sábado, 29 de setembro de 2012

Políticos e sociedade


Enquanto a descrença do sistema político vigente se aprofunda e grande parte dos cientistas políticos e sociais guardam um silêncio vergonhoso e constrangedor (ou se refugiam na moral para explicar esse inquietante fenômeno social), o senso comum vai ganhando terreno e vai difundindo a sua versão.

A tese do senso comum, que já começa a ganhar a adesão de setores tidos como "instruídos", é mais ou menos a seguinte: o povo é corrupto e como os políticos vêm do povo só poderiam ser corruptos também!

Para sustentar essa tese são apresentadas situações comportamentais do cotidiano como "furar a fila", "desrespeitar a faixa de trânsito", etc.

É preciso reconhecer que essa tentativa de explicar esse fenômeno tem o mérito de buscar alargar o olhar para além das estruturas políticas, e por isso não está completamente errada. Mas também não está do todo correta pois seu olhar é limitado e as propostas que oferece são igualmente limitadas, estéreis e às vezes suas análises chegam a nivelar a justa luta dos oprimidos com os desmandos dos poderosos.

O presente artigo aborda essas questões e mergulha nos meandros da nossa sociedade e da sua política para tentar encontrar os mecanismos que potencializam a corrupção e a desumanização do homem na presente etapa sócio-histórica.


Qual sociedade?

A ideia de que os políticos vêm do povo nos remete à sociedade. E qual é a sociedade que vivemos?

Em primeiro lugar, vivemos em uma sociedade dividida em classes sociais. Todas as sociedade de classes (ou castas ou de burocratas) são marcadas pela divisão entre privilegiados e explorados. Os de cima se utilizam da estrutura política, que foi montada por eles mesmos, para legalizar e legitimar os seus privilégios e interesses. Os de baixo podem até vir a conseguir legalizar alguns ganhos mas para isso terão que lutar (às vezes fazendo levantes quase revolucionários). Seus ganhos, porém, não são eternos e podem vir a ser liquidados se estiverem conflitando com os interesses das classes dominantes. É o caso, atualmente, dos direitos sociais que vêm sendo ceifados na Europa.

Em segundo lugar, vivemos em uma sociedade capitalista. Nessa sociedade o objetivo central é o lucro. Na base produtiva do sistema os custos de produção devem ser reduzidos ao máximo possível para que se possa vender mais barato do que o concorrente. Para isso se investe em tecnologia - dispensando parte dos trabalhadores - e se reduz os salários - direta ou indiretamente.

A competição desenfreada praticamente inviabiliza o espaço para que se pense no outro, até porque o outro deve ser derrotado para a própria preservação física de si próprio. O empresário que não derrotar o seu concorrente irá à falência. O trabalhador que perder a disputa por uma vaga de emprego poderá passar por sérias privações.

A defesa da própria sobrevivência muitas vezes exige o sacrifício de princípios morais elementares: o empresário vai pagar propina aos políticos para ver aprovadas leis e medidas em seu benefício, o trabalhador vai apelar ao fisiologismo para garantir um emprego o que às vezes favorece o "caciquismo" de um político ou empresário.

Quando a sensação de imoralidade é endêmica, como sugere a abordagem do senso comum, é evidente que a sua explicação deve ser buscada além da moral strictu sensu. Do contrário ficamos em um beco sem saída. Ou será que devemos defender a eliminação física dos habitantes de uma sociedade inteira?

Nos dois casos simples descritos acima pode-se perceber uma base material para a corrupção e o fisiologismo, típicos da nossa formação social. A busca por essas causas colaboram para que encontremos saídas e não devem ser confundidas com conivência ou justificação.

Sigamos, então!

Na base produtiva da sociedade capitalista impera a alienação do trabalho: os trabalhadores atuam em uma empresa que não é sua, com equipamentos que não lhes pertencem e são separados do produto final do seu trabalho - o que Marx chamou de mais-valia.
A mais-valia é ocultada pelo pagamento do salário, já que a própria força de trabalho, nessa sociedade, é uma mercadoria.

Essa alienação acaba borrando a fronteira entre os homens e os objetos por eles produzidos (que lhes parecem estranhos e fora de si), o que acaba criando relações sociais "coisificadas", ou seja, os homens passam a se relacionar pelo o que eles possuem (seja material, seja profissional) e não pelo o que eles são como seres humanos, em suma, se tratam como coisas. Dessa forma vão se desumanizando. Como disse Marx:

"A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento de valor do mundo dos objetos." [1]

Em uma sociedade de mercado altamente competitiva a coisificação ganha contornos dramáticos já que praticamente todos os aspectos da vida social são mercantilizados. A imagem e a aparência (partes do ter) com muita frequência sobrepõem a essência (parte do ser). No mercado de trabalho isso é muito evidente. Sem problematizar essas características, a consultora de imagem e sócia da Dresscoach International Consultoria de Imagem, Silvana Bianchini, explica que:

"MBA nos Estados Unidos, vários idiomas e capacitação técnica não são o suficiente no mercado de trabalho. Os entrevistadores muitas vezes dão uma olhada geral nos candidatos, antes de começar a entrevista, procurando dicas visuais para economizar seu tempo. Assim já são eliminados automaticamente os que estão passando mensagens negativas por meio de sua aparência ou maneiras, como um homem de meias brancas, a mulher que está roendo as unhas, etc.

(...)

A presença visual tem de dispor uma quantidade de integridade e consistência. As roupas sozinhas não serão o truque. É a harmonia de todos os sinais não verbais e a repetição deles que tornaram sua imagem consistente. Como uma identidade visual de uma empresa, que é repetida da mesma forma, seja qual for sua aplicação, é que dá consistência e credibilidade a marca." [2]

Em uma sociedade cujo objetivo central é a maximização dos lucros, a essência só é valorizada se pode contribuir com esse objetivo. Para a psicóloga Valeska Rodrigues:

"Os empresários não estão totalmente errados em deixar de contratar os obesos. Um obeso tem hipertensão, problemas de coluna e várias outras coisas. O empresário vai querer contratar um funcionário para viver faltando?" [3]

Como se fossem produtos defeituosos as pessoas são rejeitadas e descartadas! Mas, em vez de criticar a lógica da ordem social a psicóloga ataca o comportamento das vítimas que se sentem acuadas em um ambiente que lhes hostiliza e discrimina:

"Os obesos têm muita dificuldade para conseguir emprego, mas eles não se valorizam. Chegam a certo ponto que eles têm vergonha de sair de casa e se isolam. Nem sequer se aperfeiçoam para o mercado de trabalho." [idem 3]

Essas são as leis que engendram o funcionamento da nossa sociedade com seus respectivos efeitos e não podem ser abolidas com o simples respeito "a faixa de trânsito" ou do deixar de "furar a fila", embora sejam desejáveis tais mudanças de comportamento social.


Qual política?

Como toda instituição social, as instituições políticas são criadas por homens de um determinado período histórico para atender determinados interesses e objetivos. Assim:

"As instituições políticas da democracia moderna foram erigidas pela burguesia para legitimar e legalizar o seu modelo de sociedade. Mas a democracia criada por ela rejeitava a participação política das classes populares e, quando pressionada pelas lutas das mesmas, se viu obrigada a ceder alguns direitos, a burguesia não vacilou em descaracterizar a participação do andar de baixo e manter a essência de classe do seu regime político, criando regras e mecanismos para garantir que os reais representados dessa democracia fossem seus próprios pares.

