quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Kátia Abreu, a antropóloga, criadora da Abreugrafia



José Ribamar Bessa Freire


Nelson Rodrigues só se deslumbrou com "a psicóloga da PUC" porque não conheceu "a antropóloga da Folha". Mas ela existe. É a Kátia Abreu. É ela quem diz aos leitores daFolha de São Paulo, com muita autoridade, quem é índio no Brasil. É ela quem religiosamente, todos os sábados, em sua coluna, nos explica como vivem os "nossos aborígenes". É ela quem nos ensina sobre a organização social, a distribuição espacial e o modo de viver deles.

Podeis obtemperar que o caderno Mercado, onde a coluna é publicada, não é lugar adequado para esse tipo de reflexão e eu vos respondo que não é pecado se aproveitar das brechas da mídia. Mesmo dentro do mercado, a autora conseguiu discorrer sobre a temática indígena, não se intimidou nem sequer diante de algo tão complexo como a estrutura de parentesco e teorizou sobre "aborigenidade", ou seja, a identidade dos "silvícolas" que constitui o foco central de sua  - digamos assim - linha de pesquisa.

A maior contribuição da antropóloga da Folha talvez tenha sido justamente a recuperação que fez de categorias como "sílvicola" e "aborígene", muito usadas no período colonial, mas lamentavelmente já esquecidas por seus colegas de ofício. Desencavá-las foi um trabalho de arqueologia num sambaqui conceitual, que demonstrou, afinal, que um conceito nunca morre, permanece como a bela adormecida à espera de alguém que o desperte com um beijo. Não precisa nem reciclá-lo. Foi o que Kátia Abreu fez.

Com tal ferramenta inovadora, ela estabeleceu as linhas de uma nova política indigenista, depois de fulminar e demolir aquilo que chama de "antropologia imóvel" que seria praticada pela Funai. Sua abordagem vai além do estudo sobre a relação observador-observado na pesquisa antropológica, não se limitando a ver como índios observam antropólogos, mas como quem está de fora observa os antropólogos sendo observados pelos índios. Não sei se me faço entender. Mas em inglês seria algo assim como Observing Observers Observed. 

Os argonautas do Gurupi

Todo esse esforço de abstração desaguou na criação de um modelo teórico, a partir do qual Kátia Abreu sistematizou um ousado método etnográfico conhecido como abreugrafia que, nos anos 1940, não passava de um prosaico exame de raios X do tórax, uma técnica de tirar chapa radiográfica do pulmão para diagnosticar a tuberculose, mas que foi ressignificado. Hoje, abreugrafia é a descrição etnográfica feita com o método inventado por Kátia Abreu, no caso uma espécie de raio X das sociedades indígenas.

Esse método de coleta e registro de dados foi empregado na elaboração dos três últimos artigos assinados pela antropóloga da Folha: Uma antropologia imóvel (17/11), A Tragédia da Funai(03/11/) e Até abuso tem limite (27/10) que bem mereciam ser editados, com outros, num livro intitulado "Os argonautas do Gurupi". São textos imperdíveis, que deviam ser leitura obrigatória de todo estudante que se inicia nos mistérios da antropologia. A etnografia refinada e apurada que daí resulta quebrou paradigmas e provocou uma ruptura epistemológica ao ponto de não-retorno.

A antropóloga da Folha aplicou aqui seu método revolucionário - a abreugrafia - que substituiu o tradicional trabalho de campo, tornando caducas as contribuições de Boas e Malinowski. Até então, para estudar as microssociedades não ocidentais, o antropólogo ia conviver lá, com os nativos, tinha de "viver na lama também, comendo a mesma comida, bebendo a mesma bebida, respirando o mesmo ar" da sociedade estudada, numa convivência prolongada e profunda com ela, como em  'Lama', interpretada por Núbia Lafayette ou Maria Bethania.

A abreugrafia acabou com essas presepadas. Nada de cantoria. Nada de anthropological blues.Agora, o antropólogo já não precisa se deslocar para sítios longínquos, nem viver um ano a quatro mil metros de altura, numa pequena comunidade nos Andes, comendo carne de lhama, ou se internar nas selvas amazônicas entre os huitoto, como fez um casal de amigos meus. E tem ainda uma vantagem adicional: com a abreugrafia, os antropólogos nunca mais serão observados pelos índios.

Em que consiste, afinal, esse método que dispensa o trabalho de campo? É simples. Para conhecer os índios, basta tão somente pagar entrevistadores terceirizados. Foi o que fez a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) que, por acaso, é presidida por Kátia Abreu. A CNA encomendou pesquisa ao Datafolha que, por acaso, pertence à empresa dona do jornal onde, por acaso, escreve Kátia. Está tudo em casa. Por acaso.

Terra à vista

Os pesquisadores contratados, sempre viajando em duplas - um homem e uma mulher - realizaram 1.222 entrevistas em 32 aldeias com cem habitantes ou mais, em todas as regiões do país. Os resultados mostram que 63% dos índios têm televisão, 37% tem aparelho de DVD, 51% geladeira, 66% fogão a gás e 36% telefone celular. "A margem de erro" - rejubila-se o Datafolha - "é de três pontos percentuais para mais ou para menos".

"Eu não disse! Bem que eu dizia" - repetiu Kátia Abreu no seu último artigo, no qual gritou "terra à vista", com o tom de quem acaba de descobrir o Brasil. O acesso dos índios aos eletrodomésticos foi exibido por ela como a prova de que os "silvícolas" já estão integrados ao modo de vida urbano, ao contrário do que pretende a Funai, com sua "antropologia imóvel" que "busca eternizar os povos indígenas como primitivos e personagens simbólicos da vida simples". A antropóloga da Folha, filiada à corrente da "antropologia móvel", seja lá o que isso signifique, concluiu:
- "Nossos tupis-guaranis, por exemplo, são estudados há tanto tempo quanto os astecas e os incas, mas a ilusão de que eles, em seus sonhos e seus desejos, estão parados, não resiste a meia hora de conversa com qualquer um dos seus descendentes atuais".

Antropólogos da velha guarda que persistem em fazer trabalho de campo alegam que Kátia Abreu, além de nunca ter conversado sequer um minuto com um índio, arrombou portas que já estavam abertas. Qualquer aluno de antropologia sabe que as culturas indígenas não estão congeladas, pois vivem em diálogo com as culturas do entorno. Para a velha guarda, Kátia Abreu cometeu o erro dos geocêntricos, pensando que os outros estão imóveis e ela em movimento, quando quem está parada no tempo é ela, incapaz de perceber que não é o sol que dá voltas diárias em torno da terra.

No seu artigo, a antropóloga da Folha lamenta que os índios "continuem morrendo de diarreia". Segundo ela, isso acontece, não porque os rios estejam poluídos pelo agronegócio, mas "porque seus tutores não lhes ensinaram que a água de beber deve ser fervida". Esses tutores representados pela FUNAI - escreve ela - são responsáveis por manter os índios "numa situação de extrema pobreza, como brasileiros pobres". Numa afirmação cuja margem de erro é de 3% para mais ou para menos, ela conclui que os índios não precisam de tutela.

- Quem precisa de tutela intelectual é Kátia Abreu - retrucam os antropólogos invejosos da velha guarda, que desconhecem a abreugrafia. Eles contestam a pobreza dos índios, citando Marshall Sahlins através de postagem feita no facebook por Eduardo Viveiros de Castro:
‎"Os povos mais 'primitivos' do mundo tem poucas posses, mas eles não são pobres. Pobreza não é uma questão de se ter uma pequena quantidade de bens, nem é simplesmente uma relação entre meios e fins. A pobreza é, acima de tudo, uma relação entre pessoas. Ela é um estatuto social. Enquanto tal, a pobreza é uma invenção da civilização. Ela emergiu com a civilização..."

