quarta-feira, 26 de junho de 2013

As maiorias sociais saíram às ruas. E elas, às vezes, assustam


.

Eduardo d´Albergaria

SEXTA-FEIRA, 21 DE JUNHO DE 2013 


Muitos militantes estão assustados com os cartazes e palavras de ordem conservadoras nos atos de rua por todo o Brasil. Os que já “acordaram” há tempos sonhavam com o dia em que as maiorias também “acordassem”. Elas “acordaram”, foram para onde as convidamos, as ruas, mas elas mostraram que não têm o rosto que idealizávamos.

Há anos, as organizações internacionalistas - que mantêm canais de diálogo com grupos na Europa e nos Estados Unidos - vêm avisando que o perfil da nova onda de protestos no mundo, como os Ocuppys e os Indignados, têm algumas características que agora estamos vendo com muita força no Brasil: a horizontalidade, o espontaneísmo, o rechaço aos partidos e aos mecanismos tradicionais de representação...

E agora vejo tanta gente assustada, em pânico (alguns até em surto!)... 

Por que estão surpresas? Começo a desconfiar que, ao ouvirem os relatos sobre os Indignados, deviam pensar: “os levantes nos países centrais tinham perfil autonomista, porque lá não tinha uma organização política porreta como a minha”... 

Erraram no diagnóstico. A crise de representação política é estrutural. A adaptação do PT – durante muitos anos o principal canal de representação política das reivindicações populares – contribuiu para esse fenômeno. Mas ela é muito mais profundo, diz respeito à reestruturação produtiva, que dificultou a organização popular onde ela tradicionalmente esteve ancorada: nos locais de trabalho.

No início das manifestações pela redução das tarifas, travamos uma imensa batalha contra a mídia corporativa sobre a legitimidade destas marchas. Vencemos esta batalha, e, como resultado, as maiorias sociais saíram às ruas. 

Grande parte dos que hoje participam das manifestações têm entre 16 e 24 anos. Jovens que nunca antes presenciaram uma manifestação de massas, que nunca participaram de uma luta coletiva, mas que encontram nas redes sociais uma forma alternativa de informação e organização (difusa e, tantas vezes, confusa).

As maiorias saíram às ruas mostrando a cara que elas têm. Expressam as posições majoritárias na sociedade. A redução da maioridade penal, por exemplo, ronda as pautas das manifestações. Mas alguém tem dúvida de que os movimentos de Direitos Humanos foram derrotados nos últimos embates sobre esta questão? E que as maiorias sociais de fato estão convencidas de que jogar mais gente no nosso sistema prisional falido vai resolver a violência urbana!? 

Erra quem pensa que essa é uma posição de nossa “classe média conservadora”. São posições que hoje são majoritárias nos mais diversos níveis de renda (curiosamente, é comum ver gente “progressista” de classe média dizer que isso é resultado da posição de renda das pessoas).

Por outro lado, as maiorias que têm se apresentado nas ruas também têm revelado que vencemos muitos embates que travamos na sociedade recentemente: ontem (20. 06.13), novamente, o grito “Fora Feliciano” ecoou pela Esplanada dos Ministérios, muitas vezes. Afirmar a liberdade sexual (a despeito dos preconceitos ainda majoritários) e rechaçar o fundamentalismo religioso, a direita fascista que realmente nos ameaça hoje, não é qualquer vitória.

Lá também estava expressa uma leitura crítica sobre os meios de comunicação corporativos: a catarse coletiva que costuma acontecer em qualquer evento social em que uma câmera e uma luz são ligadas foi, tantas vezes, abafada por uma sonora vaia e gritos de rechaço à grande mídia.

As maiorias também demonstraram terem entendido que a FIFA não é uma mera organizadora dos jogos. Mas que ela é uma lucrativa empresa privada que submete países inteiros aos seus interesses: enquanto ela fica com o lucro dos jogos, os Estados Nacionais ficam com as dívidas e a população com os impactos sociais: remoções, aumento das violações de direitos de crianças e adolescentes (sobretudo sexual), redução de investimentos em saúde e educação.

Mas a maior vitória de todas, sem dúvida, foi termos convencido as maiorias de que lutar vale a pena. Que é importante ocupar as ruas e construir ações coletivas. E é BASTANTE educativo que manifestantes de classe média sintam na pele como se dá a ação das polícias nas nossas periferias. É doloroso, mas é educativo.