Quando as classes populares conseguem ultrapassar todos os obstáculos impostos e ameaçam os interesses dos reais representados a democracia moderna despe-se de toda a aparência democrática que engana nos momentos mais calmos, mostra a sua verdadeira face, trata de lembrar para quem foi construída, quem realmente representa, e os golpes de Estado não tardam a emergir com toda a força. O interesse de classe fala mais alto e a própria legalidade é rompida." [4]

A estrutura política existente, que como visto foi montada por uma determinada classe, busca reproduzir o modelo de sociedade existente. Quando se simplifica a questão com a generalizante máxima "povo corrupto, político corrupto", se perde de vista o papel das classes dominantes na montagem das instituições políticas e se acaba por absolvê-las.

O advogado Edson Luís Kossmann, bebendo na fonte do senso comum, tenta aproximar a sociedade da política fazendo referência à práticas do cotidiano como "desrespeito a faixa de trânsito" e "furar a fila", e sentencia: “se participamos do jogo quando nos interessa, não podemos nos queixar que ele exista.” [5]

Embora fosse positivo, Kossmann não tem obrigação de saber os meandros de funcionamento da sociedade capitalista, tampouco saber o que se passa no mundo, principalmente a conjuntura política em outros países - apesar de estar extremamente visível para qualquer um.
Mas se fosse mais atencioso não teria escrito o que escreveu ou ao menos teria se incluído na massa dos incoerentes e contraditórios que criticou. Afinal, o escritório do nobre advogado presta serviços para:

"prefeituras, câmaras municipais, órgãos estaduais e federais e, ainda, prefeitos, parlamentares, partidos políticos, candidatos, sindicatos e servidores, sempre primando por seus interesses, proporcionando-lhes segurança nas decisões administrativas e nas ações políticas." [6]

Será que o senhor Kossmann pede atestado de bons antecedentes para seus clientes antes de prestar-lhes serviços? Difícil imaginar tal hipótese ainda mais que na lista constam as instituições apodrecidas do regime. Como é facilmente constatável, o nobre advogado também participa do jogo. Seria por mero interesse?

Mas vamos analisar a hipótese de que os brasileiros deixassem de "furar a fila" e de "desrespeitar o trânsito". Já vimos que o seu efeito seria nulo na engrenagem de funcionamento do sistema capitalista, mas será que poderia alterar a sua estrutura política?

Não é preciso fazer exercício algum de futurologia para descobrir a resposta. Basta olhar para o que acontece à nossa volta.

A generalização contra os políticos é um fenômeno que se alastra pelo mundo e vem ocorrendo inclusive nos países onde a população tem um comportamento mais aprazível para os nossos pensadores terceiro-mundistas e os desvios morais sofrem mais punições.

Nos Estados Unidos e na Europa, onde gente famosa vai para a cadeia, o povo cada vez mais se convence de que os políticos no poder são iguais. No país ao norte do continente se formou os movimentos dos Ocupes para denunciar a farsa da sua democracia e para quem governam os seus políticos. No velho continente surgiram os jovens "Indignados" com a mesma postura e pedindo por uma democracia "real".

Mais uma vez a moral é insuficiente para explicar esse fenômeno. A crise econômica do sistema capitalista exige que seus governos tomem medidas para seguir fazendo-o respirar. No atual estágio de desenvolvimento do sistema isso passa por aumentar a exploração do trabalho e drenar recursos para o capital. A estrutura política já não pode disfarçar o seu caráter de classe. E os governos comprometidos com uma institucionalidade cuja tarefa é representar os interesses da classe que domina são impelidos a cumprir com o seu devido papel social.


Superar o existente

O jornalista Alex Cruz desconfia que "as causas sejam mais profundas". [7] Porém, o mais profundo para ele é a "jovialidade" do nosso sistema democrático. Mas antes de censurá-lo é preciso fazer um desconto pois essa ideia é repetida ad nauseam por setores da Ciência Política.

A realidade histórica e atual mostra a falsidade dessa assertiva. Em 1871, os operários da Comuna de Paris não precisaram mais do que alguns dias para construir um sistema político democrático e controlado de perto pelo povo. Foi uma democracia de classe, da classe trabalhadora.

A democracia representativa moderna criada pela burguesia também tem o seu caráter de classe que não se perdeu nem nos países onde ela já atingiu a idade "idosa". Em vez de se abrir cada vez mais como acreditavam alguns cientistas políticos, a democracia nos Estados Unidos e na Europa vem se tornando cada vez mais repressora. O próprio ex-presidente estadunidense, Jimmy Carter, andou criticando o recrudescimento do regime dentro do seu país. [8]

Cruz reconhece a influência econômica na política e também tenta fazer a relação do social com o político. Mas escorrega feio na análise e coloca no mesmo nível os desmandos e incoerências dos poderosos e a justa greve realizada recentemente pelos servidores públicos:

"(...) ninguém costuma rever ou pedir perdão por excessos: não o fizeram os servidores federais, pela longa greve que protagonizaram e trouxe prejuízos à população, não farão os nossos políticos." [idem 7]

Na tentativa de colocar o social no político, o jornalista generaliza e perde de vista que o responsável pela longevidade da greve foi o Governo Dilma que levou dois meses para iniciar o diálogo com os servidores, postura distinta da que defendeu na campanha eleitoral. [9] Logo quem tinha que pedir desculpas era a Presidente e não os servidores.

Como não compreende os mecanismos de funcionamento da sociedade em que vive, Cruz pensa poder resolver "as causas mais profundas" com uma simples reforma política. E à luz do que vem demonstrando a crise econômica ainda reivindica mais empreendedorismo e menos regulamentações, ou seja, deseja apagar incêndio com gasolina!

Esse é o resultado inevitável de uma filosofia de boteco que ganhou a simpatia e vem sendo erudizada por setores "esclarecidos". São análises que vão sendo espalhadas e aceitas, basta ver os comentários de apoio na internet, enquanto a maioria dos cientistas políticos e sociais permanecem em silêncio sepulcral, até porque muito do que produziram teoricamente vem sendo desmanchado contundentemente pela realidade concreta.

Cada formação societária possui suas próprias leis e os homens em seu interior vão sendo socializados influenciados por elas. Isso não significa que os homens sejam completamente determinados pelas estruturas sociais, afinal como já dizia Marx: "a sociedade produz o homem como homem, também ela é produzida por ele." [10]

Há, portanto, uma interação dialética entre os indivíduos e as estruturas sociais. O mesmo ocorre no plano da prática e das ideias. A proposta do senso comum e dos seus admiradores "esclarecidos" de que os homens deveriam parar de "furar a fila" para purificar as estruturas políticas é similiar ao que propunham alguns filósofos do século XIX em relação as ideias e que foram devidamente refutadas por Marx e Engels em A Ideologia Alemã. (Para esses filósofos bastaria que os homens trocassem ideias “ruins” por “boas” para que o mundo melhorasse. Os pais do socialismo científico demonstraram os limites dessa proposta e a influência da base social real nas ideias dos homens.)

É importante assinalar que a sociedade capitalista não inaugurou a corrupção e a desumanização do homem. Mas a sua forma de funcionamento possui mecanismos que potencializam essas práticas. Quanto mais esse sistema se desenvolve mais o trabalho é alienado, mais a vida social é coisificada, mais valorizado é o "mundo dos objetos" e a competição cada vez mais acirrada reduz cada vez mais o espaço para se pensar no semelhante. Não é atoa que os mais vividos percebam que os níveis de corrupção e desumanização hoje sejam superiores aos de décadas passadas.