Miss Desmatamento

A conclusão mais importante que a antropóloga da Folha retira das pesquisas realizadas com a abreugrafia é de que os "aborígenes", já modernizados, não precisam de terras que, aliás, segundo a pesquisa, é uma preocupação secundária dos índios, evidentemente com uma margem de erro de três pontos para mais ou para menos.

- "Reduzir o índio à terra é o mesmo que continuar a querer e imaginá-lo nu" - escreve a antropóloga da Folha, que não quer ver o índio nu em seu território. "Falar em terra é tirar o foco da realidade e justificar a inoperância do poder público. O índio hoje reclama da falta de assistência médica, de remédio, de escola, de meios e instrumentos para tirar o sustento de suas terras. Mais chão não dá a ele a dignidade que lhe é subtraída pela falta de estrutura sanitária, de capacitação técnica e até mesmo de investimentos para o cultivo".

A autora sustenta que não é de terra, mas de fossas sépticas e de privadas que o índio precisa. Demarcar terras indígenas, para ela, significa aumentar os conflitos na área, porque "ocorre aí uma expropriação criminosa de terras produtivas, e o fazendeiro, desesperado, tem que abandonar a propriedade com uma mão na frente e outra atrás".

Ficamos, então, assim combinados: os índios não precisam de terra, quem precisa são os fazendeiros, os pecuaristas e o agronegócio. Dados apresentados pela jornalista Verenilde Pereira mostram que na área Guarani Kaiowá existem 20 milhões de cabeças de gado que dispõem de 3 a 5 hectares por cabeça, enquanto cada índio não chega a ocupar um hectare.

Um discípulo menor de Kátia Abreu, Luiz Felipe Pondé, também articulista da Folha, tem feito enorme esforço para acompanhar a produção intelectual de sua mestra, usando as técnicas da abreugrafia, sem sucesso, como mostra artigo por ele publicado com o título Guarani Kaiowá de boutique (9/11), onde tenta debochar da solidariedade recente aos Kaiowá que explodiu nas redes sociais.

Kátia Regina de Abreu, 50 anos, empresária, pecuarista e senadora pelo Tocantins (ex-DEM,atual PSD), não é apenas antropóloga da Folha. É também psicóloga formada pela PUC de Goiás, reunindo dois perfis que deslumbrariam Nelson Rodrigues.

Bartolomé De las Casas, reconhecido defensor dos índios no século XVI, contesta o discurso do cronista do rei, Gonzalo Fernandez de Oviedo, questionando sua objetividade pelo lugar que ele ocupa no sistema econômico colonial: 
- “Se na capa do livro de Oviedo estivesse escrito que seu autor era conquistador, explorador e matador de índios e ainda inimigo cruel deles, pouco crédito e autoridade sua história teria entre os cristãos inteligentes e sensíveis”.

O que é que nós podemos escrever na capa do livro "Os Argonautas do Gurupi" de Kátia Abreu, eleita pelo movimento ambientalista como Miss Desmatamento? Que crédito e autoridade tem ela para emitir juízos sobre os índios? O que diriam os cristão inteligentes e sensíveis contemporâneos? Respostas em cartas à redação, com a margem de erro de 3% para mais ou para menos.



Texto: / Postado em 25/11/2012 ás 10:20


Extraído de:
http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?idprog=d41d8cd98f00b204e9800998ecf8427e&cod=10587

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sábado, 24 de novembro de 2012

Boris Casoy é condenado a pagar R$ 21 mil de indenização a gari

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Geral

SUL21

24/11/2012 - 18:41




Jornalista foi condenado por ter ofendido gari no Reveillón de 2009 | Foto: Reprodução/Jornal da Noite
Da Redação
A 8ª Câmara de Direito Privado de São Paulo condenou o jornalista Boris Casoy e a TV Bandeirantes a pagar R$ 21 mil de indenização por danos morais ao gari Francisco Gabriel de Lima. Na noite de réveillon de 31 de dezembro de 2009, após Francisco Lima aparecer em uma vinheta desejando feliz natal, uma falha técnica acabou levando ao ar o áudio de Boris dizendo: “Que merda: dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho”.
O áudio foi transmitido ao vivo durante o jornal da Band e gerou grande repercussão. No dia seguinte, quando o vídeo já tinha milhares de visualizações na internet, Boris Casoy se retratou sobre o comentário que definiu como “uma frase infeliz”. ”Peço profundas desculpas aos garis e a todos os telespectadores”, afirmou.
Para o TJ-SP, “ainda que sinceras”, as desculpas de Boris Casoy não são suficientes para reparar o dano causado ao gari. A decisão destacou que Francisco Lima avisou aos familiares que iria aparecer na televisão e que a “lamentável ocorrência efetivamente ofendeu a dignidade do autor”.
Ainda de acordo com a decisão, a alegação de que não houve intenção de ofender o gari não absolve o jornalista e a emissora. Ressalta que Boris Casoy, “experiente na profissão que exerce há décadas, seguramente conhece os bastidores de um programa apresentado ao vivo e que, muitas vezes, o intervalo é interrompido sem maiores avisos ou o áudio ‘vazado’. Houve descuido de sua parte. E, ainda que tenha dito tais falas ‘em tom de brincadeira’, como narrou ao Juízo a testemunha (e também jornalista) Joelmir Beting, o fato danoso ocorreu e seguramente poderia ter sido evitado”.
Por fim, o TJSP concluiu que a emissora é responsável pelo conteúdo que veicula e, por isso, deve dividir o valor da condenação com Boris Casoy. A única chance da emissora reverter a condenação é com um recurso direcionado ao Superior Tribunal de Justiça.
A TV Bandeirantes tentou convencer a Justiça de que o episódio não teria causado dano moral ou humilhação ao gari. Citou a reportagem de um jornal em que Francisco Lima teria dito que “não guarda qualquer mágoa ou revolta”, o que demonstraria uma clara renúncia a uma indenização. A emissora afirmou que o gari “utiliza-se da prestação jurisdicional para obtenção de lucro fácil”.
Com informações do UOL e do site Consultor Jurídico.

Extraído de:
http://www.sul21.com.br/jornal/2012/11/boris-casoy-e-condenado-a-pagar-r-21-mil-de-indenizacao-a-gari/comment-page-1/#comment-96209

O vídeo do caso:
http://www.youtube.com/watch?v=XmIzFVhVMV8

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domingo, 18 de novembro de 2012

Um manifesto em defesa do governo

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Um grupo formado por dirigentes sociais que defendem o governo petista, intelectuais, membros (e ex-membros) do próprio governo petista e até do Governo FHC estão organizando um manifesto intitulado "A crise mundial, a defesa do Brasil e da paz" para, segundo eles, promover a "reaglutinação de forças no Brasil para enfrentar crise mundial". [1]

Encabeçado por João Pedro Stédile (MST), Luiz Pinguelli Rosa (ex-presidente da Eletrobras durante o Governo Lula), Marcio Pochmann (ex-presidente do IPEA e candidato derrotado do PT à Prefeitura de Campinas em 2012), Samuel Pinheiro Guimarães (Diplomata, ocupou cargos nos governos Lula e Dilma), Pedro Celestino, Roberto Amaral (ex-ministro da Ciência e Tecnologia do Governo Lula, vice-presidente do PSB, integra os conselhos de administração de Itaipu Binacional e do BNDES) e Ubirajara Brito (escritor) o referido manifesto conta com o apoio de Luiz Carlos Bresser Pereira (ex-ministro de Reforma do Estado de FHC), Moniz Bandeira (intelectual) e Carlos Lessa (ex-presidente do BNDES do Governo Lula).

