamente na disputa, pois nos dias das manifestações seu imponente prédio na avenida Paulista estava todo vestido digitalmente com as cores verde-amarelo, de forma a mostrar que a luta era de todos, inclusive da burguesia. Tentaram transformar a reivindicações populares em pautas morais como a luta contra a corrupção, de forma a desviar a atenção dos verdadeiros problemas do País. Na verdade, a pauta contra a corrupção é uma hipocrisia dos setores burgueses e conservadores, pois são os empresários os principais corruptores do País, na luta surda para ganhar as licitações governamentais.

Para completar o serviço, pequenos grupos fascistas e nazistas, aliados a lumpens, foram mobilizados para representar a tropa de choque das classes dominantes nas ruas. Esses grupos, enquanto estimulavam a massa a gritar "sem partido", "sem as bandeiras", avançavam contra as forças de esquerda com paus e barras de ferro buscando intimidar e tirar a esquerda das ruas. Foram momentos difíceis para esquerda, que tinha as ruas como sua propriedade. Mas esses episódios merecem também uma reflexão, pois quem imaginava que a direita não possuía condições de disputar as ruas, agora deve ficar mais atento e não subestimar o inimigo.

O papel das redes sociais e o contraponto à mídia tradicional

Merece destaque o papel que as redes sociais cumpriram nesse processo. Em termos gerais, se constituíram numa ferramenta contra-hegemônica em relação aos meios de comunicação tradicionais. Isso porque a maioria da juventude brasileira já nasceu plugada à internet, faz parte de uma geração da era digital, possui uma linguagem associada a esses novos meios de informação e faz a maioria de suas comunicações utilizando as redes sociais. Para se ter uma idéia da dimensão e poder das redes sociais no Brasil, é importante ressaltar que cerca de 77,7 milhões de brasileiros com mais de 10 anos são usuários da internet, ressaltando-se que entre a juventude mais de 70% dos jovens acessam normalmente a internet, segundo os dados da PNAD de 2011. A mesma pesquisa indica que 115,4 milhões de pessoas com mais de 10 anos possuem telefone celular [9] .

Se levarmos em consideração que o acesso às redes sociais pode ser realizado tanto por computador, tablets ou telefones celulares poderemos aferir mais plenamente o papel das redes sociais na comunicação entre os jovens e a importância que esses meios de comunicação tiveram na convocação da juventude para ir às ruas nas várias cidades do País. Além disso, deve-se também levar em conta que, apesar da influência e manipulação dos meios de comunicação tradicionais junto ao conjunto da população brasileira, essa hegemonia está sendo cada vez mais contestada pelas novas mídias, uma vez que cada pessoa pode filmar, fotografar e postar, on line, nas redes sociais. Pelas novas mídias, as pessoas podem comparar as informações da TV e divulgar a contraversão para milhares de internautas, de forma a que possam tirar conclusões diferentes das veiculadas pela mídia tradicional. Muitas informações manipuladas e veiculadas pela televisão, por exemplo, foram imediatamente desmentidas e desmoralizadas pelas redes sociais.

Evidentemente que as redes sociais não têm a mesma penetração, nem a dimensão popular e manipulatória do rádio, dos jornais e da televisão, pois esses meios de comunicação são financiados pelo grande capital e contam com milhares de profissionais organizados nas redações e diariamente orientados para veicular informações de acordo com os interesses dos proprietários da mídia, no Brasil um oligopólio dominado por nove famílias. Esse oligopólio, a exemplo do que acontece no mundo, funciona como o partido político dos setores mais reacionários da sociedade. Mesmo com esse imenso poderio, as redes sociais ampliam a cada dia sua influência, especialmente entre os jovens, o que tem transformado esses veículos num contraponto à mídia do capital.

Dessa forma, as redes sociais tiveram um papel fundamental na convocação das manifestações. Isso explica em parte o fato de que um movimento modesto, como o Passe Livre de São Paulo, que antes das grandes mobilizações realizava pequenas manifestações, de uma hora para outra consegue mobilizar centenas de milhares de jovens em São Paulo e influenciar outros tanto milhões a se manifestarem pelo Brasil a fora. No dia da maior manifestação, a que reuniu cerca de 250 mil pessoas em São Paulo, o site do movimento contabiliza a cada minuto um aumento do número de adesões à manifestação, como se estivesse funcionando como uma central de mobilizações – só que virtual.