Esses mecanismos só podem desaparecer com a formação social que lhes deu origem. Por isso quem deseja ver mudanças profundas na estrutura política e social deve lutar para superar o existente e criar uma nova sociedade. E terá de fazer essa dura caminhada com os homens que aí estão com suas virtudes e defeitos. Os interesses de classes que se atravessam nesse caminho mostrarão que haverão muitos "furadores de fila" nas fileiras da mudança e muitos "anjinhos" lutando com unhas, dentes e armas contra a nova sociedade.


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[1] MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. Primeiro Manuscrito: Trabalho Alienado.

[2] BIANCHINI, Silvana. Sua imagem é importante?

[3] Obesos têm dificuldades para arrumar emprego

[4] Democracia e golpismo (30/06/2012):

[5] O problema são os outros, principalmente os políticos (19/09/12):

[6] DALLAGNOL ADVOGADOS ASSOCIADOS

[7] Valores políticos e a reforma (19/09/2012):

[8] Carter critica recrudescimento do regime nos EUA (03/07/2012):

[9] Dilma explica porque professores das federais entraram em greve / 2012

[10] MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. Terceiro Manuscrito: Propriedade Privada e Comunismo.
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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Privatização petista beneficia tucano

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Com forte alarde e sob os holofotes da grande mídia o Governo Dilma anunciou, em tom celebrativo, um complexo eólico na cidade de Santa Vitória do Palmar, localizada no Estado do Rio Grande do Sul, extremo sul do Brasil.

O empreendimento, que será um dos maiores do ramo na América Latina, além de mostrar de forma cristalina o real caráter das privatizações petistas ainda chama atenção pelo fato de beneficiar uma empresa cujo um dos principais acionistas e fundadores é um ex-integrante do Governo FHC.

O Fundo de Investimentos em Participações (FIP) Rio Bravo, que terá 51% no negócio, tem como principal proprietário Gustavo Franco, que foi Presidente do Banco Central na gestão tucana. Os outros 49% serão da Eletrosul, estatal que faz parte do grupo Eletrobras. [1]

Franco não foi apenas membro do governo tucano mas é filiado ao PSDB. [2] Frequentemente surge pedindo por cortes nos gastos públicos, ajuste fiscal e defendendo a competitividade das empresas. [3] No entanto, nenhum protesto esboçou diante do fato de o Estado brasileiro, comandado pelos petistas, construir, com dinheiro público, a infra-estrutura que beneficiará a sua empresa.

"Para escoar a energia dos complexos eólicos do litoral sul gaúcho, a Eletrosul, em parceria com a Companhia Estadual de Geração e Transmissão de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul, irá construir perto de 490 quilômetros de linhas de transmissão, três novas subestações e ampliar uma já existente. A previsão é de que as obras das linhas de transmissão, que devem custar R$ 700 milhões, sejam iniciadas até dezembro." [idem 1]

A "parceria", que inclui a estatal gaúcha Companhia Estadual de Geração e Transmissão de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul (CEEE), mostra o que é o "Estado indutor do desenvolvimento", jargão repetido ad nauseam pelo governador petista Tarso Genro: é o Estado brasileiro garantindo da forma mais segura possível os lucros das grandes empresas.

Tarso reclama de falta de dinheiro para não pagar o piso salarial dos professores do Estado que governa, lei que ele próprio assinou quando ministro do Governo Lula, e ainda insinua que quem critica sua postura contraditória está fazendo o "jogo da direita". Porém, entra em uma "parceria" para beneficiar exatamente a empresa de um tucano!

Antes de Franco o caso mais conhecido de cruzamento de interesses comerciais que atravessava conhecidos de membros do PT e do PSDB era o de Carlos Jereissati, irmão do Senador tucano Tasso Jereissati, com Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-Presidente Lula.

Jereissati, então acionista da Telemar, tinha relações comerciais com a Gamecorp, de Fábio Luís. Coincindência, ou não, em 2008 o Governo Lula permitiu uma mudança na lei de fusões que beneficou exatamente Jereissati. O governo petista também disponibilizou fartos recursos públicos (do BNDES e do Banco do Brasil [4]) para que o empresário adquirisse a Brasil Telecom e reinasse soberano no mercado. [5]


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[1] Município do litoral gaúcho terá um dos maiores complexos eólicos da América Latina (14/09/2012):

[2] Saudades do PSDB com um projeto político nítido. Gustvo Franco, novembro de 2010. (30/11/2010):

[3] Gustavo Franco: O Brasil está correndo sérios riscos com a inflação (29/ 04/ 2011):

[4] Entenda o processo de fusão entre a Oi e a Brasil Telecom (17/12/2008):

[5] Oi anuncia compra da Brasil Telecom por R$ 5,8 bilhões (25/04/2008):
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domingo, 16 de setembro de 2012

Incêndios em favelas e a especulação inflamável

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Guilherme Simões *





Nos últimos 20 dias, cinco grandes incêndios atingiram favelas em São Paulo. Esse tipo de incidente cresce a cada ano em proporções assustadoras. Entre 2008 e 2011 foram mais de 500 incêndios em favelas. Em 2012, segundo o corpo de bombeiros, já são 32. A destruição é enorme, quando não é fatal: móveis, eletrodomésticos, barracos inteiros. Pessoas feridas e até mortas. Por que isso ocorre com tamanha frequência? Quais são os reais motivos para tantos “acidentes” e tragédias? Que setores da sociedade se envolvem com essa situação? Qual é a condição das famílias que perdem tudo a cada incêndio?

No dia 17 de agosto, a favela do Areão, próxima a Marginal Pinheiros na Zona Oeste, pegou fogo e cerca de 300 pessoas ficaram desabrigadas. Moradores afirmam que o corpo de bombeiros não permitiu que eles ajudassem a conter as chamas. O incêndio não destruiu a favela inteira, o que permitiu que os moradores que haviam perdido tudo pudessem começar a reerguer suas moradias. No dia seguinte, a favela Alba, região do Jabaquara, próxima ao aeroporto de Congonhas também foi incendiada, desabrigando quase 200 pessoas. A prefeitura não ofereceu sequer alojamento para as famílias que perderam tudo. Já no dia 23 de agosto, uma favela localizada na Vila Prudente, próxima a uma estação de trem na Zona leste pegou fogo pela segunda vez em 2 anos. Dessa vez, mais de 600 pessoas ficaram sem teto. Os próprios moradores se organizaram e ficaram abrigados numa escola de samba vizinha à comunidade, já que a prefeitura não disponibilizou nenhum abrigo. Além disso, a PM isolou o local e não permitiu que os moradores reconstruíssem suas casas após o incêndio. Poucos dias depois, 28 de agosto foi a vez da favela da Paixão, próxima a Avenida Jacu Pêssego em São Miguel Paulista na Zona Leste ser incendiada, desabrigando cerca de 300 pessoas. Mais uma vez, a prefeitura não ofereceu nenhuma assistência às famílias que, indignadas, travaram por alguns minutos a Avenida Jacu-Pessego que dá acesso à rodovia Ayrton Senna e foram tratados com bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e tiros de borracha pela PM. O último e possivelmente mais trágico incêndio do ano ocorreu no último dia 3 de setembro na favela Morro do Piolho na região do Campo Belo, próximo ao aeroporto de Congonhas. Mais de 1000 pessoas perderam suas casas, quatro pessoas ficaram feridas pelo fogo e, pra variar, a PM permanece no local impedindo os moradores de voltarem. O detalhe é que a área estava nos planos de “desapropriações” planejado para ocorrer em todo o eixo da Avenida Jornalista Roberto Marinho.