Chama atenção o fato do documento que se pretende "enfrentar a crise mundial" não caracterizar a própria crise. Suas origens, as medidas tomadas diante dela e suas consequências não são abordadas. Sequer a quimera reformista de culpar a especulação pela crise é levantada. O máximo que o documento descreve é a reação violenta do imperialismo estadunidense diante dela, o que é insuficiente para entender a crise atual e poder enfrentá-la corretamente.

Esse "deslize" não ocorre de forma acidental. O objetivo declarado do manifesto não é a sincera "reaglutinação de forças no Brasil para enfrentar crise mundial" mas a formação de uma verdadeira tropa de choque para a defesa dos governos petistas que deverão ampliar os ataques aos direitos dos trabalhadores com o aprofundamento da crise financeira no mundo e no país. A defesa do governo é um princípio apontado de forma clara no manifesto:

"É portanto urgente a necessidade de expansão de uma consciência pública de defesa do desenvolvimento soberano e democrático do país – na sua economia, na sua organização política e social, na sua cultura. Quanto maior seja essa consciência, mais forte estará o governo para resistir às agressões da direita e, ao mesmo tempo, maior será a pressão dos movimentos de massa para que suas políticas sejam mais coerentes com os interesses do país e da sociedade."

Tal princípio não só exclui de antemão aqueles que se opõem ao governo petista pela esquerda como abre as portas para chamar de "agentes da direita" os que vierem a se mobilizar contra os ataques do governo - como já foi feito em outras ocasiões.


O fator nacional e o desenvolvimento

Para enfrentar uma crise econômica que não é analisada a fórmula se resume ao "fator nacional":

"O REPÚDIO À prepotência dos Estados Unidos e a disposição de opor-se a ela, manifestados com força crescente no mundo inteiro, evidenciaram mais uma vez a importância do fator nacional na luta política. Os Estados nacionais, ao invés de desaparecerem, regressaram com força maior à cena. A defesa do interesse nacional diante da dominação ou da agressão externa, que é motor principal da mobilização popular nos movimentos revolucionários desde a luta pela independência nos próprios Estados Unidos, repontando sempre, sob diversas formas, na Revolução Francesa, na Comuna de Paris, na Revolução Russa, na Revolução Chinesa, na Revolução Cubana, volta a mostrar-se fator-chave para que a cidadania se apresente como força transformadora, a fim de levar adiante movimentos que no início apontam para objetivos patrióticos e parciais, mas tendem a avançar para conquistas democráticas de maior alcance social.

Esse ressurgimento do fator nacional no centro da ação política é realidade hoje por toda parte no mundo. É entretanto na América do Sul que ele encontra sua manifestação mais saliente e que mais de perto interessa aos brasileiros."

Restaria saber se os nossos "neonacionalistas" aceitariam que as massas brasileiras avançassem "para conquistas democráticas de maior alcance social" uma vez que isso hoje só pode ser obtido através de uma luta decidida contra o próprio governo que eles querem proteger e preservar.

Mas o pretenso nacionalismo desses senhores se revela quando glorificam a espinha dorsal do seu programa: o "desenvolvimentismo" atualmente praticado pelas gestões petistas.

"Em 1998, elege-se na Venezuela o presidente Hugo Chávez, com uma plataforma anti-imperialista e com a intenção de cumprir o prometido. Em 2002, elege-se no Brasil o presidente Lula, que alterou gradativamente a política econômica neoliberal dos governos anteriores para beneficiar a aceleração do desenvolvimento econômico, e adotou uma política de socorro às camadas mais pobres da população, fortalecendo com isso o mercado interno; adotou também uma política externa de autonomia em relação aos Estados Unidos, que permitiu rejeitar o ominoso projeto da ALCA, livrar o Brasil da subordinação ao FMI, privilegiar a aproximação com a América do Sul, com fortalecimento do Mercosul e da Unasul, assim como permitiu expandir as relações do Brasil com países e povos da África, do Oriente Próximo e da Ásia." (Grifo nosso)

A Venezuela, citada no manifesto, é um bom exemplo dos limites históricos do nacionalismo burguês em geral, e na etapa presente em particular. Esses movimentos, em sua maioria, iniciam com um relativo enfrentamento ao imperialismo pelo fato deste dominar setores importantes da economia local, mas como o seu limite é o próprio capitalismo, retrocedem cedo ou tarde junto com as oscilações do sistema. A Líbia foi um caso clássico nesse sentido. Após um período nacionalista Kadafi vinha, nos últimos anos, aprofundando uma política de privatização e de desnacionalização da economia local, tendo privatizado 1/3 das estatais e tinha o objetivo de privatizar metade da economia nos próximos 10 anos. [2]

Na Venezuela tão logo a crise financeira capitalista eclodiu a "revolução" bolivariana ao invés de avançar para o anti-imperialismo, acabou iniciando um forte declínio. O presidente Hugo Chávez, em vez de liderar uma política de combate aos especuladores, resolveu atacar os trabalhadores e chegou a dizer que em tempos de crise não se faz greve! O retrocesso do nacionalismo burguês bolivariano é o grande responsável pelo crescimento eleitoral da direita no país.

Evidentemente não se pode colocar no mesmo saco o bolivarianismo do país vizinho, que teve um período relativamente nacionalista, e o lulismo brasileiro, que se limitou a seguir o trabalho do seu antecessor dando apenas uma aparência mais simpática, "popular" - embora os seguidores do manifesto digam o contrário.

Eles afirmam que houve mudança na política econômica neoliberal mas não explicam como, uma vez que as metas de superávit primário, os ajustes fiscais no orçamento que cortam das áreas sociais, as leis que retiram dessas mesmas áreas para dar aos rentistas e as privatizações foram renovadas e aprofundadas. As políticas de "socorro" visam exatamente facilitar a aplicação dessa política econômica e longe de mostrar um rompimento com a banca internacional mostram o seu alinhamento uma vez que programas assistencialistas como o Bolsa Família são indicados por instituições como o Banco Mundial e no caso brasileiro foi sugerido pelo tucano Marconi Perillo, cujos créditos foram reconhecidos pelo próprio Lula. [3]

O Banco Mundial sugere a aplicação desse tipo de programa em conjunto com cortes nas áreas sociais como saúde, educação e previdência. É uma política de dar com a mão esquerda para melhor poder tirar em dobro com a direita. Como os que têm feito essa lembrança são chamados de sectários e insensíveis pelos governistas, cabe verificar o que dizia o próprio Lula sobre esse tipo de programa:

(...) lamentavelmente no Brasil o voto não é ideológico (...) e lamentavelmente você tem uma parte da sociedade que pelo alto grau de empobrecimento ela é conduzida a pensar pelo estômago e não pela cabeça. É por isso que se distribui tanta cesta básica. É por isso que se distribui tanto tíquete de leite. Porque isso, na verdade, é uma peça de troca em época de eleição. E assim você despolitiza o processo eleitoral. Você trata o povo mais pobre da mesma forma que Cabral tratou os índios quando chegou no Brasil, tentando distribuir bijuterias, espelhos para ganhar os índios. E eles distribuem alimentos. Você tem como lógica manter a política de dominação que é secular no Brasil (...)” [4]

A propalada "autonomia em relação aos Estados Unidos" contrasta com a vergonhosa ocupação do Haiti e as ações políticas que visaram acalmar o movimento de massas no continente e até consolidar golpes da direita na região. Recentemente documentos do Wikileaks demonstraram como, ao contrário do que se chegou a imaginar, o Brasil foi colaborador e cúmplice dos golpes em Honduras, Haiti e Paraguai. [5]

Mas além de uma política de gerente dos interesses do imperialismo na região o Brasil buscou expandir os negócios da burguesia local para o estrangeiro. Foi pautado nesse interesse que o Brasil buscou "fortalecer" algumas relações na América do Sul, Ásia, África e Oriente Médio. Não uma integração sincera entre povos mas o puro interesse comercial em alguns casos com traços abertamente subimperialistas. Vale lembrar que essa política foi elaborada no final do Governo FHC. [idem 5]

Por outro lado, no plano interno, o governo petista aprofundou a desnacionalização, a privatização e a dependência externa da economia local. Esse movimento aparentemente contraditório é totalmente coerente com a lógica de privilegiar as grandes corporações (sejam elas nacionais ou estrangeiras) de uma política econômica que vem desde os tempos de FHC mas que agora é celebrada pelos nossos "neonacionalistas" como "desenvolvimentista".