Essa geração que foi às ruas mobilizadas pelas redes sociais nasceu num mundo dominado pelas tecnologias da informação, um ambiente digital onde a relação indivíduo-computador-celular e redes sociais (facebook, twiter, You Tube) são as principais ferramentas de informações e, ao mesmo tempo, o ambiente virtual que consolida e amplia relações pessoais, dá identidade a grupos e pautas de debate e agora serviu de canal para agregar um descontentamento que vinha se gestando durante vários anos na sociedade brasileira, marcada nesse período pelo caos urbano no transporte, pela saúde e habitação precárias, baixos salários e trabalho precarizado, repressão policial nas periferias, além da falta de perspectivas sociais e econômicas para toda uma geração.

Portanto, trata-se de um imenso contingente da população formado a partir de informação e comunicação fora dos padrões tradicionais, como os jornais, o rádio e a televisão. Assim, as novas formas de comunicação, aliadas ao descontentamento latente da juventude e da população em geral, tornaram-se caldo de cultura que possibilitaram uma mobilização inédita na história das lutas sociais do País. A partir de agora, quem quiser qualquer diálogo com esse contingente da juventude terá não apenas que expressar politicamente os seus anseios e reivindicações, mas também aprender a se comunicar através de novos signos e ferramentas das redes sociais.

Entretanto, ser um contraponto ao oligopólio das comunicações não significa que a mídia tradicional tenha perdido a capacidade de influenciar e manipular a sociedade. Os meios de comunicação tradicionais, especialmente a TV, o mais importante entre esses órgãos, são ainda a principal fonte de informação da grande maioria da população, com a vantagem de que, aliada a informação que veiculam diariamente nos telejornais, ainda formam opinião através das novelas, dos programas de auditório e dos outros tipos de programa. Através deste grande aparato, ainda tem possibilidade de consolidar o senso comum, formar opiniões em função da repetição massacrante dos temas sociais e políticos de interesse das classes dominantes e influir na formulação de políticas governamentais.

É preciso entender os acontecimentos de junho

As manifestações de junho merecem uma profunda reflexão autocrítica por parte de todos aqueles que se consideram de esquerda. Uma reflexão sem preconceito, sem dogma, sem fórmulas prontas. Os levantes populares de junho condensaram um conjunto fenômenos novos, como novas formas de organização, novos métodos de fazer política, nova forma de comunicação entre as pessoas, novos atores sociais. Estes fenômenos devem ser analisados com atenção para que se possa entender o significado dessa jornada inicial de lutas e linkar a essas novas demandas uma estratégia transformadora que se adeque aos anseios das ruas.

Primeiro, as lutas espontâneas não possuem donos. Como em toda manifestação, só pode ser condutor aquele que construiu ou ajudou construir movimento ou ainda que é reconhecido pelo movimento. Essas manifestações não foram construídas por ninguém, nem mesmo pelo Passe Livre, organização que ficou mais conhecida no início do movimento. Os levantes de junho foram resultado de um acúmulo de problemas sociais, econômicos e políticos que vinham se gestando por longos anos no interior da sociedade e que explodiram com fúria e indignação em junho. Por coincidência começou quando o Passe Livre conclamou a todos para se manifestarem contra o aumento das passagens de ônibus. Mas poderia ter sido outro motivo qualquer, como o corte de árvores no Parque Gize, na Turquia, ou a imolação de um vendedor ambulante na Tunísia. As revoltas espontâneas não obedecem a um manual ou figurino pré-estabelecido, nem pedem licença para entrar na cena política.