Em geral as razões atribuídas para os incêndios são “acidentes” com rede elétrica clandestina ou com botijões de gás que seriam mal manuseados pelos moradores das favelas, além do que o período mais seco do ano ajudaria propagar as chamas. O que pouco se fala é que, em geral, essas tragédias ocorrem em regiões extremamente valorizadas do ponto de vista do setor imobiliário da cidade. Marginal Pinheiros, Jacu Pêssego, Rodovia Ayrton Senna e região do aeroporto de Congonhas são algumas das fatias urbanas que mais interessam à especulação imobiliária. Essas regiões abrigam condomínios, hotéis, shoppings, estações de trem e metrô, sendo as áreas das favelas objetos de desejos dos empreendimentos vampirescos dos empresários da construção civil. Essas pessoas tem interesse direto e explícito em acabar com as favelas nesses lugares.

Como nem sempre é possível despejar as famílias com a truculência militar ou com indenizações ridículas, os incêndios prestam um grande serviço à intenção de expulsar os mais pobres das áreas mais valorizadas da cidade. Não é só o caso desses últimos incêndios, mas da maioria deles. Favela do Moinho (2011), Real Parque e Jaguaré (2010) comprovam através de fatos que os incêndios em favelas não são um mero acaso.

Casos tão gritantes provocaram a criação de uma CPI dos incêndios em favelas na câmara municipal de São Paulo. Pra inglês ver. Em cinco meses de “funcionamento”, a CPI se reuniu apenas 3 vezes. A última delas numa reunião que durou 20 minutos! Detalhes importantes: 1- Nessas três reuniões, o único encaminhamento foi a nomeação de um relator (Aníbal de Freitas, do PSDB) e uma vice-presidente (Edir Sales, do PSD); 2- a CPI tem prazo até dia 9 de setembro pra apresentar um relatório da investigação que ainda não começou; 3- a maioria dos vereadores são da base de apoio do governo municipal de Gilberto Kassab, o mesmo que negou qualquer assistência aos moradores atingidos pelos incêndios. É evidente que a CPI vai acabar em fumaça, assim como os barracos...

Kassab também é o prefeito-amigo da especulação imobiliária. Entre 2009 e 2012, grandes construtoras receberam em contratos com a prefeitura mais de R$ 2 bilhões. Para se ter uma idéia, as construtoras Camargo Correa, EIT, OAS e Engeform (que constam entre as maiores do Brasil) doaram juntas para a campanha de Kassab em 2008 cerca de R$ 6 milhões e em troca somaram em contratos junto à prefeitura nos 4 anos seguintes, nada menos que R$ 639 milhões! Mais de 100 vezes mais o valor investido! Vale ressaltar que a prefeitura destinou em 2011 o valor absurdo de R$ 1mil reais para a compra de áreas para a construção de habitação popular.

Os trabalhadores mais pobres, especialmente moradores de regiões muito valorizadas são um obstáculo concreto e inconveniente para a especulação imobiliária e para os governos, patrocinados por ela. Vivem sob a maior precariedade possível e em situações como essas, perdem absolutamente tudo e ainda são criminalizados. Não se pode esperar nenhuma solução por parte da prefeitura ou de outras esferas do governo, pois estamos diante da mais crua e cruel guerra entre interesses diferentes: os que colocam os lucros acima da vida contra os que sobrevivem teimosamente em busca de dignidade.


* Membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e da Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos


Extraído de:
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sábado, 15 de setembro de 2012

Ricardo Antunes no Roda Viva

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Entrevista do Sociólogo do Trabalho, Ricardo Antunes, ao programa Roda Viva da TV Cultura, em 03/09/2012:


http://www.youtube.com/watch?v=sxAp_NTtWn8&feature=relmfu



http://www.youtube.com/watch?v=0xazrO6qaWk&feature=relmfu



http://www.youtube.com/watch?v=eNib0jsEwM0&feature=relmfu



http://www.youtube.com/watch?v=tQ4Va_UrmgU&feature=relmfu
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domingo, 9 de setembro de 2012

Jornalista da CNN demitida por sua cobertura sobre os massacres no Bahrein

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Una Corresponsal de la CNN Despedida por su Cobertura sobre Bahrein
El periódico británico The Guardian ha revelado que una correspondiente de la cadena estadounidense CNN, Amber Lyon, ha sido expulsada de su puesto de trabajo después de realizar un documental de una hora y media sobre la situación en Bahrein. Ella se negó a aceptar las presiones de la cadena y del gobierno de Bahrein para cambiar algunos pasajes y agregar otros y, en consecuencia, Lyon fue despedida.
En su cuenta de Twitter, la periodista denunció las presiones de la cadena para cambiar el contenido del documental. Ella dijo, entre otras cosas, que la mayoría de los activistas que entrevistó fueron detenidos por las autoridades, incluyendo Nabil Rayab y un médico.
De hecho, Lyons y su equipo de dos reporteros y camarógrafos fueron arrestados en marzo de 2011. “Nos confiscaron las cámaras por la fuerza y nos interrogaron”, dijo.
“El día después de nuestra detención, la prensa de Bahrein publicó una información acusándome de haber mentido en mi documental. Fue entonces cuando me di cuenta de cómo el gobierno de Bahrein está dispuesto a mentir. He comprendido también la necesidad de denunciar al régimen y su represión contra el pueblo y los activistas detenidos”, señaló.
Ella añadió que a su regreso a EEUU se sorprendió por el rechazo de la CNN a emitir el documental, cuya realización costó 100.000 dólares y que incluye testimonios de familiares de los activistas torturados e imágenes claras sobre los disparos de las fuerzas de seguridad contra los revolucionarios.
Según el artículo de The Guardian, la corresponsal contó en directo en la CNN las circunstancias de su detención por parte del gobierno de Bahrein y denunció sus crímenes. Ella supo, entre otras cosas, que el régimen del país del Golfo se había quejado ante la dirección de la CNN de su cobertura mediática.
La CNN también le pidió a agregar información falsa en su documental como que el ministro de Relaciones Exteriores de Bahrein había pedido no abrir fuego contra los manifestantes y que el activista Nabil Rayab había fabricado fotos falsas de supuestas heridas causadas a manifestantes.
En su cuenta de Twitter, Amber Lyon concluye: “Las amenazas de la cadena no me asustan. Están tratando de silenciarme. Yo elegí la profesión del periodismo a decir la verdad y no para ocultarla.”
Source: Sitios Web


Extraído de:
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07-09-2012 - 12:29 Última actualización 07-09-2012 - 12:29 | 438 visitas




quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Brasil: Mudança de curso, rumo ao setor privado

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As concessões sob o modelo de associação público-privada implicam que as empresas construam e operem as novas obras

05/09/2012

Raúl Zibechi


Os milionários investimentos em infraestrutura anunciados pelo governo de Dilma Rousseff para serem repassados à iniciativa privada são a principal aposta do Brasil para sair da estagnação e retomar o caminho do crescimento.

“Caiu a ficha!”, exclamou o economista Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda da ditadura brasileira. “Quando a incerteza sobre o futuro é absoluta, quando o passado não contém a informação sobre o futuro, somente uma ação decidida e forte do Estado, como a que estamos vendo, pode colocar em marcha o setor privado e a economia. Essa ação, correta e factível, é capaz de antecipar a esperança” (Valor, 21 de agosto de 2012).