A presença das maiorias desencadeou a ação dos que historicamente são invisibilizados na nossa sociedade: o pobretariado, o subproletariado, o lupem, os favelados (ou como quer que queiram chamá-los). Na cidade de São Paulo, moradores de rua, na esteira das mobilizações, promoveram pilhagens de lojas no centro da cidade. Enquanto isso, no Distrito Federal, moradores de diversas cidades de periferia, inclusive do entorno (GO), realizam manifestações e trancam ruas por mudanças no transporte coletivo. Portanto, uma ação que pode ter traços de barbárie ou de avanço organizativo.

Estamos diante de um processo complexo e cheio de contradições. A direita também está disputando o movimento para fazer com que ele tenha sua cara. Mas, no Brasil, os partidos de direita se desintegraram (na medida em que o governo petista lhes roubou o programa) e sua principal voz de representação é a mídia corporativa – que desistiu de criminalizar as manifestações e agora disputa de forma muito habilidosa os rumos das mobilizações. 

As linhas editoriais têm afirmado que as marchas são “contra tudo”, “contra a corrupção”, “pela democracia”. A ideia é transformar as pautas das manifestações em algo tão genérico que se possa esvaziá-las de qualquer conteúdo efetivo para uma mudança estrutural (e o tal dos Anonnymous embarcou nisso com tudo). No lugar da tarifa zero e a quebra da máfia dos transportes urbanos, a PEC 37 (uma pauta importante, mas que não arranha os poderes das grandes corporações). No lugar dos direitos dos removidos pela Copa, “corrupção como crime hediondo” (e por acaso algum corrupto irá preso se a corrupção se tornar hedionda?).

Para retirar o conteúdo quente das manifestações, a mídia corporativa cria um imaginário patriótico e que rejeita a participação de partidos de esquerda (porque os de direita não têm identidade com esse tipo de ato político). É claro que isso beira o fascismo. 

Mas está claro que muitos militantes caem na armadilha quando travam a presença de bandeiras como a luta principal neste momento. É importante denunciar essa ação fascistóide da mídia corporativa e tão reverberada nas massas. Mas a disputa central hoje é outra:

Qual a pauta do movimento e como ele se organizará?

Os movimentos sociais, dos mais diferentes tipos, precisam construir uma pauta mínima, objetiva, para as manifestações, que toquem em 5 pontos:


1 –Mobilidade urbana: tarifa zero, revisão dos contratos das empresas, estatização dos meios de transporte...

2 – Reforma Política: financiamento público exclusivo de campanha e plataforma dos movimentos sociais para a reforma política

3 – A luta contra o fundamentalismo religioso: não à cura gay, não à bolsa-estupro, sim ao casamento civil igualitário, sim à responsabilização do discurso de ódio.

4 – A afirmação dos direitos indígenas: não à PEC 215 que acaba com as demarcações de terras indígenas no Brasil.

5 – Democratização dos Meios de Comunicação.

E precisamos dar corpo para esse movimento, construindo seus espaços democráticos de debate e decisões políticas. Os Occupys, ao compartilharem o território, a praça, onde dividiam tarefas, faziam cineclubes, criavam referências, tiveram esse caráter de educação política.

Já começa a pipocar entre os manifestantes a pergunta: “E agora? Já colocamos milhares nas ruas, já sentamos no teto do Congresso, já ocupamos a paulista, já nacionalizamos os protestos... e agora?”.

O decisivo neste momento será se os movimentos sociais e a esquerda saberão responder a essa pergunta.


Eduardo d´Albergaria (Duda) é cientista social, especialista de Políticas Públicas (MPOG), militante da Cia Revolucionária Triângulo Rosa e membro do Diretório Nacional do PSOL.


Extraído de:


.

domingo, 23 de junho de 2013

Penetras ameaçam tomar conta da festa

.


Sergio Domingues - Publicado em Sábado, 22 Junho 2013 00:56


O Movimento pelo Passe Livre anunciou que deixará de organizar as manifestações que vêm varrendo o País há vinte dias.

Entre os motivos, estaria a crescente influência conservadora nos protestos. Referem-se à agressão a militantes partidários e sindicais. Ao surgimento de reivindicações como a redução da maioridade penal e o fim da política de cotas raciais e sociais nas universidades.