A crise e as 11 propostas

a) A crise

Se a caracterização do governo é um desastre as 11 propostas do manifesto são uma verdadeira tragédia. Elas reivindicam a radicalização do que vem sendo praticado, o que se cumprido à risca aviltará não só o que resta dos interesses nacionais mais usurpará o que ainda resta dos direitos dos trabalhadores - chama atenção o fato de não haver referência à defesa desses direitos entre as 11 propostas.

Antes de analisar, uma a uma, as 11 propostas do manifesto, vejamos, até para reforçar o que foi dito no parágrafo anterior, como os nossos "neonacionalistas" encaram a atual política "anticrise" do governo petista:

"A presidente Dilma, diante do agravamento da crise financeira internacional, avança na política econômica, enfrentando a questão do freio dos altíssimos juros à expansão da economia nacional, corrigindo na política de câmbio a valorização excessiva do real e mantendo e ampliando as políticas de inclusão social. No plano externo, embora com mudança de ênfase, persiste de modo geral a afirmação de política não alinhada aos Estados Unidos."

Já foi demonstrada aqui a falácia da política autônoma em relação ao imperialismo estadunidense. Abordemos agora um pouco aquilo que os nossos senhores passaram batido: a crise financeira.

Como demonstrou Marx a origem de toda a crise capitalista é a base produtiva do próprio sistema. A concorrência entre as empresas as leva a buscar vender mais barato do que o concorrente. Para isso investem em tecnologia para aumentar a produtividade e reduzir os custos de produção. Isso acarreta em demissões e redução de salários por um lado e queda da taxas de lucros das empresas por outro, além de uma abundância de mercadorias produzidas para serem consumidas. A essa queda as empresas respondem com novas medidas para reduzir os salários afetando a capacidade de consumo dos trabalhadores.

Quando fica difícil de acumular e reproduzir o capital somente com a produção os capitalistas vão atrás de atividades especulativas, seja a financeira strictu sensu, seja em outro ramo da economia.

Nas últimas décadas as mudanças na base produtiva levaram exatamente ao cenário descrito anteriormente. O desenvolvimento tecnológico propiciou um incremento sem precedentes na produção, ao passo que exigiu medidas de redução diretas dos custos do trabalho, afetando a renda e o poder de consumo dos trabalhadores dos países capitalistas centrais. Esse processo foi sendo aprofundado no início dos anos 70 com a substituição de um capitalismo mais regulado por um menos regulado.

Nessa conjuntura as atividades especulativas cresceram. E para atenuar o descompasso entre elevada capacidade produtiva de um lado e capacidade consumidora dos trabalhadores reduzida de outro foi acionado o crédito para manter o consumo. Também foram infladas bolhas imobiliárias especulativas em vários países pelo mundo. No final de 2007 essa bolha estourou nos Estados Unidos e o resto da História todo mundo já conhece.

Até 2008 a prioridade no Brasil era a produção para exportação. Quando a crise estoura essas ficam prejudicadas e o governo brasileiro, para escoar essa produção, passa a tomar medidas para estimular o consumo interno das famílias, o chamado mercado interno, até então negligenciado. O empresário Abílio Diniz, que apóia o governo petista, disse que o país trocou "o consumo externo pelo interno".

Mas esse consumo interno foi alavancado não pela valorização do salário mínimo, que aumentou menos na era petista do que na FHC, mas através do crédito. Para se ter uma ideia do crescimento do mesmo, em 2007 ele representava 34,2% do PIB e em 2011 já havia atingido 49,1%!
Segundo a "Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic)" divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em maio de 2011, 64,2% das famílias brasileiras já encontravam-se endividadas.

A redução dos juros celebrada acriticamente pelos nossos "neonacionalistas" é um pedido das próprias classes dominantes e busca exatamente expandir ainda mais o crédito e tem sido feito às custas da redução dos já parcos ganhos da poupança dos trabalhadores.

Parte desse crédito tem sido utilizado para inflar a bolha imobiliária. Ainda que, em relação ao total do crédito, esse setor fique com uma quantia pequena, o volume de crescimento do crédito para ele também tem sido elevado.

Somente em 2011 o crédito imobiliário cresceu 42% em relação ao ano de 2010, isso levando-se em conta apenas os financiamentos com recursos da caderneta de poupança. Em 2010 o aumento foi de 65% em relação ao ano anterior.

Mas crédito e bolha imobiliária não foram exatamente as medidas tomadas pelos países capitalistas centrais no período de gestação da crise? Eis o diferencial das gestões petistas que os nossos "neonacionalistas" celebram e desejam aprofundar! [6]

b) As 11 propostas

Analisemos agora, uma a uma, as propostas do manifesto.

"Um elenco de propostas nesse sentido deve incluir:

1) a efetiva aceleração do desenvolvimento econômico do país;

2) a subordinação dos sistemas bancário e cambial aos interesses desse desenvolvimento;"

Os signatários do manifesto partem da caracterização de que o Brasil está se desenvolvendo embora um olhar mais atento mostre outro cenário. A Edição 694, de abril de 2012, da Revista Carta Capital, que apóia o Planalto, lançou como matéria de capa o debate "Crescimento não é desenvolvimento", onde aponta as mazelas básicas (saúde, saneamento, educação, habitação, etc) que ainda assolam o país [7]. Faltou na matéria relacionar a manutenção desses problemas com a política econômica já que esta retira recursos exatamente dessas áreas para repassar aos especuladores.

Nos últimos anos cresceu a privatização, a desnacionalização e a dependência externa da economia brasileira. Amplos setores da economia são dominados pelo capital estrangeiro. Um dos mais visíveis é o setor automotivo. Não é por acaso que o economista Adriano Benayon tem zombado quando o governo anuncia medidas de isenções fiscais e desonerações para proteger a indústria "nacional". [8]

O capital estrangeiro domina mesmo em algumas das grandes obras, como a Usina de Jirau, controlada por um grupo franco-belga, a GDF Suez. A referida obra, assim como a maioria delas, vem sendo tocada com farto dinheiro público, oriundo principalmente do BNDES.

Com muita frequência, nos últimos anos, o Tesouro tem feito aportes ao BNDES para que este entregue seus recursos para o lucro das grandes empresas, uma operação que eleva o endividamento público. Depois da farra do capital com dinheiro público vem os ajustes fiscais, como o corte de mais de 50 bilhões no início de 2012 onde a tesoura passou por áreas importantes e carentes como a saúde e a educação.

Os bancos públicos já operam na lógica de financiar o lucro privado. Agora, sob o guarda-chuva do "desenvolvimento", nossos "neonacionalistas" desejam radicalizar esse entreguismo ao pedir pela "subordinação dos sistemas bancário e cambial aos interesses desse desenvolvimento"!

Uma postura submissa que tem que fechar os olhos para as condições degradantes de trabalho que imperam nas grandes obras "desenvolvimentistas" e para as violações dos direitos das minorias étnicas afetadas por essas construções.

"3) a posse dos recursos naturais do país e a recuperação das empresas e recursos públicos estratégicos dilapidados;"

Depois de defender a radicalização de um "desenvolvimento" calcado na dilapidação dos recursos públicos, dos direitos dos trabalhadores e das minorias étnicas, eis que surgem nossos "neonacionalistas" falando em defesa dos recursos naturais, das empresas e recursos públicos!