Segundo, a esquerda revolucionária, em processo de reconstrução após a queda da União Soviética, não soube tirar as conclusões necessárias da crise sistêmica global, do novo patamar da luta de classes aberto com a crise, nem conseguiu vincular os problemas da conjuntura internacional com a situação nacional. Subjetivamente, estava influenciada pelos números do crescimento econômico, do aumento do emprego e da renda, além do fato de que a própria conjuntura de hegemonia do PT e de suas organizações sociais não lhes permitiu um crescimento suficiente para influenciar o curso dos acontecimentos.

Terceiro, não eram fascistas todos os que gritavam "sem bandeiras" ou "sem partidos". Tratava-se de uma massa enfurecida e influenciada pelos meios de comunicação contra os partidos em geral e o PT em particular, cujo governo não resolveu os principais problemas da população, apesar de a população ter depositado imensa esperança de que com esse governo os problemas da população seriam resolvidos. Como o PT, no imaginário popular faz parte da esquerda. Como também sua bandeira é vermelha e como se envolveu na corrupção, toda a esquerda foi confundida com o PT. A consciência possível daquela massa indignada com anos de desleixo do governo em relação às suas necessidades, com os problemas econômicos e a corrupção generalizada no governo não poderia diferenciar a esquerda que não se rendeu da esquerda que se vendeu.

Quarto, todos compreendemos o quanto a ditadura militar utilizou os símbolos nacionais para justificar um regime terrorista. Mas não se pode atualmente confundir os símbolos nacionais com a ditadura. Portanto, os milhões de jovens que pintaram o rosto de verde-amarelo não eram reacionários nem fascistas. Foram em algum momento manipulados habilmente pela mídia e por setores fascistas e de direita, mas estes jovens estavam exercendo a rebeldia à sua maneira, buscavam uma identidade em função de sua falta de perspectiva, que não pôde ser construída pela esquerda. O importante é que a esquerda não pode deixar a bandeira do patriotismo e da soberania nacional nas mãos da direita. Isso é tudo que eles querem, uma vez que as reivindicações expostas nas manifestações não podem ser resolvidas pelos setores de direita, afinal foi a direita e, especialmente, os neoliberais, que implantaram as principais medidas antinacionais e antipopulares dos últimos 20 anos, continuadas em seus eixos básicos pelo governo do PT.

Quinto, as manifestações demonstraram uma enorme crise de representatividade no País. O aparato institucional, constituído pelo Executivo, Legislativo e Judiciário, não é reconhecido pela maioria da população como sua representação. Isso é compreensível em função da enorme corrupção que permeia esses poderes, da falta de resposta às reivindicações populares e da truculência com que o Estado e suas forças policiais tratam a população mais pobre. Os partidos políticos, em sua grande maioria, também estão inteiramente desmoralizados tanto pela corrupção como pelas negociatas, pelas promessas não cumpridas e pela sem cerimônia com que tratam do dinheiro público e as reivindicações populares. No imaginário popular, ser parlamentar, membro do Executivo ou dirigente partidário se assemelha a agentes da ladroagem, do enriquecimento fácil. Portanto, há uma necessidade urgente de uma reforma geral das instituições de forma a torná-las aderentes às reivindicações populares, o que não pode ser feito a partir dessas instituições.

Sexto, com as manifestações de junho a juventude e grande parte da população perdeu o medo, deixou de lado a passividade e começou a aprender que a população nas ruas tem uma força de gigantesca. Isso pode ser constatado se observarmos o desespero e perplexidade das classes dominantes e seus representantes políticos diante das manifestações. A prórpria presidente da República teve que vir a público responder à voz das ruas propondo um pacto, que não interessava às classes populares e que não tinha condições de impor à sua base aliada. Mesmo assim, o Congresso Nacional também teve que colocar em pauta a toque de caixa uma série de medidas que estavam engavetas há muitos anos, como a lei do passe livre, medidas contra a corrupção, entre outras. Em termos práticos, o movimento de junho já conseguiu uma vitória concreta, pois reverteu o aumento das passagens de ônibus, além de obrigar o sonolento Congresso a votar algumas medidas pressionado pelas ruas. Como se sabe, uma vitória é uma vitória. Quando há uma conquista popular obtida a partir das ruas, a população eleva a moral, sai fortalecida e percebe a força que tem. Esse processo acumula para novas lutas.