É muito preocupante que o principal organizador das manifestações esteja se retirando. Os penetras ameaçam tomar conta da festa e transformá-la numa "rave" conservadora e violenta. Apesar disso, as forças de esquerda devem continuar a apoiar e participar dos protestos. A grande maioria participa de modo despolitizado. Mas abandoná-la à influência de ativistas de direita será ainda pior.

No entanto, a esquerda tem grande responsabilidade no que está acontecendo nas manifestações. A que está no governo, por aliar-se aos setores mais conservadores e abandonarem lutas históricas. A Reforma Agrária é um grande exemplo. A exigência histórica foi arquivada em nome de alianças com os latifundiários do agronegócio. Sumiu de tal modo que não conseguimos fazê-la aparecer nas atuais manifestações.

A esquerda que se opõe ao governo também cometeu erros terríveis. Nos partidos, refém do calendário eleitoral. Nos sindicatos, dedicando-se a disputar o controle dos aparelhos. Todos distantes do trabalho organizado nas bases. Da organização cotidiana da luta. Nos desmoralizamos a ponto de sermos expulsos de manifestações que estaríamos dirigindo uma década atrás. Culpar a direita golpista é fácil e inútil. Ela está aí para isso. E nós, estamos aqui para quê?

A ressaca se aproxima. Precisamos aliviar seus efeitos.

Extraído de:
http://www.diarioliberdade.org/opiniom/opiniom-propia/39467-penetras-amea%C3%A7am-tomar-conta-da-festa.html


Abaixo seguem alguns dos cartazes distribuídos por grupos fascistas em São Paulo:












.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

O povo pede passagem

.
O Brasil pode estar ingressando na rota dos grandes protestos sociais que têm tomado conta de vários países pelo mundo. Ao menos é o que parece indicar os sucessivos atos contra os aumentos das passagens de ônibus ocorridos em várias capitais do país.

Na última quinta-feira (13/06) uma jornada de luta nacional foi convocada e até cidades que já haviam conquistado a redução da tarifa, como Porto Alegre, colocou mais de 5 mil pessoas nas ruas em solidariedade ao Rio de Janeiro e São Paulo.

Inicialmente a grande mídia tentou criminalizar os movimentos e pediu abertamente pela repressão da polícia. Em editorial intitulado “Chegou a hora do basta”, o Estadão reclamou da “moderação” da PM e pediu que esta agisse com “rigor máximo” contra os “baderneiros”:

"No terceiro dia de protesto contra o aumento da tarifa dos transportes coletivos, os baderneiros que o promovem ultrapassaram, ontem, todos os limites e, daqui para a frente, ou as autoridades determinam que a polícia aja com maior rigor do que vem fazendo ou a capital paulista ficará entregue à desordem, o que é inaceitável.
(...)
A PM agiu com moderação, ao contrário do que disseram os manifestantes, que a acusaram de truculência para justificar os seus atos de vandalismo.
(...)
De Paris, onde se encontra para defender a candidatura de São Paulo à sede da Exposição Universal de 2020, o governador disse que "é intolerável a ação de baderneiros e vândalos. Isso extrapola o direito de expressão. É absoluta violência, inaceitável". Espera-se que ele passe dessas palavras aos atos e determine que a PM aja com o máximo rigor para conter a fúria dos manifestantes, antes que ela tome conta da cidade.

Haddad, que se encontra em Paris pelo mesmo motivo, também foi afirmativo ao dizer que "os métodos (dos manifestantes)não são aprovados pela sociedade. Essa liberdade está sendo usada em prejuízo da população"." [1]

Confiante no sucesso da sua campanha de calúnias o Estadão não tinha dúvidas de que “a população quer o fim da baderna - e isso depende do rigor das autoridades.”

Evocando a “ordem” a Folha publicou um editorial pedindo para o governo e a PM “Retomar a Paulista” e defendeu abertamente a proibição das manifestações ou a sua organização em local “alternativo”, provavelmente algum lugar distante e escondido:

"É hora de pôr um ponto final nisso. Prefeitura e Polícia Militar precisam fazer valer as restrições já existentes para protestos na avenida Paulista, em cujas imediações estão sete grandes hospitais.

Não basta, porém, exigir que organizadores informem à Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), 30 dias antes, o local da manifestação. A depender de horário e número previsto de participantes, o poder público deveria vetar as potencialmente mais perturbadoras e indicar locais alternativos.