Deste modo saudou o economista conservador o Programa de Investimentos em Logística anunciado por Dilma Rousseff, em 15 de agosto, diante de dezenas de empresários que esperavam um sinal do governo para colocar dinheiro em obras com retorno econômico assegurado pelo Estado. O programa supõe concessões a empresas privadas dispostas a investir 40 bilhões de dólares nos próximos cinco anos para construir 5.700 km de rodovias e 10.000 km de ferrovias. Apenas nestes itens o programa prevê o investimento de 65 bilhões de dólares em 30 anos.

Nos próximos 12 meses o governo se propôs a conceder ao setor privado doze ferrovias e nove rodovias e, em um futuro próximo, dispõe-se a estender a mesma modalidade de concessão a portos e aeroportos. As concessões sob o modelo de associação público-privada implicam que as empresas construam e operem as novas obras.

A grande novidade foi a criação da Empresa de Planejamento em Logística, que se encarregará da integração dos projetos de infraestrutura e de supervisionar as obras. Dilma assegurou que se trata de diminuir os custos de transporte e energia para assegurar que o Brasil cresça a uma taxa elevada durante um longo período. “Isso é fundamental para garantir o emprego”, concluiu a presidente (Folha de São Paulo, 16 de agosto de 2012).


A crise como pano de fundo

Enquanto o programa era recebido com euforia por um amplo setor de empresários, bem como pelas maiores centrais sindicais, os intelectuais opositores e alguns núcleos sindicais consideraram as concessões como um retorno às privatizações. O partido social-democrata de Fernando Henrique Cardoso, o grande privatizador da década de 1990, permitiu-se ironizar e “lamentar o atraso” do governo em seguir seu exemplo (Folha de São Paulo, 16 de agosto de 2012). Dilma alterou seu projeto político no começo deste ano ao comprovar que o Brasil está sendo duramente afetado pela crise mundial, o que se traduz em estancamento produtivo. Em 2011 o PIB cresceu modestos 2,7%. O governo confiava em uma pronta recuperação, já que os rendimentos da população seguiam crescendo e as taxas de juros baixavam. Nada disto aconteceu. No primeiro semestre de 2012 o crescimento foi nulo e 2012 fechará com um crescimento de PIB abaixo de 2%. Uma potência emergente como o Brasil necessita de uma base de 5% anuais de crescimento, como apontou a presidente.

Em três viagens realizadas entre março e abril, Dilma pôde sentir o profundo pessimismo que corre o mundo. Em março, durante sua visita a Alemanha, conversou com Angela Merkel, que lhe confirmou que a política de austeridade da União Europeia se estenderá pelo menos até final de 2013 e que o euro não voltará à sua situação “normal” em menos de três anos (Valor, 17 de agosto de 2012).

No final deste mês, na cúpula dos BRICS realizada em Nova Deli, conversou com o presidente chinês Hu Jintao, que advertiu-lhe sobre a desaceleração da economia de seu país, que começava também a mudar de um modelo de crescimento centrado nas exportações para outro modelo, voltado ao mercado interno. Jintao anunciou a Dilma que a China comprará menos minério de ferro e mais soja e proteína animal.

Em abril a presidente encontrou-se em Washington com Barack Obama, que lhe assegurou que a recuperação econômica dos Estados Unidos é muito mais frágil do que o previsto e que este aspecto está criando grandes dificuldades para sua reeleição.

O mau humor global levou o governo a estimular a economia com medidas para reduzir a taxa de lucro, estimular o consumo e proteger a indústria diante da avalanche de produtos chineses. O Banco Central deixou desvalorizar o real, que passou de uma média de 1,70 por dólar a dois reais atuais. Todas essas medidas estavam destinadas a tornar mais competitivo o setor industrial.

Além disso, verificou-se que, após seis anos de aprovado, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não marcha no ritmo desejado: há um atraso de 150 bilhões de dólares em investimentos de infraestrutura e o Brasil gasta 19% do PIB em investimentos quando deveria chegar a 25%, de acordo com Jorge Gerdau, um dos mais importantes empresários do Brasil e coordenador da Câmara de Políticas de Gestão do Governo Federal (Brasil Econômico, 15 de agosto de 2012).

Convencida - pelo núcleo de empresários e banqueiros que a assessoram - de que é essencial reduzir os custos de produção e de que "sem o empresariado não há dinheiro para a infraestrutura", como afirmou Gerdau, Dilma cedeu investimentos de longo prazo para o setor privado para que os donos do dinheiro participem da economia real. É claro, contudo, que 80% dos recursos devem ser concedidos pela estatal BNDES.


Mudança de modelo

As concessões/privatizações de rodovias e ferrovias vão combinadas com outras medidas do mesmo tipo. Reduções nas aposentadorias dos funcionários, criação de um fundo de pensão dos funcionários federais, privatização dos três maiores aeroportos do país e congelamento dos salários públicos, são parte do mesmo pacote. Surpreende que o programa anunciado tenha sido apoiado tanto por empresários quanto por sindicalistas. Eike Batista, considerado pela Forbes o homem mais rico da América do Sul, com uma fortuna de 30 bilhões de dólares, disse que a proposta “demorou”, mas considerou que “é um modelo muito feliz”. Na hora de detalhar os efeitos do plano, foi muito preciso: “Se se baixa o custo dos emergentes, que é um dos elementos do programa, porque o Brasil é um dos emergentes mais caros do mundo, você passa a ser mais competitivo”. (Folha de São Paulo, 16 de agosto de 2012).

Tanto a CUT como a Força Sindical, ambas próximas do governo, mostraram-se satisfeitas. A primeira pediu “contrapartidas sociais” e a segunda esboçou um discurso ideológico: “A presidenta está acompanhando as mudanças no mundo. Está vendo que tem necessidade de incluir o capital privado cada vez mais na economia”, disse Miguel Torres, presidente da Força Sindical (Agência Brasil, 15 de agosto de 2012). O ex-presidente Lula exibiu seu pragmatismo para defender o programa de Dilma: “Afinal de contas, o povo muitas vezes não quer saber se quem fez foi o Estado ou a iniciativa privada. O que quer é benefícios” (Folha de São Paulo, 16 de agosto de 2012).

Cabe perguntar-se para onde vão os "benefícios" dessa guinada para o setor privado. Uma pista pode ser dada pela recente privatização de 51% dos três principais aeroportos do país: Guarulhos, o maior, foi cedido por oito bilhões de dólares para um consórcio liderado pela Invepar, composto pelos três maiores fundos de pensão (Previ, Petros e Funcef, dos funcionários do Banco do Brasil, da Petrobras e da Caixa Econômica Federal). Viracopos, em Campinas, o segundo maior, foi entregue a Engevix onde a Funcef tem presença importante.

A Invepar já administra seis estradas e o metrô do Rio de Janeiro. Não é nenhum segredo que os fundos de pensão das grandes empresas estatais, que controlam várias multinacionais brasileiras e são dirigidos por sindicalistas, obterão uma fatia nas concessões rodoviárias, ferrovias, dos portos e aeroportos. Em sociedade com grandes empresários como Gerdau, Odebrecht e outros empreiteiros que formam o topo dessa peculiar pirâmide chamada "lulismo".

Alguns analistas sustentam que Dilma tem pressa para retomar o crescimento. Não se trata somente das eleições municipais de outubro, mas da sua leitura particular do momento que atravessa o mundo. Sua principal preocupação seria “a capacidade do Brasil de competir em condições de igualdade, daqui a alguns anos, com os países emergentes e também com os ricos, que em sua opinião sairão da crise atual mais fortes e competitivos” (Valor, 17 de agosto de 2012).