Sétimo, ainda falta um elemento essencial para compor um quadro de ofensiva popular, que é a entrada em cena da classe operária. É compreensível que as mobilizações tenham começado pela juventude, pois esta tem mais mobilidade, está menos sujeita às imposições do capital. Mas a crise também colocará em movimento os trabalhadores do chão das fábricas, apesar das instituições que os representam estarem quase todas funcionando como bombeiros da luta de classe. Como as massas em geral estão completando sua experiência com o governo do PT, o próprio PT e, especialmente, a CUT, em algum momento próximo romperão as amarras do sindicalismo oficial e entrarão na cena política para desequilibar o jogo a favor dos interesses populares.

Essas instituições estão brincando com fogo ao chamar à mobilizações dos trabalhadores. De um lado, imaginam que, ao conclamar às manifestações, podem recuperar o prestígio que perderam com a imobilidade dos últimos anos e mesmo se apresentar como protagonistas das lutas populares. Mas de outro, podem perder o controle do movimento, uma vez que a insatisfação é generalizada e estas instituições não estão dispostas a ir até às últimas consequências. Poderão se desmoralizar diante dos trabalhadores. Portanto, é fundamental a participação das forças classistas nesse processo, com suas bandeiras de lutas, de forma separar o joio do trigo e construir uma nova correlação de forças entre os trabalhadores, com a construção de novos instrumentos de luta contra o capital.

As lições dessa jornada e as perspectivas

Como elemento mais de fundo da conjuntura após as manifestações de junho, pode-se dizer que chegou à superfície uma contradição antagônica entre o modelo econômico, social e político construído a partir dos anos 80, aprofundado no período FHC e continuado em sua essência pelo governo Lula-Dilma e os anseios da população brasileira. Se esta contradição era latente ao longo desses anos, agora tomou a forma contestatória de grandes manifestações de massas nas ruas em busca de um novo projeto. Mesmo ainda difuso, sem pautas unificadas, o grito das ruas representa o esgotamento de uma formar de governar, de uma forma de fazer política e dirigir a economia. Despida do apassivamento, das manipulações midiáticas e do medo de colocar suas reivindicações nas ruas, a luta da população e dos trabalhadores também mudou de patamar no Brasil.

Ao longo da história, as elites brasileiras sempre buscaram se antecipar às mudanças para que nada pudesse mudar. Sempre buscaram cooptar os agentes mudancistas, de forma a que os movimentos não ganhassem autonomia e passassem a contestar a própria ordem conservadora. Quando essa tática não funcionava, apelavam para a repressão pura e simples. Os últimos pactos das elites, costurado no período da democratização com Tancredo-Sarney, radicalizado no período neoliberal e repactuado com a Carta aos Brasileiros que orientou o governo Lula e agora Dilma, está sendo questionado de uma forma que não se via desde os tempos das lutas pelas reformas de base na década de 60.

O novo ciclo de lutas que se abriu com as manifestações de junho vai continuar sua trajetória, porque um processo de lutas como o que está acontecendo, animado por um lastro de carências em praticamente todas as áreas, só se esgota diante de três possibilidades: se for derrotado, se for cooptado ou se obtiver uma vitória. A história já nos ensinou a esse respeito. Na década de 60 o ciclo de lutas sociais se esgotou com a derrota deste movimento, mediante o golpe militar de 1964. O ciclo que se iniciou com as greves de São Bernardo foi cooptado e domesticado pelo PT e o governo Lula. Portanto, esse novo ciclo ainda vai durar um período bastante expressivo porque dificilmente as autoridades governamentais terão condições de satisfazer as necessidades dos manifestantes, em função de seus acordos políticos e econômicos.

Um ciclo de lutas sociais também não ocorre de maneira linear, num crescente até a vitória ou a derrota. A história também tem ensinado que as lutas sociais emergem à superfície com vigor num primeiro momento, podem arrefecer num momento posterior, apresenta-se um período de calmaria, e podem voltar novamente com maior força até que as questões que o movimento colocou sejam resolvidas ou que o movimento seja derrotado. "É por isso que humanidade só levanta os problemas que é capaz de resolver" [10] . As lutas recentes no Egito demonstram claramente isso: inicia-se um grande movimento de massas, derrota-se o ditador e logo depois é eleito um governo conservador que implementa medidas inteiramente contrária à vontade das ruas. Quando menos se espera (no caso um ano depois das primeiras manifestações), as massas voltam novamente às ruas com muito mais força e derrotam o governo.