No que toca ao vandalismo, só há um meio de combatê-lo: a força da lei. Cumpre investigar, identificar e processar os responsáveis. Como em toda forma de criminalidade, aqui também a impunidade é o maior incentivo à reincidência." [2]

O poder de manipulação desses veículos midiáticos não teve o efeito esperado e a maioria da população não só demonstrou que apóia a “baderna” como as manifestações se tornaram ainda mais numerosas. Expressão desse sentimento foi a desmoralização pública do histriônico jornalista José Luiz Datena que, no programa “Brasil Urgente”, da Rede Bandeirantes, viu o “Sim” ganhar de goleada na sua enquete que perguntava maliciosamente se “Você é a favor de protesto com baderna?”. [3]


Conforme desejado pelos referidos jornais a repressão policial se intensificou e como sádicos descontrolados os PMs passaram a alvejar tudo o que se movimentava. Até mesmo pessoas que não participavam dos protestos e até jornalistas que cobriam o evento foram reprimidos - alguns feridos drasticamente - e até indiciados por crimes contra a ordem. A própria Folha teve seis jornalistas feridos - dois deles nos olhos. [4]

Dois dias depois do editorial que pedia “a hora do basta” o Estadão foi obrigado a reconhecer que a “Repressão da PM em SP faz apoio a protestos crescer”. [5] O tom da grande mídia brasileira passou a mudar [6] possivelmente pelo receio das classes dominantes de que tais manifestações possam tomar uma amplitude além da pauta mais imediata das tarifas de ônibus. Esse sentimento já se manifesta abertamente em alguns jornais como na Zero Hora de Porto Alegre do dia 16 de junho onde a colunista Rosane de Oliveira observou que os protestos “já não se restringem ao transporte coletivo”, que ficou “mais complexo interpretar esse movimento pelo fato de não ter um comando único e porque os jovens defendem outras causas além da passagem mais barata” e que o “transporte coletivo é, ao mesmo tempo, o foco e o pretexto para protestar contra outros incômodos – da homofobia à má qualidade dos serviços públicos, passando pelos gastos com a Copa do Mundo e tudo o que se faz em nome do Mundial, incluindo o corte de árvores para o alargamento de vias.[7]

Embora tente contemporizar suas próprias descobertas - como dizer que “não existe um inimigo comum” como no tempo da ditadura ou do “Fora Collor” ou de que não se está tentando derrubar o governo como na Primavera Árabe - e vacile em reconhecer que as diversas pautas têm como alvo de protesto um mesmo status quo que cria os referidos problemas, fica claro que Rosane se mostra reticente em relação ao rumo futuro incerto de tais movimentos até porque são integrados cada vez mais por ativistas novos que não possuem compromissos com o governismo, sendo, portanto, mais difíceis de serem controlados e cooptados.


Mudança na conjuntura

Nunca se sabe qual será a gota que fará o copo transbordar. Nos países onde estouraram rebeliões populares que derrubaram governos e chacoalharam regimes o estopim que desencadeou tais processos foram questões aparentemente menores como a repressão a um ambulante (Tunísia) e a repressão a ativistas que defendiam a manutenção de uma praça e rejeitavam o corte de árvores (Turquia). No entanto, havia um acúmulo de descalabros anteriores que terminaram sendo canalizados pelos respectivos eventos.

Fruto de um mesmo modelo sócioeconômico já celebrado como sucesso nos países anteriormente mencionados [8], os descalabros também se avolumam no Brasil. Algumas lutas contra os mesmos têm ocorrido e até aumentado nos últimos anos. Em 2012, por exemplo, houve um aumento de 58% no número de greves no país se comparado com 2011. A maioria (53%) no setor privado. [9] Some-se a isso a atual rebelião indígena, ocupações de terras, as resistências às desocupações forçadas para as obras da Copa, corrupção, entre outros e percebe-se que as lutas sociais aumentam cada vez mais como resposta ao aprofundamento de um modelo que tenta ganhar fôlego diante dos ventos cada vez mais fortes da crise do capital no país.

Essas, e outras demandas, pegam, de certa forma, carona nas atuais revoltas contra os aumentos das tarifas de ônibus. Se vão acelerar para atropelar o regime ou algum governante é uma incerteza da conjuntura, fato que deixa receosa as classes dominantes e os políticos brasileiros. Não foi atoa que Lula apareceu defendendo uma conciliação “com as empresas e com a sociedade”. [10]

O certo é que a conjuntura da luta de classes no Brasil está sofrendo uma mudança sensível, o que pode ser confirmado pela vaia emitida contra Dilma e Joseph Blatter na abertura da Copa das Confederações.