Todavia, a atual aliança sindical-empresarial é bem diferente daquela que se formou há meio século sob Getúlio Vargas, da qual nasceram as grandes empresas estatais. Agora trata-se de uma sociedade entre dois setores empresariais, os donos e os administradores do capital, abençoados e protegidos pelo Estado emergente. Um processo não muito diferente do que vivem os demais BRICS. Até o conservador Delfim Netto defende um “Estado forte” para promover o crescimento.


Raúl Zibechi, jornalista uruguaio, é professor e pesquisador na Multiversidad Franciscana de América Latina e assessor de vários coletivos sociais.


Extraído de:
http://www.brasildefato.com.br/node/10510
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domingo, 2 de setembro de 2012

Direitos trabalhistas em risco!

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Há um tempo atrás circulou, e de vez em quando ainda circula, um e-mail que fala sobre o fim das férias, do 13° terceiro, entre outros direitos trabalhistas. Esse e-mail denuncia os deputados que votaram favorável ao fim dos direitos dos trabalhadores brasileiros.

A notícia contida no referido e-mail, e que aparece como atual, é de 2002. Dez anos depois esse projeto está na Casa Civil esperando o término das eleições municipais para ser encaminhado para votação do Congresso Nacional - o governo e os políticos dos partidos da “oposição” sabem da impopularidade da medida e não querem desgastar seus pares na presente eleição.

É hora, portanto, de romper a cumplicidade e o silêncio dos partidos da ordem! É preciso que uma nova corrente percorra a internet denunciando esse retrocesso que, apresentado como “modernização”, vai é empurrar as condições de trabalho para algo similar ao século XIX.
Rafael de Araújo Gomes, Procurador do Trabalho em Araraquara, baseado em fatos reais com os quais se deparou, dá uma ideia do que pode ocorrer em nível nacional se esse projeto for aprovado:

"Dou um exemplo concreto: em 2008, realizei em conjunto com a colega Larissa Lima uma audiência pública, com a presença de representantes de dezenas de sindicatos de trabalhadores e empregadores rurais da região abrangida pela Procuradoria do Trabalho no Município de Patos de Minas (oeste de Minas Gerais, com forte presença de lavouras de café e feijão, entre outras), que foram alertados quanto a cláusulas que não deveriam ser incluídas em convenções e acordos coletivos.

A necessidade de tal audiência pública se fez óbvia ante a descoberta da proliferação, em toda a região, de acordos coletivos firmados com grandes fazendeiros que previam, entre outras coisas, que: a) o custo das ferramentas de trabalho (enxada e rastelo, por exemplo) seria suportado pelos trabalhadores rurais; b) o empregador era dispensado de fornecer na fazenda água potável e fresca; c) seria considerado como falta o dia em que o empregado não apresentasse a produtividade esperada pelo empregador, d) não haveria limitação ao número de horas extras diárias durante a colheita; entre outros absurdos.

Todos os sindicatos que foram flagrados celebrando acordos assim terminaram assinando com o Ministério Público termos de ajuste de conduta, comprometendo-se a não mais pactuar tais cláusulas, sob pena de multa." (O projeto de flexibilização trabalhista da CUT: O que é isso, companheiro?)

Vão dizer que, se os trabalhadores aceitarem abrir mão dos seus direitos, haverá mais oferta de emprego. Trata-se de uma grande mentira! Conforme demonstram vários estudos, o desemprego aumentou mais nos países onde as leis trabalhistas são “flexíveis”:

"As estatísticas mostram que a situação se agravou mais rapidamente naqueles países com legislação trabalhista mais flexível - que permite a contratação de temporários com baixo nível de direitos empregatícios e facilita a demissão. É o caso, principalmente, de Espanha, Irlanda e Estados Unidos. Estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revela que em novembro de 2009 o desemprego na Espanha alcançou 19,4%, número 5,4 ponto percentual acima do registrado um ano antes. Na Irlanda, a alta foi de 5,2 ponto percentual, atingindo 12,9%. E nos Estados Unidos o aumento foi de 3,1 ponto percentual, chegando a 10%.

Em compensação, em países com leis trabalhistas mais pró-empregados, a evolução do desemprego foi mais lenta. Caso da Alemanha, com 0,5 ponto percentual acima do número de um ano atrás, alcançando 7,6% de desemprego em novembro. Da Itália - expansão de 1,2 ponto percentual - com 8,3% de desemprego no penúltimo mês do ano passado. E França, com 1,7 ponto percentual de aumento, atingindo 10%. Na Noruega, onde o governo em janeiro de 2009 adotou medidas de proteção ao emprego, o índice evoluiu 0,4 ponto percentual em relação a outubro de 2008, registrando 3,2% em outubro do ano passado." (Desemprego se agrava ainda mais em países com leis trabalhistas flexíveis. Correio Braziliense, 08/02/2010)

Como se pode perceber não há motivos para os trabalhadores brasileiros aceitarem o confisco dos seus direitos!

Uma nova corrente deve ser formada!

Repasse esse texto para os seus amigos e vamos às ruas!


Obs: não sou adepto de correntes e nunca fiz um texto com esse objetivo, mas diante da cumplicidade dos partidos da ordem, de alguns dirigentes sociais comprometidos com o governo e da grande mídia, considero fundamental alertar os trabalhadores sobre o ataque brutal aos seus direitos que vem sendo arquitetado silenciosamente nos bastidores do poder.   
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sábado, 1 de setembro de 2012

O projeto de flexibilização trabalhista da CUT: O que é isso, companheiro?


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Rafael de Araújo Gomes, Procurador do Trabalho em Araraquara/SP


No final de seu segundo mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso encaminhou um projeto de lei ao Congresso com o objetivo de permitir a flexibilização de direitos trabalhistas, através da ampla prevalência do negociado sobre o legislado.

Esse projeto de lei (n. 5.483/2001), que chegou a ser aprovado na Câmara dos Deputados, previa:

“O art. 618 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação: 'Art. 618. As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e as normas de segurança e saúde do trabalho'”.

Ou seja, todo e qualquer direito não previsto expressamente na Constituição Federal poderia ser limitado ou excluído por completo através de negociação coletiva, exceto se relacionado à segurança e saúde do trabalho.

Apesar de sua aprovação na Câmara, esse projeto teve a tramitação conturbada e envolvida em intenso conflito, sendo energicamente denunciado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT) como uma tentativa de flexibilizar direitos trabalhistas e gerar precarização social.

A resistência encabeçada pela CUT e pelo PT, em 2001, acabou ganhando a adesão de grande número de outras entidades e especialistas em matéria trabalhista, entre eles o então presidente do Tribunal Superior do Trabalho, que defenderam inclusive a inconstitucionalidade do projeto.

O assunto atraiu, inclusive, a atenção da Organização Internacional do Trabalho, a partir de provocação da CUT e do PT, como esclareceu Maximiliano Nagl Garcez, da Assessoria Parlamentar do Partido dos Trabalhadores1:

“Respondendo a consulta apresentada pela CUT, a OIT, através do diretor do departamento de Normas Internacionais do Trabalho, Jean-Claude Javillier, condenou formalmente o projeto de flexibilização do artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho (P.L n. 5.483/01, na Câmara, e agora sob o n. 134/01, no Senado).