Ou estamos diante de uma gritante contradição, o que é pouco provável, ou diante de um jogo de palavras pernicioso para enganar os distraídos, o que é mais provável.

Perceba-se que não se fala em estatização ou reestatização. Fala-se em "posse" e em "recuperação" o que não só é demasiado amplo como cabe perfeitamente na atual forma de gestão petista.

Quando a presidente Dilma anunciou as privatizações de rodovias e ferrovias, ciente da contradição com o discurso de campanha, ela negou as privatizações alegando exatamente que o Estado estava apenas concedendo por um determinado período as vias públicas para a iniciativa privada e não abrindo mão delas.

No Rio Grande do Sul, o governador petista Tarso Genro, vem utilizando a estatal Corsan para realizar "parcerias" e privatizar o saneamento básico, alegando a "recuperação" do serviço. [9]

O conceito de dilapidação, como aqui não é definido e tendo em vista o apoio dos signatários do manifesto ao governo, também pode ser manobrado para encobrir o entreguismo do patrimônio e do dinheiro público. O entreguismo mais medonho será perfeitamente aceito desde que operado dentro da legalidade e objetive o “desenvolvimento” - aliás é essa a palavra mágica utilizada pelo Planalto para realizar as privatizações com dinheiro público.

Como dinheiro no bolso não é jogo de palavras Eike Batista não vacilou em chamar as concessões petistas de "kit felicidade", ainda mais que esse kit é recheado de dinheiro público. Nenhuma crítica a esse, e outros kits, consta no manifesto. Normalmente quem cala consente. Nesse caso ou apóia ou é cúmplice.

"4) a efetivação de um programa de reforma agrária que penalize o latifún-dio improdutivo e beneficie as propriedades produtivas de pequeno e médio porte;"

Mais um jogo de palavras para enganar os distraídos. A estrutura agrária concentradora e excludente não é questionada, pede-se apenas uma penalização do latifúndio improdutivo, uma medida cosmética e moralizadora que na prática abdica da reforma agrária.

É vergonhoso que um dirigente do MST encabece um manifesto com esse tipo de proposta!

"5) a destinação de maiores verbas às políticas públicas de educação, o fortalecimento do ensino público e a melhor adequação dessas políticas aos interesses do desenvolvimento tecnológico e cultural do país;"

Sequer reivindica os 10% do PIB para a educação! Nem de forma imediata (o que seria correto), nem para daqui a mil anos!

Falar em destinar "maiores verbas" é amplo e só serve para celebrar coniventemente qualquer migalha a mais jogada pelo governo na área, que é o que tem feito os governos petistas.

Pede pela adequação do ensino à lógica "desenvolvimentista" praticada pelo governo petista em vez de uma educação que possibilite a capacidade de crítica e de emancipação dos setores excluídos e explorados.

O atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, que esteve na Europa oferecendo os jovens gaúchos como mão de obra barata para as multinacionais, deve ser a inspiração dos nossos "neonacionalistas" [10]. Talvez por isso não tenham defendido a aplicação da lei do piso nacional para os professores em seu manifesto.

"6) o reforço aos orçamentos de entidades de saúde pública, a obrigação dos serviços privados de seguridade de ressarcirem gastos dos serviços públicos de saúde com atendimento a segurados dos serviços privados, o fomento à pesquisa de aplicação de novos procedimentos de saúde sanitária básica, preventiva e de tecnologia atual;"

Novamente uma escrita ampla e confusa que serve para celebrar qualquer migalha jogada pelo governo para o setor. Nenhuma palavra pelo fim dos cortes de recursos nessa área e na educação para entregar para os especuladores.

Para piorar não questiona a mercantilização da saúde apenas defende uma ridícula moralização dos planos privados.

"7) a mudança da política de repressão policial dirigida contra a população mais pobre, principalmente não branca, por uma política democrática de segurança pública, o fortalecimento da política de não discriminação de gênero;"

E quem pratica a repressão policial contra a população pobre? Mais uma vez a fala é ampla, provavelmente para não ter que falar da militarização das favelas via UPPs apoiada pelo governo federal.

"8) o reforço do controle pelo poder público das concessões de meios de comunicação a grupos privados com vistas ao aprofundamento do regime democrático;"

E como seria feito esse controle? E as verbas publicitárias do governo despejadas para os tubarões da grande mídia? E a repressão às mídias alternativas praticadas em número recorde pelas gestões petistas? Nada disso é mencionado ou reivindicado.

"9) o reequipamento das Forças Armadas e a dotação a elas de recursos necessários à eficiente defesa do território nacional, assim como a adequação do conteúdo da formação nas escolas militares à defesa da democracia e dos interesses fundamentais do país;"

E quais seriam os interesses fundamentais do país? Seria o "desenvolvimento"? Se este estiver entre os "interesses fundamentais" nossos "neonacionalistas" podem ficar sossegados pois os governos petistas não só enviam as forças de repressão contra os grevistas que não entendem os "interesses fundamentais" como Dilma aprovou, em julho, o PROTEGER, programa elaborado pelo exército para "proteger" as instalações consideradas estratégicas, que coincidem com as grandes empresas e obras do país.

"10) a ampliação e a consolidação da política de unidade com a América do Sul – essencial para a preservação dos governos progressistas na região; e"

Já mostramos qual o real caráter dessa unidade: expansão do capital nacional e gerenciar os interesses do imperialismo amansando o movimento de massas na região.

"11) a defesa de uma política externa de respeito à soberania dos Estados, de relações amistosas com todos os povos e de defesa da paz."

Como conciliar "respeito à soberania" e "defesa da paz" com a ocupação no Haiti? Nenhum pedido de retorno dos nossos soldados do pobre país caribenho!

Poder-se-ia dizer que é uma reivindicação. Mas não é. Trata-se de uma convicção. Para os signatários do manifesto os governos petistas são exatamente o que consta no item. Como eles mesmos dizem:

"NO BRASIL, OS movimentos sociais organizados são ainda débeis. O governo do presidente Lula refletiu essa debilidade. Manteve uma política econômica em que ainda havia espaço para o neoliberalismo, mas adotou medidas de favorecimento ao poder aquisitivo da população pobre e desenvolveu uma política externa de autonomia em relação ao imperialismo estadunidense e defesa da paz. A presidente Dilma mantém nas linhas gerais essa diretriz." (Grifo nosso)

Irresistível não comentar sobre a "debilidade" dos movimentos sociais brasileiros. Desde 2003 as direções da CUT, da UNE e do MST buscam represar todas as lutas contra os governos petistas. A percepção do papel de correia do governo levou muitos ativistas a romper com essas direções e criar outras organizações.

A sabotagem das lutas, a defesa do governo e a propagação da confusão no seio das classes subalternas por dirigentes como João Pedro Stédile, que encabeça esse manifesto, são os principais responsáveis pela "debilidade" dos movimentos sociais no Brasil. Essa atitude gerou dispersão, ceticismo e rupturas que levarão algum tempo até que a necessária reorganização da classe se concretize.

Mas não é essa "debilidade" que explica a "debilidade" do Governo Lula. Aqui tenta se imputar a traição do governo petista e a capitulação de dirigentes sociais ao movimento de massas, ou seja, a culpa seria do povo!

O papel dos dirigentes sociais que buscam segurar os trabalhadores com a mão esquerda e entregar seus direitos com a direita simplesmente é omitido. Atualmente a direção da CUT, uma das maiores centrais sindicais do continente, sem consulta alguma a base, está apoiando uma proposta que acaba com os direitos trabalhistas, utilizando os mesmos argumentos de FHC que tentou aniquilar a CLT no final do seu mandato.