Os governos do PT - principais agentes do modelo sócioeconômico que começa a mostrar esgotamento e sofrer resistência popular nas ruas - diante da perda cada vez maior do controle dos movimentos sociais apelam cada vez mais para a repressão aberta. Tem sido assim com grevistas, indígenas, sem tetos e sem terras [11] e está sendo assim com os ativistas que lutam contra os aumentos das tarifas de ônibus.

Nessa empreitada macabra petistas e tucanos se dão as mãos. Em São Paulo, Alckmin e Haddad condenaram no mesmo tom os manifestantes. Isso muita gente viu. O que muitos desconhecem é a colaboração do Governo Dilma com a repressão: a Abin está infiltrada e espionando os ativistas [12] enquanto que o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pediu a atuação da Polícia Federal no Rio de Janeiro e em São Paulo. [13]

Fica claro que PT e PSDB são iguais no trato das reivindicações sociais causadas pelo modelo sócioeconômico que defendem e praticam. Felizmente o povo brasileiro parece estar compreendendo a necessidade de se organizar de forma independente desses dois blocos políticos similares. O povo pede passagem, e antes que os ventos da crise se tornem um vendaval. É um fato muito positivo e progressivo.


_________________________________________

[1] Chegou a hora do basta (13/06/2013):

[2] Editorial: Retomar a Paulista (13/06/2013):

[3] Enquete faz Datena mudar de ideia sobre protestos de São Paulo (13/06/2013):

[4] Jornalistas são presos e feridos em protestos de SP

Repórter da Folha ferida no olho volta a enxergar (14/06/2013):

[5] Repressão da PM em SP faz apoio a protestos crescer (15/06/2013):

[6] Sobre as capas das semanais – Vol. 2 (15/06/2013):

[7] Muito além das passagens de ônibus (15/06/2013):

[8] O que o Ocidente dizia do Norte da África? (29/01/2011):

[9] Número de greves no ano passado cresceu 58%, segundo Dieese (23/05/2013):

[10] “Transporte público é assunto urgente para cidades”, diz Lula sobre protestos (13/06/2013):

[11] Brasil: aumenta o entreguismo e a repressão (12/05/2013):

[12] Após protestos coordenados, Abin eleva risco para grandes eventos (07/06/2013):

[13] Cardozo afirma que pediu à PF que acompanhe protestos contra aumento das passagens (12/06/2013):



.

sábado, 15 de junho de 2013

Ode à baderna


Nada mais assustador para um conservador do que a baderna


Por Leandro Fortes — publicado 14/06/2013


Um dos discursos mais comuns à direita brasileira é esse: peçam o que quiserem, digam o que quiserem, mas não façam baderna. E, sobretudo, não atrapalhem o trânsito. Não por outra razão, qualquer cobertura da mídia nacional sobre passeatas, manifestações e grandes movimentações de massa acabam, sempre, em manchetes de trânsito. Os camponeses foram a Brasília pedir reforma agrária? Atrapalharam o trânsito. As mulheres da Marcha das Margaridas invadiram as Esplanada dos Ministérios para pedir saúde e educação no campo? Provocaram engarrafamentos. A moçada parou São Paulo para reclamar do aumento da tarifa do transporte público? O promotor mentecapto, parado no trânsito, pede a PM para espancar e matar os manifestantes. Afinal, o filhinho dele está na escola. Mas como chegar para pegá-lo a tempo, se os bárbaros impedem o trânsito?

Quando, além de parar o trânsito, os manifestantes fazem baderna, aí não! Aí já é demais! Não pode ter baderna. Tem que ser como aquelas passeatas pela paz na Zona Sul do Rio de Janeiro, todos de branco na Avenida Atlântica, copos-de-leite às mãos, o trânsito compreensivelmente parado para a procissão de cidadãos contritos. A polícia, claro, à distância, com as sirenes reverencialmente desligadas. Tudo assim, sem baderna, dentro da lei e da ordem. A manifestação do mundo ideal.