A Organização Internacional do Trabalho considera que o projeto, caso transformado em lei, afrontará diversas convenções da OIT reconhecidas pelo Brasil, eis que as convenções e acordos coletivos de trabalho teriam força superior às convenções internacionais ratificadas por nosso país.

O documento da OIT foi encaminhado ao governo brasileiro e às centrais sindicais, e condena a possibilidade de que os acordos coletivos contenham 'disposições que impliquem menor nível de proteção do que prevêem as convenções da OIT ratificadas pelo Brasil'”.

Por esses motivos queixava-se em 2002 José Pastore, um dos principais representantes do pensamento neoliberal no meio trabalhista brasileiro, quanto às dificuldades para se conseguir aprovar com rapidez o projeto:

“O PT e a CUT fizeram um estrondoso alarde durante a discussão do projeto de lei 5.483 que alterou o art. 618 da CLT. Pelos decibéis do alarido, estávamos próximos do fim do mundo. Isso criou no povo um sentimento de grande apreensão. Dizia-se que a nova lei iria revogar toda a CLT; que acabaria com o 13º salário, férias, licença à gestante; que os empregadores imporiam aos empregados condições selvagens; que sindicatos fracos fariam acordos em favor das empresas.”

A tramitação do projeto chegou ao fim quando, em 2003, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva requereu, através da Mensagem n. 78, a retirada do projeto, que então se encontrava no Senado.

De lá para cá passaram-se dez anos, o que não é muito tempo. De fato, em se tratando de convicções políticas e ideológicas sólidas e sinceras, dez anos não deveria ser tempo algum.

Entretanto, o brasileiro que porventura tiver passado a última década fora do país, e tiver retornado em 2012, sofrerá um verdadeiro choque. Ao abrir os jornais, talvez esse brasileiro venha a imaginar que foi magicamente transportado, como em um episódio da série “Além da Imaginação”, para uma dimensão paralela, na qual os fatos ocorrem da forma contrária ao que ocorre em nosso universo.

Esse brasileiro, que em 2002 leu José Pastore criticar a CUT por resistir ao projeto de lei de flexibilização de FHC, agora encontrará nos jornais o mesmo José Pastore dirigindo rasgados elogios à CUT por propor a flexibilização dos direitos trabalhistas: “A ideia é muito boa, porque prevê uma valorização da negociação entre as duas partes. Quando a negociação está amadurecida, é preciso dar oportunidade de fazê-la diferentemente de como a lei [a CLT, de 1943] estabelece”.

Qual é a “idéia muito boa” da CUT, que José Pastore está a elogiar?

Trata-se do Anteprojeto de Lei do Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico, elaborado no âmbito do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e que se tornou, instantaneamente, a “menina dos olhos” do meio empresarial e dos veículos de comunicação conservadores, como o jornal O Estado de São Paulo, que publicou em seu editoral: “os novos líderes dos metalúrgicos do ABC substituíram o confrontacionismo de seus antecessores por atitudes cooperativas e relações de parceria. Não só aceitaram o sistema de banco de horas, como também negociaram com as montadoras a flexibilização da legislação trabalhista”.

Ora, lideranças empresariais costumam ser bastante coerentes na defesa de seus interesses, bem como na rejeição de qualquer proposta que redunde em benefício aos trabalhadores e que acarrete ao mesmo tempo algum tipo de reflexo sobre os lucros. E todas essas lideranças estão batendo palmas para a proposta da CUT/Metalúrgicos do ABC.

A aproximação envolvendo CUT/Metalúrgicos do ABC e patronato, nessa matéria, vai além da troca de elogios. Os discursos de um e de outro tornaram-se praticamente indiscerníveis, inclusive no ataque de ambos à CLT, como pode ser visto a partir dos seguintes exemplos:

“As relações de trabalho no Brasil estão sujeitas a uma legislação extensa e detalhada, nem sempre adequada à realidade dos trabalhadores e das empresas (...) trabalhadores e empregadores sempre buscaram superar essa herança limitadora, que se impõe até hoje como um obstáculo ao pleno exercício... da negociação coletiva (...). As recentes tentativas de promover a reforma do sistema de relações de trabalho por meio do diálogo social e da negociação tripartite... esbarraram na resistência conservadora de parte dos representantes de trabalhadores, empregadores e operadores do direito”.

“A extensa e rígida legislação trabalhista... desestimula o mercado formal. A modernização da legislação do trabalho é fundamental para a expansão dos empregos formais (...). A moderna concepção das relações de trabalho pressupõe: sistema regulatório flexível, que permita modalidades de contratos mais adequadas à realidade produtiva e às necessidades do mercado de trabalho; maior liberdade e legitimidade para o estabelecimento de normas coletivas de trabalho, que reflitam a efetiva necessidade e interesse das partes. (...) Um novo sistema de relações de trabalho deve incentivar e priorizar a negociação voluntária e descentralizada, dentro de um marco regulatório básico, não intervencionista.”

Alguém consegue distinguir, nos dois textos acima transcritos, qual é aquele que consta na Agenda Legislativa 2012 da Confederação Nacional da Indústria (CNI), e qual aquele que está na Exposição de Motivos do Anteprojeto da CUT? Eu não mais consigo.

E o que propõe a CUT/Metalúrgicos do ABC através desse Anteprojeto?

Em síntese, o mesmo que buscava Fernando Henrique Cardoso através do Projeto de Lei n. 5.483/2001, e portanto o mesmo que a CUT combatia com unhas e dentes há meros 10 anos atrás: a flexibilização de direitos trabalhistas através da prevalência do negociado sobre o legislado, autorizando sindicatos e empresas a restringir ou eliminar direitos através da negociação coletiva.

Mas com algumas diferenças importantes.

A primeira delas é a seguinte: enquanto o projeto de FHC não autorizava a flexibilização de normas de saúde e segurança do trabalho, necessárias para a preservação da vida e da saúde dos trabalhadores e para a prevenção de acidentes, o Anteprojeto da CUT autoriza flexibilizar inclusive isso. De modo que a aplicação da Norma Regulamentadora n° 18 do Ministério do Trabalho e Emprego, por exemplo, que prevê normas de segurança para o setor da construção civil, poderia ser em todo ou em parte afastada através de um acordo coletivo.

Vejamos outro exemplo: certa empresa poderá ameaçar realizar demissões alegando não ter condições financeiras para instalar proteções coletivas em máquinas como prensas e serras, cujo investimento por vezes é alto. Não se trata de situação hipotética, casos assim são enfrentados diariamente pelo Ministério Público e pela Auditoria do Trabalho. Prevalecendo a proposta da CUT, o sindicato poderá celebrar acordo com a empresa eximindo-a do cumprimento dessa exigência legal, e assim “salvando os empregos”. Pergunto-me, entretanto, se tal resultado constituirá compensação à altura para os dedos, mãos e braços que serão decepados ou esmagados a seguir.

Enfim, a proposta da CUT/Metalúrgicos do ABC consegue ser pior que a de FHC, pois prevê a flexibilização inclusive do direito à vida, à saúde e à integridade física dos trabalhadores.

A segunda diferença está em que o Anteprojeto da CUT prevê duas condições para que um sindicato possa celebrar o acordo coletivo com o propósito específico de flexibilizar direitos trabalhistas: ele precisa obter uma autorização própria a ser emitida pela Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, e deve constituir o Comitê Sindical de Empresa, definido como “órgão de representação do sindicato profissional no local de trabalho”.