Essa verdadeira traição não pode ser explicada com o simples termo "debilidade". Ela tem causas mais complexas. Muitos dirigentes sindicais com o discurso do sindicalismo "moderno" passaram a administrar fundos de pensão e a ganhar tanto com a especulação quanto com as privatizações. São sócios de negócios de grandes empresas e portanto possuem interesses comuns com elas.

Essa mudança qualitativa nos interesses de tais dirigentes os leva a buscar debilitar os movimentos sociais, uma vez que eles próprios correm o risco de ser alvos dos mesmos, além de que a pauta destes atrapalha seus interesses. Em suma, não é a debilidade que explica a traição mas a traição que leva a tentativa de debilitar os movimentos sociais pois uma luta consequente deles poderia colocar em xeque os novos interesses desses dirigentes.


Ficha de adesão

Os signatários do manifesto parecem antever que a crise capitalista se aprofundará no mundo e no próprio Brasil. Buscam se antecipar teoricamente e angariar base social para o único caminho que será seguido pelo governo que apóiam quando do aprofundamento da crise no país: a ampliação das benesses ao grande capital e o confisco dos direitos dos trabalhadores, nada que difira do que vem ocorrendo na Europa.

O manifesto, que seria mais adequado chamar de "A crise mundial, a defesa do governo e do capitalismo", apela para o "desenvolvimentismo" para justificar os ataques aos direitos dos trabalhadores que virão.

Caberá perfeitamente na ideia de "desenvolvimento" a aniquilação da CLT, afinal com menos direitos trabalhistas "nossas" empresas se tornariam mais competitivas no mercado mundial, gerando mais desenvolvimento para o país. É o discurso dos empresários na Europa da austeridade.

É por isso que no referido manifesto não consta a defesa dos direitos dos trabalhadores, da previdência pública e das minorias étnicas, verdadeiros entraves ao "desenvolvimento". Os que se mobilizarem em defesa dessa pauta poderão ser perfeitamente rotulados de atrasados e alheios ao progresso. E as forças armadas poderão ser mobilizadas para cuidar dos "interesses fundamentais" ameaçados por essa turba de primitivos.

A maioria das 11 propostas do manifesto contemplam o que as gestões petistas já fazem na prática e apenas pedem pelo seu aprofundamento. As poucas que não estão atendidas na sua totalidade não são claras, possuem uma escrita ampla e lacônica que facilita a manipulação governamental e a adaptação do discurso dos dirigentes perante a base.

Nem mesmo contra o neoliberalismo o manifesto é consequente. Além de omitir-se de defender os direitos dos trabalhadores, não condena as privatizações, não pede por reestatizações e sequer critica o sistema financeiro. Nem a quimera reformista de controle do sistema financeiro é reivindicada. A dívida pública sequer é citada.

Qualquer manifesto que busque a "reaglutinação de forças" para uma determinada causa ou objetivo, mesmo que dentro de um mesmo espectro ideológico, deve levar em conta a diversidade do referido campo e não impor como condição apoio a governos ou organizações políticas. Ao fazer essa exigência pede-se não um apoio de princípios mas uma adesão ao governo. Isso não é um manifesto mas uma ficha de filiação.

O caráter desse manifesto, seu programa e propostas devem ser esmiuçados e apresentados pelo o que realmente são: a deslavada defesa dos governos petistas e de seus ataques aos interesses do país e do seu povo!

Rejeitar e denunciar esse manifesto é dever de todos os que querem de fato construir um programa contra a crise capitalista que deverá se apronfudar no país.



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[1] Manifesto defende reaglutinação de forças no Brasil para enfrentar crise mundial (14/11/2012):

[2] Líbia: Governo poderá privatizar metade da economia dentro de 10 anos (31/03/2010):

[3] Tucano sugeriu Bolsa Família para Lula (06/11/2010):

[4] Lula: ruptura ou continuidade de FHC? (27/11/2010):

[5] Os governos do PT diante dos golpes da direita na América Latina (23/07/2012):

A política externa de Lula foi progressista? (02/11/2010):

[6] A crise no Brasil (06/05/2012):

[7] A MIRAGEM DO CRESCIMENTO - Carta Capital - Impresso / Online - Internet - SEU PAÍS (24/04/2012):

[8] Por que o Brasil se atrasa (31/07/2012):

Brasil privatizado e desnacionalizado (06/30/2012):

[9] Rio Grande do Sul vai dobrar tratamento de esgoto até 2014 (05/04/2012):

[10] Tarso foi à Europa entregar o RS (13/05/2012):

Frase de Tarso na Europa (03/05/2012):


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sábado, 17 de novembro de 2012

Entrevista de Fattorelli ao Portal Sul21

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“Há um sistema da dívida pública”, critica Maria Lucia Fattorelli

16/11/2012

Samir Oliveira

Auditora da Receita Federal durante 29 anos, Maria Lucia Fattorelli se dedica, desde 2001, à coordenação do movimento Auditoria Cidadã da Dívida. A organização vem buscando informações sobre a dívida pública brasileira e demanda a realização de uma ampla auditoria em seus contratos.
Para Maria Lucia, existe um “sistema da dívida” no Brasil. Nesta entrevista ao Sul21, ela explica que esse sistema foi orquestrado pelo aparato financeiro internacional com a anuência de diversos governos desde a ditadura militar.

“O sistema consiste na usurpação do instrumento de endividamento público. Em vez de ser um instrumento que aporta recursos ao Estado, passou a ser um ralo para escoar esses recursos. É esse sistema que influencia o modelo econômico. Quais são as metas econômicas do governo federal? Não são metas de bem estar social. São metas de controlar a inflação e atingir o superávit primário. Se não há recurso para pagar a dívida e atingir o superávit, então o governo corta o orçamento de diversas áreas”, critica.

A auditora aposentada foi uma das seis estrangeiras escolhidas pelo presidente do Equador, Rafael Correa, para realizar uma auditoria da dívida pública do país, em 2007. Com essa atitude, o Equador reduziu em 70% o gasto com a dívida. “Foi uma lição de soberania ao mundo”, defende Maria Lucia.

Ela esteve em Porto Alegre nesta semana para participar do XXII Congresso da Federação Nacional das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (FENASTC).


A dívida brasileira hoje, somando a externa e a interna, está em quase R$ 3,5 trilhões e absorve quase meio orçamento por ano. Em 2011, o governo pagou R$ 708 bilhões”


Sul21 – Como surgiu o movimento?
Maria Lucia Fattorelli - O movimento existe desde 2000, quando houve o grande plebiscito popular da dívida no Brasil. Esse plebiscito foi convocado por entidades da sociedade civil, igrejas, partidos políticos, sindicatos e associações. Foi realizado em mais de 3,3 mil municípios em todo o país e colheu mais de 6 milhões de votos. Em toda a década de 90, vínhamos debatendo esse assunto. Se o Brasil é tão rico, por que temos tantos problemas sociais? Chegamos à conclusão de que a mãe das dívidas sociais era a dívida externa. Na época, a face da dívida era a externa. O plebiscito que organizamos tinha três perguntas e uma delas era: “Você concorda em continuar pagando a dívida sem a realização da auditoria prevista na Constituição?”. A Constituição de 1988, no artigo 26 das disposições transitórias, prevê a realização de uma ampla auditoria por uma comissão mista convocada pelo Congresso Nacional. Terminado o plebiscito, entregamos os resultados para o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Passaram-se meses e não aconteceu absolutamente nada, então as entidades voltaram a se reunir para discutir o que fazer. Mais de 80 entidades nacionais e alguns parlamentares propuseram a continuidade da luta iniciada com o plebiscito através de um movimento pela auditoria cidadã.