Pena que para quem pega quatro conduções por dia e gasta em média quatro horas dentro delas (ou esperando por elas) a realidade seja outra. No mundo do transporte público não tem hakuna matata. O pau come no ponto, no ônibus lotado, nas estações de trem e metrô diariamente conflagradas. Para o usuário de transporte coletivo, todo dia tem confusão e baderna, mas é difícil explicar isso para o mundo da Avenida Paulista. Para a classe média bem motorizada, as demandas do transporte coletivo são subterrâneas, confinadas a um universo específico sobre o qual só se tem notícia quando motoristas e cobradores entram em greve. É o dia em que a patroa de Higienópolis se inquieta porque a empregada vai chegar mais tarde ou, horror dos horrores, nem vem trabalhar. Quem vai fazer almoço? E os petizes, sob a guarda de quem ficarão no playground?

E, de repente, vem a baderna.

Multidões de cidadãos, jovens, velhos, brancos, negros, empregadas, office-boys, desempregados, professores, trabalhadores, trabalhadoras, desocupados. Baderneiros. Quebram ônibus, depredam vidraças, picham paredes, revolvem a cidade e deixam marcas no asfalto.

O horror, o horror!

Então, todos se unem contra a baderna. Podem pedir o que quiserem, podem se manifestar, cruzar as ruas com bandeiras, mas, por favor, não atrapalhem o trânsito. Políticos de todos os matizes se unem para bradar: baderna, não! Antigos militantes de esquerda que ainda acham um lindo momento histórico as barricadas de Paris, em 1968, estão, ora vejam, revoltados com a baderna. Pedras, paus, coquetéis molotov, é preciso conter os bárbaros e acabar com a baderna. Não interessa se eles vivem em panelas de pressão, amontoados em latas automotivas superlotadas, se ganham uma miséria e, agora, terão que pagar mais 20 centavos pelo mesmo sofrimento diário. O que importa é que eles, baderneiros, estão atrapalhando o trânsito.

Então, a solução é descer a porrada. Passar a borracha no lombo desses baderneiros, enfiar-lhes o cassetete na cuca, tocar o gado revoltado para o corredor polonês.

Que a violência policial contra os manifestantes venha do governo de São Paulo, não causa espécie a ninguém. O PSDB é um partido de direita, o governador Geraldo Alckmin é um numerário da Opus Dei, organização católica de extrema-direita, e a PM de São Paulo é um substrato intocável do aparato policial-militar herdado da ditadura. Os policiais que tomaram o centro da cidade para espancar e prender manifestantes e jornalistas são os cães de guarda desse sistema. Não há disfunção alguma no que estão fazendo: eles existem, basicamente, para isso. Para tocar a negrada a pau, para dar paz a Higienópolis e garantir a brisa fresca de domingo nos Jardins. Dessa gente e de sua guarda pretoriana devem cuidar, nas próximas eleições, o povo de São Paulo.

Mas, onde está o PT? Onde está o prefeito Fernando Haddad, este que já avisou, de Paris, pelo Twitter, que não irá “tolerar vandalismo”? Onde estão os vereadores, deputados e senadores do partido que nasceu nas monumentais greves do ABC paulista, em plena ditadura militar, que os chamava, ora vejam, de baderneiros? Nada. Ninguém de braços dados para enfrentar a tropa de choque. Todos quietinhos, com seus militantes sempre tão subordinados, para saber o que vai sair no Jornal Nacional e na Veja de domingo. Até lá, melhor deixar as barbas de molho. Para os que ainda têm barba, claro.

Nessa vergonhosa escalada de violência tocada pelo governo tucano de São Paulo, não podia faltar, claro, o apoio da mídia. Não há manifestantes para a ela, mas só baderneiros. Manifestantes são franceses, suecos, turcos, chineses. No Brasil, são vândalos e desocupados interessados em depredar o patrimônio público, como se a imprensa brasileira, hoje povoada de engomadinhos formados em cursinhos de trainee, alguma vez tenha se preocupado, de fato, com a segurança física dos ônibus usados pelos pobres.

Perdão, gente indignada com os vândalos. Mas entre a hipocrisia e a baderna, eu fico, alegremente, com a segunda.


Extraído de:


.

domingo, 9 de junho de 2013

Um recorde macabro

Assassinatos de indíos cresceram 269% nas gestões petistas


Em 2011, o então Presidente do Ibama, Curt Trennenpohl, sem saber que estava sendo gravado, sugeriu, para uma emissora australiana, que os índios brasileiros seriam exterminados. [1]

Os dados divulgados pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) parecem confirmar as macabras palavras de Trennenpohl: durante os Governos Lula e Dilma foram assassinados 560 índios contra 167 nos tristes tempos de Fernando Henrique Cardoso. [2]

Somente no Governo Lula 452 índios foram assassinados. No Governo Dilma foram 108 até o momento. Juntando as duas gestões petistas tem-se uma média de 56 índios mortos por ano contra 20,8 de FHC. Um aumento de 269%!