Quanto à primeira condição, sabe-se de antemão de que forma a autorização será concedida: todo e qualquer sindicato que vier a pedir, e possuir algum padrinho político, a obterá. Simples assim. A Secretaria de Relações do Trabalho é, como todos sabem, um órgão político e não técnico. Não por acaso, há muitos anos ela vem autorizando a criação de um novo sindicato por dia no Brasil, como já denunciou o Fórum Nacional do Trabalho, criado pelo Governo Lula e composto por sindicalistas para discutir os rumos da reforma sindical, cujas conclusões foram depois esquecidas: “...o processo de criação de um sindicato hoje no país acaba tendo como único limite a criatividade dos interessados para a denominação das categorias, muitas vezes sem nenhum compromisso com a real segmentação da atividade econômica e profissional2”.

Quanto à segunda condição, sabe-se desde já, também, como funcionará a maior parte dos Comitês Sindicais a serem criados: existirão, de fato, mas apenas no papel, “para inglês ver”, como ocorre há muito tempo com as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs), criadas por exigência legal, mas que funcionam na maioria das empresas de forma praticamente fictícia, sem qualquer efetividade.

E cumpridos tais requisitos, vale dizer, obtida através de ingerências políticas a autorização do MTE, e criado formalmente, no papel, o Comitê Sindical, o que acontecerá a seguir? Nada menos que isto: ganhará o sindicato o poder incontrastável de vida e de morte sobre todos os direitos trabalhistas hoje reconhecidos e que não estejam expressamente mencionados no art. 7º da Constituição Federal.

Muitos dirão, então - José Pastore entre eles, e também Sérgio Nobre, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC - que nenhum sindicato (quer dizer, nenhum sindicalista) jamais abrirá mão de direitos trabalhistas, que os acordos trarão apenas benefícios aos trabalhadores, que não se trata de flexibilização, que a negociação é a forma “moderna” e “avançada” de resolver os conflitos, que os trabalhadores e a sociedade só têm a ganhar, etc.

Na condição de Procurador do Trabalho já tive a oportunidade de constatar que as coisas, infelizmente, não ocorrem assim.

Dou um exemplo concreto: em 2008, realizei em conjunto com a colega Larissa Lima uma audiência pública, com a presença de representantes de dezenas de sindicatos de trabalhadores e empregadores rurais da região abrangida pela Procuradoria do Trabalho no Município de Patos de Minas (oeste de Minas Gerais, com forte presença de lavouras de café e feijão, entre outras), que foram alertados quanto a cláusulas que não deveriam ser incluídas em convenções e acordos coletivos.

A necessidade de tal audiência pública se fez óbvia ante a descoberta da proliferação, em toda a região, de acordos coletivos firmados com grandes fazendeiros que previam, entre outras coisas, que: a) o custo das ferramentas de trabalho (enxada e rastelo, por exemplo) seria suportado pelos trabalhadores rurais; b) o empregador era dispensado de fornecer na fazenda água potável e fresca; c) seria considerado como falta o dia em que o empregado não apresentasse a produtividade esperada pelo empregador, d) não haveria limitação ao número de horas extras diárias durante a colheita; entre outros absurdos.

Todos os sindicatos que foram flagrados celebrando acordos assim terminaram assinando com o Ministério Público termos de ajuste de conduta, comprometendo-se a não mais pactuar tais cláusulas, sob pena de multa.

Dou agora exemplos mais recentes, deste ano de 2012 e da rica região do interior de São Paulo que engloba Araraquara e São Carlos, onde me deparei com diversos acordos, celebrados por sindicatos de trabalhadores de categorias tradicionalmente fortes (alguns deles filiados à CUT), instituindo a possibilidade de supressão de anotação da jornada de trabalho, o desconto salarial por horas negativas lançadas no Banco de Horas, a redução do horário para descanso e alimentação para apenas vinte minutos e a sonegação de verbas rescisórias, ente outros problemas.

Ora, no “admirável mundo novo” proposto pela CUT/Metalúrgicos do ABC em seu Anteprojeto, acordos coletivos dessa natureza não poderão mais ser contestados por quem quer que seja - nem pelo Ministério Público, nem pela Justiça, nem pelos próprios trabalhadores atingidos -, pois o sindicato, autorizado pelo MTE e tendo constituído um “Comitê Sindical de papel”, poderá legitimamente celebrar acordos prevendo, entre outras coisas, que o custo da aquisição de instrumentos de trabalho competirá aos próprios empregados, que o empregador não precisa fornecer água, que não mais haverá limitação ao número de horas extras, que o número de dias de férias por ano será reduzido de trinta para dez, ou cinco, que as horas in itinere não precisarão ser pagas, que o salário poderá ser pago não até o 5º dia útil, mas até o 10º, ou 20º, que as normas de saúde e segurança elaboradas pelo Ministério do Trabalho não se aplicam, etc. Normas internacionais, editadas pela OIT, poderão ser desconsideradas todos os dias, o que sujeitará o Brasil a punições no plano internacional, mas internamente o acordo coletivo supressor de direitos não poderá ser questionado.

Vejam que não estou realizando aqui um exercício de “futurologia” ao prever que acordos coletivos serão celebrados nessas condições, em sendo transformado em lei o Anteprojeto da CUT/Metalúrgicos do ABC. Eu já sei que acordos assim serão firmados, pelo simples motivo de que hoje em dia, antes mesmo da aprovação do projeto, acordos desse tipo já são celebrados por inúmeros sindicatos em todas as partes do país.

A única diferença estará no fato de que, após a aprovação da proposta da CUT/Metalúrgicos do ABC, acordos lesivos assim, que hoje são ilegais, não poderão ser questionados e passarão a ser reconhecidos como se lei fossem entre as partes, vinculando os trabalhadores.

Em síntese, nos últimos dez anos operou-se uma radical e surpreendente transformação na postura adotada pela Central Única dos Trabalhadores, sob o influxo de lideranças como Sérgio Nobre: de combatente de propostas neoliberais, tornou-se ela proponente de propostas neoliberais. Da defesa intransigente de direitos trabalhistas, passou ela a se engajar na flexibilização (leia-se eliminação) desses direitos.

Sem dúvida o leitor terá notado que, na maior parte dos casos, referi-me à autoria do Anteprojeto de flexibilização como sendo da CUT/Metalúrgicos do ABC, e não simplesmente da CUT. Não o fiz por acaso. A CUT é uma grande Central, a maior do país, e ainda congrega lideranças e sindicatos batalhadores, envolvidos na defesa dos interesses dos trabalhadores em toda e qualquer situação.

Os ventos que hoje sopram do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que são muito estranhos, e que poderiam com a mesma facilidade soprar das sedes da FIESP ou da CNI, em sua condenação ao caráter “arcaico e ultrapassado” da CLT, não são uma unanimidade dentro da CUT, longe disso. Há uma batalha sendo travada dentro da Central, com alguns pretendendo torná-la uma cópia da Força Sindical, aproximando-a de propostas de flexibilização e de acomodação aos interesses empresariais, e outros lutando contra isso, por ainda acreditarem no princípio da proteção, na impossibilidade de retrocesso social e nos valores que inspiraram o surgimento da legislação trabalhista.

Espera-se que, em breve, a CUT perceba o enorme risco que está a correr ao negar toda a sua história de luta e todas as expectativas que estão sobre ela depositadas, e anuncie o abandono em definitivo da proposta flexibilizadora de direitos e geradora de precarização social.

Pois uma Central Sindical envolvida com a flexibilização de direitos não será mais uma Central Sindical. Será um balcão de negócios, a maior parte dos quais inconfessáveis.


Extraído de:
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