Acreditamos que, após o ensaio geral de junho, haverá um período de calmaria tensa, onde as massas irão avaliar se suas reivindicações serão atendidas. Como o sistema político e econômico brasileiro não tem interesse em atender essas reivindicações, porque seria necessário romper com o modelo econômico e sua base aliada, teremos uma segunda onda da crise, mais ampla, radical e mais violenta que a primeira, só que com uma diferença essencial – agora a população já perdeu o medo de sair às ruas e, ao mesmo tempo, aprendeu que as manifestações de massa têm condições de dobrar os governantes, como foi o caso da anulação do aumento da passagem de ônibus.

Que fazer a partir de agora

Caso se queira intervir na realidade a partir das manifestações de junho não se pode deixar de levar em conta que a crise mundial vai continuar, com consquências cada vez mais graves para o sistema capitalista. E quanto mais a crise se agravar, mais difícil se torna sua gestão e mais dramático o panorama econômico internacional, com repercussões em todos os países ligados à economia líder. Como o Brasil é parte do sistema capitalista, não está blindado diante da crise, pois a recessão mundial afeta as exportações, as finanças, as bolsas de valores e a produção interna.

Essa conjuntura deixa pouca margem de manobra para o governo, que terá duas opções: ou rompe com o sistema de alianças nacionais e internacionais, que constitui a sua razão de ser enquanto projeto econômico e político, o que é impensável na conjuntura atual, ou aprofunda sua opção pelo grande capital e o agronegócio, como vem realizando a partir da política de privatização disfarçada e concessões aos grandes fazendeiros, afastando cada vez da possibilidade de atender às reivindicações populares. Dessa forma, não terá outra saída que o aumento da repressão contra as manifestações populares, sob o pretexto de imposição da lei e da ordem do estado de direito democrático.

Para as forças de esquerda, a história está se mostrando generosa e proporcionando uma segunda oportunidade nessa conjuntura. Como não tiveram condições de captar a insatisfação popular nas lutas de junho, agora poderão avaliar criticamente essa debilidade e reorientar sua ação para a segunda onda de manifestações que virá, porque o governo e sua base política não irá atender as reivindicações populares. Como as manifestações fizeram chegar à superfície a insatisfação popular, esse processo vai continuar, até mesmo porque já aprenderam que a força das ruas gera conquistas reais. Esse período de calmaria tensa, possivelmente não terá a forma das manifestações de junho, poderão ser realizadas reagionalmente de acordo com os problemas concretos de cada localidade. Mas em algum momento voltarão com mais força que a primeira vez.

Ainda há tempo para mudar a tática visando galvanizar o sentimento das ruas e contribuir para educação política das massas, no sentido da construção de pautas políticas unitárias que possam contribuir para a mudança de correlação de forças no interior da sociedade e avançar para um processo profundo de transformações sociais. A esquerda não deve temer o futuro nem o povo nas ruas, independentemente da forma como as manifestações forem realizadas. É hora de incrementar o trabalho de base: todos os militantes estudam, trabalham ou moram em alguma região.

Portanto, é hora de conversar com os colegas nas escolas e universidades, com os companheiros nos locais de trabalho e com os amigos nos bairros e associações de moradores. Organizar as pessoas onde for possivel, até mesmo os indiferentes, se necessário. Explicar a possibilidade de conquista a partir das mobilizações de massas nas ruas. Desmistificar a hipocrisia da direita, que quer transformar o conjunto das reivindicações num problema moral, como a luta contra a corrução, de forma a mudar o eixo dos problemas e manipular a opinião pública. É hora do trabalho de base real onde for possível.