O descaso com as minorias étnicas fica claro quando se observa que, conforme dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), as gestões petistas homologaram, em dez anos, apenas 84 áreas indígenas contra 148 nos anos FHC!

Estes números ajudam a compreender o atual cenário de aumento das lutas indígenas no país, cujos episódios mais marcantes foram a ocupação de Belo Monte – respondida pelo governo com uma repressão que perseguiu até os não índios – e o recente assassinato do índio Oziel em uma operação de desocupação da Polícia Federal na Fazenda Buruti, no Mato Grosso do Sul.

Estes números, aliados à crescente repressão empregada pelas gestões petistas que incluem espionagem, perseguição, tortura, prisão e até desaparecimento de ativistas sociais [3], mostram o quão falaciosa é a assertiva segundo a qual os governos petistas representam um “mal menor” em relação aos demotucanos, que seriam mais inclinados ao diálogo com os movimentos sociais do que os segundos.

Os fatos deixam claro que é preciso construir uma ampla aliança política entre todos os que se enfrentam com o atual governo e o seu modelo político e sócioeconômico que beneficia o capital, uma aliança que seja independente dos dois grandes blocos que tentam polarizar a política brasileira mas que não passam de mais do mesmo. Uma aliança firme, que não sucumba aos falsos “mal menores”. [4]


__________________________________________

[1] O real caráter da política ambiental dos Governos Lula e Dilma (17/07/2011):

[2] Assassinatos de indígenas no Brasil crescem 269% nos governos Dilma e Lula (07/06/2013):

[3] Brasil: aumenta o entreguismo e a repressão (12/05/2013):

[4] Por uma luta consequente! (02/12/2012):



.

terça-feira, 4 de junho de 2013

A redução da maioridade penal e o beco sem saída da direita

.
01/06/2013

Felipe Oiticica militante do PCB (RJ)

Privada de suas bandeiras econômicas tradicionais – agora que um governo que se suporia de esquerda as utiliza sem o menor pudor –, os setores da direita brasileira que não aderiram à “base de sustentação” do governo Dilma estão num beco sem saída. Procuram então, desesperadamente, algo para agitar, a seu favor, o marasmo político.

Aproveitando-se do aumento exponencial da violência criminosa em todo o país e da sensação generalizada de insegurança, a direita levanta a surrada bandeira da redução da maioridade penal, tema que conquista apoios na mídia reacionária, rende matérias bombásticas e sensibiliza vastas parcelas da população – desde os mais despolitizados até os simplesmente equivocados ou desinformados, passando pelos abertamente adeptos do fascismo social.

Sobre o assunto, há propostas e iniciativas de todos os tipos. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, propõe mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente, com foco exatamente na redução da maioridade penal; um deputado do PTB inicia coleta de assinaturas para a realização de plebiscito que permita alterar-se a Constituição, com o mesmo objetivo; outro, este da ala direita do PDT, defende a redução da maioridade penal conjugada a uma mal explicada “avaliação biopsicológica” do menor infrator, para medir-lhe a “capacidade de entendimento de seu ilícito”; o presidente da Câmara dos Deputados anuncia a criação de uma comissão especial para analisar a proposta do mesmo Alckmin de ampliar de três para até oito anos o prazo de internação de menores infratores, e mais 12 projetos que tratam do mesmo tema. Para relator da comissão, convenientemente, indicou o líder do partido de Alckmin, o PSDB. E por aí vai. Está montado o novo circo da direita raivosa e revanchista, com um velho mas sempre aliciante tema no picadeiro.

No Executivo, no Legislativo e no Judiciário há alguma reação – embora tímida, visto que aparentemente pedir redução da maioridade penal dá votos. O ministro da Justiça corrobora a afirmação de juristas de que qualquer tentativa neste sentido esbarraria em cláusula pétrea da Constituição; o ministro da Secretaria Geral da Presidência também reafirma a posição contrária do Governo Federal; alguns deputados propõem amplo debate sobre o tema, com envolvimento de pedagogos, psicólogos, especialistas em educação infantil e do adolescente, além de profissionais da especialidade de menores infratores.