Sul21 – Qual o objetivo do movimento?
Maria Lucia – Não queríamos ficar apenas cobrando a auditoria da dívida. Iríamos além. Iríamos tentar levantar o que fosse possível, com base em dados e documentos públicos. É o que temos feito ao longo desses 12 anos, acessando dados sobre a dívida pública da União, dos municípios e dos estados, sempre analisando o teor dos contratos e a sua conjuntura. Buscamos fazer uma auditoria integral, que não é simplesmente uma auditoria contábil. Comparamos dados divulgados pelo Ministério da Fazenda com os dados da contabilidade nacional, com a evolução do orçamento e com o peso da dívida no orçamento. Qual tem sido o peso da dívida na vida do cidadão? Com isso, conseguimos explicar porque o Brasil, sendo um dos países mais ricos do mundo, acumula tanta injustiça, tanta miséria e não oferece os serviços públicos aos quais a sociedade tem direito. Os recursos necessários para isso estão sendo sangrados pela dívida.

Sul21 – Quem são os profissionais que trabalham nessa auditoria?
Maria Lucia - É um movimento aberto. Tem mais de 50 entidades apoiadoras. E 99,9% dos que trabalham conosco são voluntários. Contamos principalmente com o trabalho voluntário de auditores da receita federal, dos tribunais de contas e das receitas estaduais, que doam seus conhecimentos para esta luta cidadã.

Sul21 – E que tipo de informações vocês já possuem sobre a dívida?
Maria Lucia - A dívida brasileira hoje, somando a externa e a interna, está em quase R$ 3,5 trilhões e absorve quase meio orçamento por ano. Ainda assim, a dívida continua aumentando. Em 2011, o governo pagou R$ 708 bilhões. Até início de outubro de 2012, já tínhamos atingido essa cifra. Em geral, o governo divulga uma cifra muito mais baixa do que essa, como se a dívida estivesse em torno de R$ 1,8 trilhão. Isso porque ele divulga a dívida líquida. É um conceito muito pouco claro em que se deduz alguns créditos da dívida bruta. O governo utiliza na dedução, por exemplo, o volume de reservas internacionais. Mas elas representam um ingresso quase nulo ao Brasil. Não dá para fazer esse encontro de contas. As reservas não estão disponíveis, se estivessem, poderíamos simplesmente reaver esse recurso e quitar uma parte da dívida, e isso não está sendo feito. A dívida que estamos pagando é bruta, é sobre ela que incidem os juros. Temos que tomar cuidado com essas maquiagens e conceitos que não são claros.


Já não faz mais sentido falarmos, hoje, em dívida interna e externa. Precisamos falar em dívida pública ou dívida soberana, por conta da ausência de barreiras ao capital”


Sul21 – Afinal, o que compõe essa dívida?
Maria Lucia - Nosso endividamento nasceu junto com a “independência”. Para o que o mundo financeiro reconhecesse nossa independência, herdamos uma dívida que Portugal havia contraído com a Inglaterra para brigar contra a nossa independência. O valor era 3,1 milhões de libras esterlinas – na época, muito dinheiro. Em 1931, quando Getúlio Vargas assumiu, ele questionou o fato de haver tantas cobranças sem os respectivos contratos. Ele determinou que houvesse uma auditoria. O resultado foi impressionante: apenas 40% da dívida estava documentada. Não existia controle dos pagamentos, nem das remessas ao exterior. Isso permitiu o início de uma revisão e certamente ajudou na implantação dos direitos sociais garantidos naquele período. O período atual iniciou na década de 1970, quando a dívida externa era de US$ 5 bilhões. Durante essa década, esse valor se multiplicou por dez. Era algo totalmente sem transparência, e o que se dizia era que o crescimento da dívida ocorreu para financiar o “milagre econômico”. Em 2010, durante a CPI da Dívida, pedimos os contratos referentes à década de 1970. Apenas 16% da dívida estava explicada em contratos. Há uma grande suspeita de que boa parte desses 84% restantes tenha sido recursos que vieram justamente para financiar a ditadura. Imaginávamos que a maior parte dessa dívida era com o FMI. Mas, durante a CPI, fizemos um gráfico que mostra a natureza desses valores, de 1970 até 1994. O principal credor não era o FMI, mas, sim, os bancos privados internacionais. Então essa dívida da década de 1970 é a origem. Foi ela que deu margem a toda sequência de renegociações. Em 1983, por exemplo, essas dívidas foram transferidas para o Banco Central. Foi uma ilegalidade, pois como um agente financeiro nacional, ele não poderia ser, ao mesmo tempo, devedor. Isso foi uma exigência dos bancos privados. Em 1994, a dívida se transformou em bônus. Ela deixou de ser contratual e passou a se transformar em títulos, saindo do Banco Central para ficar a cargo do Tesouro Nacional. Hoje, a natureza desses R$ 3 trilhões de dívida é em títulos, tanto a externa quanto a interna. Restam pouquíssimos contratos de dívidas diretas e bilaterais com países.

Sul21 – A dívida interna inclui contratos internacionais?
Maria Lucia - Inlcui dívida com bancos internacionais. Já não faz mais sentido falarmos, hoje, em dívida interna e externa. Precisamos rever esses conceitos. Teoricamente, a dívida externa é aquela contraída em moeda estrangeira junto a residentes no exterior. A interna é aquela contraída em moeda nacional junto a residentes no país. Hoje, o mercado financeiro está dominando tudo. Quando o Tesouro Nacional emite títulos da dívida, quem tem o privilégio de comprá-los em primeira mão são os chamados “dealers”. Uma lista obtida com o Tesouro mostra quem são esses dealers: Citibank, J. P. Morgan, Santander, Barclays, Deutsche Bank, HSBC… Esses bancos estrangeiros compram diretamente os títulos da dívida interna. Então precisamos falar em dívida pública ou dívida soberana, justamente por conta dessas negociações e, também, por conta da ausência de barreiras ao capital. Grande parte da dívida interna está na mão de estrangeiros. E a dívida externa pode ser comprada por residentes no país, porque são meros papeis.

Sul21 – Nesse contexto, qual seria a utilidade de uma auditoria na dívida?
Maria Lucia – A auditoria iria verificar não apenas os números. Queremos entender qual é a contrapartida dessa dívida e em que condições ela se originou. Não podemos fazer um discurso moralista sobre o endividamento público, vendo a dívida sempre como algo perverso. A dívida pode e deveria ser um instrumento importante para o financiamento do Estado. Os recursos necessários para garantir uma vida digna a toda a sociedade e que não conseguirem ser obtidos por meio dos tributos poderiam ser captados por meio de endividamento. Mas um endividamento transparente, discutido publicamente – porque afinal quem vai pagar é povo – e a um custo razoável, com cláusulas contratuais coerentes. O que temos encontrado nas nossas investigações são quantias que se tornam dívida de um dia para o outro, cláusulas completamente absurdas, que afrontam o aparato legal brasileiro, e operações injustificadas.