Em outros termos, é necessário construir em marcha forçada as condições subjetivas para que as massas possam avançar em suas reivindicações com autonomia, para que adote um programa unitário [11] e se disponham a ir além da institucionalidade. É verdade que a esquerda revolucionária é muito pequena para dar conta das imensas tarefas do processo de transformações, mas deve-se lembrar também que em tempos de convulsão social as massas realizam um aprendizado acelerado, constroem rapidamente suas organizações, como ocorreu no período do ascenso a partir de 1978. O importante neste momento é compreender o rumo do processo social, se conectar aos sentimentos mais profundos das massas e ter capacidade de sintetizar em poucas palavras de ordem esse sentimento.

Portanto, é fundamental colocar os trabalhadores como protagonistas desse novo ciclo e por na ordem do dia a construção da greve geral como momento especial de mudança da correlação de força em favor dos trabalhadores e das reivindicações populares, processo a partir do qual poderá se abrir imensas janelas de oportunidas para as transformações sociais no Brasil.
Notas
[1] Para quem quiser conhecer melhor o processo de degeneração dessas instituições, e especialmente do PT, consultar: A tragédia da social-democracia retardatária brasileira . Costa, Edmilson. Resistir.info.
[2] 1,5 salários mínimos corresponde a US$ 500, uma remuneração miserável para uma família brasileira.
[3] Pochmann, Marcio. Nova classe média. O Trabalho na base da pirâmide social brasileira. São Paulo: Boitempo, 2012.
[4] A última grande manifestação de massa no País ocorreu em 1992, com o impeachment de Collor. No entanto, essa luta não tinha o mesmo caráter que as lutas atuais. As manifestações de 1992 visavam apenas tirar do poder um dirigente corrupto, enquanto as manifestações que se abriram em junho contêm uma pauta muito diferente daquela de 1992.
[5] Costa, Edmilson. A terceira onda da crise: o capitalismo no olho do furacão – desarticulação monetáio-financeira, depressão prolongada e lutas sociais . In A reflexão marxista sobre os impasses do mundo atual. Organizado por Milton Pinheiro. São Paulo: Outras Expressões, 2013.
[6] Dieese. Balanço das greves em 2012. Estudos e Pesquisas, Maio de 2013.
[7] As primeiras manifestações do Movimento Passe Livre não foram realizadas em São Paulo, mas em Porto Alegre, em março e abril de 2013. O Movimento Passe Livre é constituído por jovens estudantes de tendência levemente anarquista, tem estrutura descentralizada e não está filiado a nenhum partido político. Como eles próprios se definem, são apartidários, mas trabalham em conjunto com os partidos políticos de esquerda.
[8] Essa insinuação constituía-se uma enorme falsidade, pois as forças de esquerda sempre estiveram participando ativamente das lutas sociais, inclusive suas sedes serviam de ponto de encontro para as reuniões dos movimentos sociais
[9] IBGE – PNAD, 2013. Comunicado para a imprensa.
[10] Karl Marx. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
[11] Por exemplo, algumas palavras de ordem síntese, que expressem a insatisfação popular. Só a revolução pode mudar o Brasil. Refundar o Brasil: queremos mudar tudo. Por uma Assembléia Constituinte Popular. Tornar públicos todos os serviços essenciais, como educação, saúde, transporte, água, esgoto, luz e telefone. Moradia e trabalho para todos. Cadeia para os corruptos. Estatizar o sistema financeiro e realizar a moratória da dívida pública. Acabar com o monopólio e democratizar as comunicações. Aumento geral dos salários e das aposentadorias. Estas são algumas palavras de ordem síntese que podem serviur para a agitção e propganda e que podem politizar as reivindicações populares.

[NR] Organizações "chapa branca": organizações oficialistas.


[*] Doutorado em economia pela Universidade Estadual de Campinas, com pós-doutorado no Instituto de Filosofia Ciências e Letras da mesma instituição. É autor, entre outros de A globalização e o capitalismo contemporâneo (expressão Popular, 2009), um dos editores da revista Novos Temas e diretor do Instituto Caio Prado Junior.

Extraído de: http://resistir.info/brasil/jornada_lutas_30jul13.html

 
02/Ago/13