Mas não são suficientes as manifestações de lucidez de parlamentares, de detentores de cargos no Executivo, de educadores e de juristas. É fundamental a mobilização dos setores sociais que percebem com clareza o que está por trás da nova/velha ofensiva da direita, o que a alimenta, os pontos fracos de sua argumentação e o que deve ser feito para enfrentar com efetividade e humanidade o problema do menor infrator.
imagem

O que motiva a direita está exposto acima: é mero oportunismo político/eleitoral. Diante do crescimento incontrolado da criminalidade infanto-juvenil, as soluções mais fáceis parecem ser a repressão e a criminalização de faixas etárias cada vez mais baixas. E a criminalização da pobreza, certamente, porque os menores infratores das camadas médias e alta têm quase sempre à disposição os melhores advogados e a velada simpatia dos que julgam.

Sem escrúpulos e nenhum compromisso com uma pedagogia de massas que vise o aprofundamento dos valores da solidariedade, nem com a busca da recuperação e da reintegração, a direita apela ao medo que se alastra pelo tecido social. Suas ideias têm a profundidade de um rio na seca. Propõe combater a violência filha da miséria, da desesperança, do vazio existencial ou da desintegração das famílias com a violência institucionalizada, sistematizada, racionalizada. E isso é tão antigo quanto a existência de sociedades dividas em classes.

Para a direita, não importa que cada vez maior número de jovens – e cada vez mais jovens – venham a ser atirados às nossas prisões desumanas e cooptados pelas organizações criminosas. Não propõe medidas para humanizar as prisões, mas enchê-las de adolescentes e condená-los definitivamente à criminalidade.

À direita não parece lógico aumentar as penas de quem alicia jovens para o crime – isto não dá votos. Lógico é “matricular” o jovem delinquente na escola que o fará ascender na “carreira”. Isto sim, dá manchetes agora e votos depois – mesmo que a longo prazo se volte também contra os que clamam por medidas desse tipo.

Mas se o medo disseminado alimenta o discurso do ódio, o absurdo desse discurso é evidente. Em nenhum lugar do mundo a redução da maioridade penal diminui a violência social – ou os Estados Unidos já a teriam eliminado, porque em suas leis mesmo crianças de 5 ou 6 anos podem ser criminalizadas, e até com prisão perpétua.

Pelo contrário, a violência social só diminuiu onde se investiu tempo, dinheiro e paciência na prevenção ao crime, sim, mas sobretudo na educação integrada, nos valores da cultura e da solidariedade, na atenção primordial e permanente à infância, na criação de perspectivas de vida motivadoras para crianças e adolescentes, no engajamento dos jovens nas atividades de construção de uma sociedade justa e equilibrada, numa política de massas focada nas novas gerações e em formas renovadas de convivência na sociedade.

Desnecessário dizer que o capitalismo não é ambiente propício a nada disso. A mercantilização geral da vida e dos valores – inerente a ele – assim como tende a corromper desde cedo, tende a turvar a visão do que é essencial. E, para o capital, aquilo que não promete lucros visíveis não tem valor.

Mas não é impossível começar, ainda no capitalismo, a virar o jogo. A mobilização das organizações sociais, dos trabalhadores, dos envolvidos com a educação, com a cultura e com a ciência tem que pressionar governos e câmaras legislativas para que não se curvem ao discurso fácil da barbárie; enfrentar o fascismo social da direita com as armas da inteligência e da transformação.

O combate deve dar-se em quatro frentes, simultaneamente:

– exigir prioridade absoluta para investimentos maciços na qualidade de vida da infância e da juventude;

– exigir foco na prevenção do crime infanto-juvenil, tanto através de cuidadoso acompanhamento social desde a infância até à adolescência, quanto no rigor contra o aliciamento de menores;

– exigir uma renovação radical e urgente nas políticas de ressocialização do menor infrator;

– barrar os caminhos da intolerância e da violência repressiva, pela derrota de qualquer proposta de diminuição da maioridade penal.

Que a direita, de que uma falsa esquerda tomou as bandeiras privatistas, procure outro caminho que não o da revanche contra a juventude, para tentar sair do seu beco sem saída.


Extraído de:
http://pcb.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=6074:a-reducao-da-maioridade-penal-e-o-beco-sem-saida-da-direita&catid=101:criminalizacao


.