Dizem que se você enfrenta o sistema financeiro, o mundo desaba. E isso não aconteceu no Equador, o país não ficou isolado e continua tendo acesso a crédito”


Sul21 – Como foi a experiência de participar do processo de auditoria da dívida pública do Equador?
Maria Lucia - O caso equatoriano foi uma lição de soberania ao mundo. O presidente Rafael Correa criou, por decreto, uma comissão para realizar a auditoria da divida interna e externa. Foram nomeados integrantes dos órgãos públicos, juristas, professores, representantes de movimentos sociais e um grupo de seis estrangeiros. Eu tive a honra de ser convidada. Foi um processo que durou um ano e quatro meses. Entregamos ao presidente diversos relatórios para fins de organizar o trabalho. Uma equipe cuidou da dívida interna. Outra, da externa multinacional. Outra equipe cuidou da dívida bilateral. E um grupo – do qual eu fiz parte – ficou com os contratos com bancos. Entregamos em outubro de 2008 todos os relatórios e o presidente ficou particularmente interessado nos dados da dívida com os bancos, porque era a parcela maior, onde os juros eram mais caros. Conseguimos apresentar o relatório comprovando, com documentos, as diversas ilegalidades, irregularidades e até fraudes nesse processo. O presidente submeteu esse relatório ao crivo jurídico nacional e internacional e recebeu o aval de que o documento tinha sustentação jurídica. Em março de 2009, ele apresentou uma proposta soberana: arremataria a dívida por 30% do seu valor e estipulou um prazo para os detentores interessados entregarem seus títulos. Quem não estivesse interessado que entrasse na Justiça contra o Equador. Qual foi a grande surpresa? O mundo não caiu. Dizem que se você enfrenta o sistema financeiro, o mundo desaba. E isso não aconteceu no Equador. Cerca de 95% dos detentores acataram a proposta. Os outros 5% nunca apareceram. Ninguém entrou na Justiça contra o Equador. Isso demonstra que a auditoria é uma ferramenta que permite acessar a verdadeira história do endividamento. Depois dessa atitude, o Equador obteve um alívio orçamentário de US$ 7 bilhões, o que representa muito para a sua economia. E o país não ficou isolado, continua tendo acesso a créditos.

Sul21 – E a dívida dos estados brasileiros com a União? Parece ser uma engenharia financeira bastante semelhante à da dívida nacional. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o empréstimo feito pelo governo federal foi de R$ 11 bilhões, em 1997. De 1999 a 2010, o estado já pagou R$ 22 bilhões e ainda continua devendo R$ 38 bilhões.
Maria Lucia - Pesquisamos a gênese desse acordo e constatamos que ele é muito parecido com os acordos que o FMI fazia com o Brasil. Há, inclusive, um memorando em que o Brasil se comprometia, junto ao FMI, a fazer o refinanciamento da dívida dos seus estados, retirando deles a prerrogativa de se autofinanciarem. Essa negociação estava associada a outros dois programas. Um deles era o PROES, que “saneava” os bancos públicos estaduais para que pudessem ser privatizados. Foi um verdadeiro pacote, igual aos pacotes que o FMI preparava para a União. Esses acordos foram feitos em bases extremamente onerosas e inaceitáveis, se consideramos que União e estados são entes federados. Um cidadão de Porto Alegre vive, ao mesmo tempo, na sua cidade, no seu estado e no seu país. E é ele quem paga essa dívida. Então, veja bem, não tem sentido o cidadão pagar juros para ele mesmo. É isso que acontece com essa dívida estadual: a União cobra juros dos estados. Esses contatos fracionaram os juros nominais. Isso possibilitou uma garantia de remuneração equivalente à atualização monetária, que é medida, nessa dívida, pelo IGPDI, um índice que mede a expectativa de inflação e considera questões cambiais – o que não faz sentido numa negociação entre entes federados. Que federalismo é esse?

Sul21 – A quais conclusões é possível chegar após a análise de todos esses dados?
Maria Lucia - Podemos dizer que existe um sistema da dívida. Ele consiste na usurpação do instrumento de endividamento público. Em vez de ser um instrumento que aporta recursos ao Estado, passou a ser um ralo para escoar esses recursos. É esse sistema que influencia o modelo econômico. Quais são as metas econômicas do governo federal? Não são metas de bem estar social. São metas de controlar a inflação e atingir o superávit primário. É tudo dirigido em torno da dívida, onde o sistema financeiro absorve a maior parte dos recursos. Se não há recurso para pagar a dívida e atingir o superávit, então o governo corta o orçamento de diversas áreas.

Sul21 – Como a senhora vê a articulação do poder político em torno desse sistema da dívida? Não parece haver interesse dos grandes partidos e lideranças na discussão desse problema.
Maria Lucia - Já conseguimos arrancar a CPI da Dívida em 2010 na Câmara dos Deputados. É evidente que isso foi abafado pela mídia, mas conseguimos acesso a muitos documentos. Atualmente, existe uma CPI semelhante na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Mas essas investigações sofrem forte pressão do setor financeiro, que tenta abafá-las. Por isso precisamos criar uma pressão popular do outro lado. Para que isso ocorra, a sociedade precisa ter acesso à informação. Queremos criar uma mobilização consciente e derrubar a ideia de que esse tema é muito complexo, de que só especialistas muito qualificados poderiam entendê-lo. Precisamos de especialistas em órgãos públicos, mas todas as informações são perfeitamente traduzíveis para o conjunto da sociedade. São os cidadãos que estão pagando essas contas, eles precisam entender a importância desse tema.


Extraído de:

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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Governo Tarso tumultua final de ano letivo

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A nomeação de professores, que sempre é positiva e que deveria ser celebrada pela comunidade escolar e a sociedade, transformou-se em um caos que está perturbando o final de ano letivo nas escolas estaduais do Rio Grande do Sul. 

Em pleno mês de novembro o Governo Tarso resolveu substituir os professores contratados pelos concursados. Os primeiros vêm sendo sumariamente demitidos de um dia para o outro, enquanto os segundos adentram nas escolas sem conhecer o planejamento pedagógico que vinha sendo desenvolvido e em alguns casos enfrentam a hostilidade dos próprios alunos que, além de se sentir corretamente prejudicados, muitas vezes têm dificuldades de compreender que a culpa não é dos nomeados concursados. 

Contraditoriamente o mesmo governo que agora demite os contratados é o mesmo que está encaminhando à Assembléia Legislativa um Projeto de Lei para contratar professores em caráter emergencial! 

Mas não é apenas o momento das nomeações que é problemático: o próprio preenchimento das vagas não vem respeitando o critério que o próprio governo diz ter estabelecido. Vagas surgem e desaparecem em um passe de mágica. Uma escola que hoje não tinha vaga amanhã passa a ter e é rapidamente preenchida. Por isso alguns concursados nomeados fizeram reclamações na justiça.


Dividir para conquistar?

O Governo Tarso está enviando ao parlamento gaúcho mais de 30 projetos em regime de urgência com a expectativa de que sejam aprovados até o final do ano. Entre eles consta um calendário de reajustes para o Magistério até o final de 2014 onde mais uma vez o piso nacional da categoria não será alcançado. [1]

Na última vez que a Assembléia Legislativa votou proposta similar os professores lotaram as galerias e criaram constrangimentos para os deputados da base governista, em especial os petistas, que foram chamados de traidores. [2] 

Não é possível saber com certeza se estamos diante de uma incompetência olímpica ou de uma maldade planejada. O próprio Secretário da Educação, José Clóvis, veio a público defender a forma como vem sendo feitas as nomeações e substituições de professores, enfraquecendo um pouco a primeira hipótese. Além do mais, se em janeiro haverá um curso de formação para os novos professores, por que não disponibilizá-lo agora? Por que jogá-los dentro da sala de aula interrompendo o planejamento pedagógico que vinha sendo desenvolvido? Por que demitir os contratados se há vagas não preenchidas? 

Sobre a segunda hipótese, talvez a mais plausível, não seria a primeira vez que o Governo Tarso busca jogar trabalhadores contra trabalhadores. Foi assim quando privatizou parte da previdência pública e elevou a alíquota de contribuição dos servidores públicos. 

Seja como for, o tumulto nas escolas divide a comunidade escolar, colocando contratados, concursados e alunos em uma briga intestina, o que é muito conveniente para o governo poder aprovar de forma mais tranquila o calote no piso dos professores.


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[1] Governo gaúcho apresenta mais de 30 projetos à AL no final do ano (06/11/12):

[2] Sob vaias, Assembleia aprova reajuste do magistério em longa sessão (20/03/2012):

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